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CAPÍTULO I – O FENÔMENO EM ESTUDO

1.1 Revisão Bibliográfica: alguns estudos sobre a concordância verbal de

1.1.2 No Português Europeu

No que se refere ao Português Europeu, salientaremos os seguintes estudos: Carrilho (2003), Varejão (2006) e Naro e Scherre (2007).

Carrilho (2003) analisa, sob uma perspectiva formalista, a variação na concordância verbal de terceira pessoa em dados que fazem parte do CORDIAL-SIN18.

Segundo a autora, a “discordância” verbal aparece em contextos em que o constituinte ocupa posição pós-verbal. Os dados analisados atestam que esta não marcação de concordância entre o verbo e um sujeito posposto ocorre apenas em construções com predicados verbais que não selecionam um argumento externo referencial, em casos de construções com verbos inacusativos e construções predicativas.

Varejão (2006) investiga o fenômeno da concordância verbal de terceira pessoa do plural sob a ótica da Teoria da Variação Lingüística, embora enfatize que sua pesquisa “não se estabeleça sob sua orientação metodológica strictu senso” (p. 113).

A amostra da sua pesquisa foi extraída da base de dados do CORDIAL-SIN. Dos 2520 dados coletados através da internet, 223 (9%) não apresentaram marcas de concordância.

A autora controlou os seguintes grupos de fatores: saliência fônica, tipo de verbo, forma verbal, posição do sujeito, estrutura do SN sujeito e estatuto sintático do verbo que carrega as marcas de concordância.

Embora Varejão não tenha feito uma análise quantitativa nos moldes labovianos, analisou a interferência dos fatores lingüísticos controlados. Sua análise revelou as formas verbais menos salientes e a posposição do sujeito como os mais significativos no desfavorecimento da marcação da concordância verbal no PE popular.

Naro e Scherre (2007), ao investigarem as origens do PB, comprovam que há variação na concordância19 de número no português europeu atual e antigo. Embora a maioria dos portugueses, inclusive os profissionais da dialetologia, afirmem que o uso

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O CORDIAL-SIN, Corpus Dialetal com Anotação Sintática, é um projeto do Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa que apresenta excertos selecionados de 4500 horas de gravações de fala realizadas em 200 localidades de Portugal no âmbito dos atlas portugueses (ALEPG – Atlas Lingüístico e Etnográfico de Portugal e da Galiza, ALLP – Atlas Lingüístico do Litoral Português, ALEAç – Atlas Lingüístico e Etnográfico dos Açores e BA – Fronteira Dialetal do Barlavento Algarvio). Tais excertos estão disponíveis na internet na página www.clul.ul.pt.

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Evidenciaremos os dados de concordância verbal de terceira pessoa do plural, nosso objeto de interesse, embora a análise dos autores contemple outros casos de concordância, como a nominal, por exemplo.

da regra de concordância é categórico, os autores, partindo de estudos do PE, garimpam exemplos da variação existente, como exemplificamos a seguir:

(4) As querenguelas só presta para pescar

Lanço das duas pedras que tá no meio do lanço

... corre todos os seus criados (versão do romance Adelina) (ALVES20, 1993, p.90, apud NARO e SCHERRE, 2007, p.55)

(5) era duas, três sardinha

É duas partes pru dono e uma pa cada um da gente (informante pescador, 69 anos) (NARO e SCHERRE, 2007, p. 56)

(6) mas, minha senhora, pescadas e linguado nunca lá faltô a eles (informante mulher, 84 anos) (NARO e SCHERRE, 2007, p.56)

Os exemplos em (4), (5) e (6) mostram a variação do PE no século XX, já os exemplos seguintes mostram que se encontra variação também em textos antigos.

(7) mas dava lhe gram torva as portas çarradas (MIRA MATEUS, 1970, p.244, apud NARO e SCHERRE, 2007, p.58)

(8) aqueles que, da gente d’Alexandria, reinou no Egipto (MIRA MATEUS, 1970, p.544, apud NARO e SCHERRE, 2007, p. 59)

Os autores, em sua análise do PE antigo, verificam a influência do grupo de fatores saliência fônica para o condicionamento da variação da concordância verbal em oito textos portugueses medievais, num total de 235 dados de falta de concordância. A tabela a seguir evidencia os resultados encontrados pelos autores.

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Segundo Naro e Scherre (op. cit.), os dados em (4) foram retirados da monografia de Joana Lopes Alves publicada primeiro em Lisboa em 1965, com dados não gravados. Os exemplos em (5) e (6) foram extraídos de gravações dos anos 80.

CATEGORIA N PESO RELATIVO

- saliente 204 0,33

+ saliente 31 0,75

Tabela 1.1: Taxa de concordância verbo/sujeito em função da oposição singular/plural em oito textos portugueses medievais (NARO e SCHERRE, 2007, p.60)

Naro e Scherre atestam, a partir dos resultados, que “os fatores que controlavam a variação no português medieