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CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

2.5 Perfil sócio-histórico de Florianópolis e de Lisboa

2.5.2 Lisboa

Delinearemos, aqui, o perfil sócio-histórico de Lisboa, cidade em que se coletou o corpus do PE. A partir de “O Livro de Lisboa”, organizado por Moita (1994) com capítulos de vários autores, apontaremos alguns aspectos da história lisboeta, desde os primeiros indícios de povoamento, pontuando a evolução da cidade até os dias atuais.

Lisboa é capital de Portugal e fica na margem norte do estuário do Tejo a 17 km do oceano Atlântico. Possui uma população de 550 mil pessoas, mas a Grande Lisboa, que engloba cidades vizinhas como Cascais e Sintra, possui quase 2 milhões de habitantes.

A cidade, situada próxima a foz do Rio Tejo, passa a ser capital portuguesa a partir do século XIII, tendo sua posição privilegiada para a navegação contribuído para o fato.

De acordo com Matos, há indícios de ocupações humanas no território de Lisboa em diferentes períodos: na época fenícia (século VIII-VII a.C.), na época púnica (século VI-III a.C.) e na época romana republicana (século III-I a.C.).

Matos aponta que, a partir de escavações realizadas na cidade, se fazem algumas reflexões sobre aspectos urbanísticos da cidade romana. Segundo Gaspar, por exemplo, o urbanismo em Lisboa inicia-se justamente na época do domínio romano, sendo este povo responsável pela implantação de infra-estruturas na cidade, ao mesmo tempo em que valorizaram o potencial portuário e pescatório do local.

Segundo Matos, é provável que no período da conquista romana, no século II, a população em Lisboa se restringisse ao povoado indígena do alto da colina e à zona ribeirinha onde havia uma população miscigenada de indígenas e de elementos mediterrânicos de várias origens.

O autor salienta ainda que, mesmo sem poder precisar, parece que o número de habitantes era bastante elevado, já que foi reunido um grande número de lápides e sabe- se que apenas uma minoria privilegiada tinha acesso a tal luxo.

A urbanidade trazida pelos romanos foi reforçada pelos muçulmanos (domínio que vai de 714 até o século XII) que, conforme Gaspar, havia se perdido na época anterior quando Lisboa esteve sob o domínio germânico. Os muçulmanos foram responsáveis pela criação de uma Lisboa fortificada. Nesse período, Lisboa era considerada uma cidade média em termos europeus, com um espaço interior à muralha de mais de 103 hectares.

Marques aponta que, no decorrer dos séculos XIV e XV, a população da cidade aumentou, passando de vinte mil nos finais do século duzentos, e mais do dobro no limiar do século de quinhentos. Nessa época, de acordo com o autor, as casas eram na sua maioria térreas, sobressaindo-se apenas em altura as numerosas torres de igrejas e palácios pela cidade. Já nos fins do século XV, o aumento da população faz com que as casas da cidade passem a elevar o número de andares.

Nesse período, as casas exibiam espaços verdes, campos de pastagem, vinhas, olivais, além dos espaços de trabalho agrícola, o que, conforme Marques, “conferiam à Lisboa medieval, como a todas as cidades portuguesas, uma feição ainda marcadamente rural” (op. cit., p.91). O autor aponta ainda que o comércio, o artesanato e os serviços que caracterizavam a cidade, distinguindo-a das demais do país, casavam-se com a agricultura, a criação de gado e a pesca, sendo difícil dizer qual das atividades era predominante e responsável pelo sustento do maior número de pessoas.

Embora se desenvolvessem tais atividades na cidade, em função de já ser considerada uma grande cidade, Lisboa também foi marcada nos séculos de 300 e 400, assim como outras cidades da mesma proporção, pela fome e pelas epidemias.

Marques ressalta que Lisboa também era caracterizada pelo aspecto defensivo das cidades medievais. A cidade não se impunha pela monumentalidade das construções; na boa tradição portuguesa; segundo o autor, “os edifícios podiam ser ricos e decorados interiormente mas ostentavam pouca aparência no exterior” (op. cit., p.93). Os monumentos religiosos, como as igrejas e os conventos, de acordo com Marques, eram os mais importantes. Na verdade, havia poucos monumentos civis; os de maior destaque eram os palácios reais e senhoriais.

No período filipino, entre 1580-1640, de acordo com Gaspar, Lisboa afirma sua vocação atlântica e, embora perdesse certo peso por deixar de ser sede da corte real, ganhou importância no contexto da Península Ibérica, beneficiando-se do trato das Américas e do Oriente.

É no século XVI, como aponta Moita, que Lisboa descobre o caminho marítimo para a Índia, sendo colocada nas rotas do comércio mundial, tendo como conseqüência a transformação da cidade em diversos aspectos, embora já tivesse importância, em função de ser capital do país desde o século XIII.

Em termos urbanísticos, a autora evidencia que, no século de 500, Lisboa recebe um legado medieval confortável, tanto no que se refere à área, definida pela muralha fernandina construída em finais do século XIV (1373-1375), e que lhe comparava em

extensão com outras cidades européias, quanto em relação a estruturas básicas que decorriam do fato de ser capital.

Moita aponta ainda a importância do Tejo para a cidade que, neste período dos descobrimentos marítimos, era considerado mar. O Tejo era, conforme Moita, não só utilizado para viagens de trabalho e negócios dele partiram as embarcações de Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e todas as outras rumo às descobertas, mas utilizado também como meio de transporte privilegiado, já que as vias terrestres eram insuficientes e de má qualidade.

Lisboa recupera a corte em 1640, momento em que, segundo Gaspar, são construídos muitos palácios e conventos, perdidos, posteriormente, durante a Guerra dos 30 anos com a Espanha.

De acordo com Pereira, na segunda metade do século XVII, a cidade não sofre grandes alterações, nem em termos do seu crescimento urbano, nem na sua imagem. O autor indica que, no cotidiano da cidade são comemoradas festas do calendário litúrgico acompanhadas de festejos populares, assim como jogos e touradas, o que dão

sentido teatral ao seu espaço urbano, ao mesmo tempo que reforçam a ascensão da imagem da Corte como instância suprema de decisão e, doravante, símbolo exclusivo do poder de governar os homens, só disputado pelo poder da Igreja sobre as consciências (op. cit., p.349).

No período entre 1706 e 1750, no reinado de D. João V, de acordo com Gaspar, Lisboa enriquece com o ouro do Brasil, passa por uma fase de monumentalidade e ostentação da nobreza e da igreja; no entanto, não se atualiza em termos de ciência, técnica e arte.

É nesse período que se inicia na cidade a construção do Aqueduto das Águas Livres, obra muito importante para Lisboa, que permitiu, conforme Gaspar, melhorar as condições sanitárias e sociais da cidade em função do aumento significativo no abastecimento de água.

Em 1/11/1755, ocorre um “terramoto” que destrói a cidade de Lisboa, que é reconstruída por Marquês de Pombal. De acordo com Gaspar, “acabaram por prevalecer as vantagens do sítio [lugar] original, optando-se por um novo desenho urbano e por inovações tecnológicas nas edificações, de molde a minimizar os impactos de futuros cataclismos” (op.cit, p.19).

O terremoto, conforme França, destruiu 54 conventos, 35 paróquias, 33 palácios e 17 mil das 20 mil casas que havia, além de morrerem 5000 pessoas, dos 250 mil habitantes que se supõe residirem em Lisboa na época.

O autor evidencia que Marquês de Pombal era secretário de Estado e tomou as rédeas da situação, com medidas enérgicas e que lhe confere até hoje grande popularidade na cidade, já que Dom Luís da Cunha passou a pasta do Reino logo após a catástrofe e nem tampouco visitou as ruínas da capital, apenas 20 anos depois quando se inaugurava uma estátua que lhe “celebrava a competência régia” (op. cit., p.363).

Marques aponta que, das 21 igrejas contemporâneas dos séculos XIV e XV, só uma, a Sé, sobreviveu ao terremoto de maneira a ser imaginada como era no período medieval. As demais sofreram tantas modificações entre os séculos XVI e XVIII que hoje é difícil imaginar como eram nas suas origens.

Segundo França, a cidade com Pombal abria-se para o futuro com novo desenho proposto. Em 1777, com a queda de Pombal e a morte do rei Dom José, as obras públicas foram paralisadas, assim como algumas obras privadas, mas, como indica o autor, a fidalguia perseguida até então é mais ou menos reabilitada por Dona Maria I.

Nesse período, com a perda da corte passada ao Brasil, Lisboa entra numa fase de morosidade nos negócios. Conforme França, todas as obras ficam paradas, já que o dinheiro era pouco para pagar despesas da guerra e da ocupação.

Em 1851, com o fim da guerra civil de 30 anos, o país, de acordo com Silva, passa por uma fase de desenvolvimento e civilização. Em Lisboa, em 1886, inaugura-se a Avenida da Liberdade e conclui-se a Avenida 24 de julho. Dois projetos, que, como aponta Silva, tinham algo em comum, afastavam fisicamente o rio da orla urbana. Começa-se, assim, a aproveitar as potencialidades das superfícies do interior.

Silva evidencia que, se anuncia, deste modo, uma nova Lisboa, que rompe com a tradicional cidade ribeirinha, afastando o Tejo dos seus projetos de modernização e ainda ajudam-na “a sair do ciclo de pobreza em que viveu encerrada durante grande parte de oitocentos” (FERNANDES, op. cit., p.493). Nesse período são inaugurados o Caminho de Ferro de Cintura e o do Cais do Sodré a Cascais (1889), permitindo acesso mais rápido às zonas de veraneio, começa a substituição do gás pela eletricidade (1878) e, com a Companhia Carris de Ferro, instalam-se os carros elétricos (1876) e os elevadores mecânicos (1884).

Por volta de 1900, como indica Silva, o príncipe Dom Afonso, irmão do rei, assustava os transeuntes ao volante de um dos primeiros automóveis que circulavam na

cidade. Há também, nesse período, de acordo com Fernandes, construções importantes da arquitetura do ferro que marcam Lisboa: os elevadores do Carmo (1902), da Alcântara (1906), os edifícios em andares (Alcântara, 24 de julho, 1904), as garagens (Rato, 1906), edifícios industriais (Fábrica Germânia, Almirante Reis, 1913), casas de espetáculos (Teatro Ginásio, 1923, Tivoli, 1924, Capitólio, 1925).

Fernandes evidencia que, no início da década de 30, há um arranque na expansão da cidade, relacionado com a instauração do governo autoritário nacional em 1926, em que se assiste à construção de obras públicas como o Instituto Superior Técnico Nacional de Estatística (1927-35), a casa da Moeda do Arco Cego (1934-36) e o Pavilhão de Rádio em Sete Rios (1927-33).

Entre 1935 e 1938, segundo Fernandes, há um Plano de Urbanização de Lisboa, realizado no Ministério de Duarte Pacheco com a colaboração de urbanistas franceses, em que se nota evidente modernização na cidade com a construção do aeroporto, da cidade universitária, dos parques de Monsanto e Eduardo VII.

O autor indica que, entre 1948 e 1952, se implementa na cidade uma série de regras novas e modernizantes, dentre as quais se destacam: planejamento de sistemas de arruamentos hierarquizados (circulações separadas de pedestres e carros), novas formas de execução e gestão das edificações, bem como a diversificação controlada dos tipos de empreendimento, polifuncionalidade de novas áreas urbanizadas, combatendo assim a excessiva zonificação da cidade que desde a expansão dos finais de oitocentos se acentuava e articulação das novas áreas urbanizadas com as já existentes em continuidade no espaço urbano.

Em termos de população, Fernandes aponta que, em 1930, se contavam 600.000 habitantes e, em 1940, 700.000. Um aumento considerável, já que em menos de um século, em 1864, se contavam 197 mil pessoas na cidade. Já em 1950 a população se aproxima de um milhão de habitantes.

Depois da segunda guerra, Lisboa pára de crescer, conforme aponta Gaspar; há evidente declínio demográfico a partir dos anos 60 com visível expansão nos subúrbios. É nesse período que, conforme evidencia Custódio, a sociedade passa da era da metalúrgica do ferro e dos têxteis à era do consumo.

A imagem de uma Lisboa manufactureira e industrial com as suas evidências arquitectónicas, fabris e técnicas, com os seus ruídos de trabalho, seus cheiros dos produtos recém-fabricados e as suas envolvências sociais de artesãos e operários, tal como era comum, nos finais do século XIX e ainda na metade do

século XX, esfumou-se do quotidiano do habitante da cidade nos últimos trinta anos [década de 60] (op. cit., p.435).

É nesta época também que, segundo Custódio, a sociedade se esmera em resolver o problema da energia através das vantagens da eletricidade e, ao mesmo tempo, descobre o petróleo. Surgem novas condições sociais que promovem cada vez mais o bem-estar da população e o consumo, tanto de bens alimentares, como de equipamentos domésticos e do automóvel.

O autor ressalta ainda que, em função do crescimento econômico, há também crescimento populacional principalmente de deserdados dos campos portugueses que buscam oportunidades de trabalho na cidade. No entanto, os baixos salários e os preços relativamente altos minavam os sonhos daqueles que iam em busca de condições melhores de vida.

De acordo com Fernandes, o plano diretor de Lisboa, publicado em 1967, preocupava-se principalmente com a rede viária e com a previsão de vários túneis e viadutos, já que havia uma nova rede de comboios subterrâneos, desde 63, e o desenvolvimento da rede de “autocarros”. Observa-se, neste momento, o aumento cada vez maior dos fluxos pendulares de uma enorme população que mora na periferia e trabalha na cidade, contribuindo para a formação da Grande Lisboa, de Sintra a Setúbal ou de Vila Franca a Cascais.

Gaspar salienta que, nos finais do século XX, se observa a beleza, grandiosidade e excelência funcional de Lisboa, embora ainda se perceba, em relação ao processo de urbanização, muita carência e erros cometidos. Para Fernandes, há, na atualidade, um tempo de recuperação da capitalidade perdida e uma tentativa de reorganização funcional, espacial e urbanístico-arquitetônica da cidade.

O ano de 1974, marcado pelo “25 de abril”, data em que se derruba o regime político que vigorava em Portugal desde o golpe militar de 1926, de inspiração fascista, que manteve Salazar no poder de 1933 a 1968, sendo substituído por Marcello Caetano deposto então na data da revolução, faz com que surja uma nova ordem urbana que, segundo Fernandes, se mostrou tão inovadora, como passageira.

Há nos anos 80, como indica o autor, reestabilização política e social na cidade e os problemas vêm à tona:

- a necessidade urgente de reabilitar e repensar as funções de seus núcleos históricos centrais,

- o controlo da terciarização excessiva sofrida nos últimos anos nas áreas das avenidas, com reequilíbrio das áreas exclusivas de serviços e das áreas de lazer, equipamento e residência,

- a reintegração das vastas áreas de habitação clandestina e degradada que envolvia Lisboa, intensamente agravada na última década,

- o problema capital, que era o da gestão e desenvolvimento do seu território real, o qual ultrapassava largamente o dos limites administrativos, existentes criados há cem anos (op. cit., p.512).

Percebem-se, a partir dos anos 90, como aponta Fernandes, ações efetivas na cidade, previstas há algum tempo, no sentido da recuperação do centro histórico, da criação de novas áreas de parque, do desenvolvimento da rede viária, complementadas por túneis, viadutos e parques de estacionamento e na faixa litoral a reconstrução da via marginal, duplicação e adaptação de transportes coletivos rápidos.

Por fim, observamos na longa trajetória da história de Lisboa, por um lado, períodos áureos de muita riqueza e poder, períodos de crescimento econômico e social, e, por outro, períodos de estagnação e recuperação tanto do poder, quanto do crescimento.

Hoje em dia, o que se observa é que, em termos europeus, embora Portugal esteja inserido na comunidade econômica européia, não faz parte do bloco dos países mais ricos, nem mais poderosos, mas, de maneira geral, há, na cidade de Lisboa, especificamente, boa qualidade de vida, já que a população conta com boa infra- estrutura e acesso a bens e serviços que também são encontrados no restante da Europa.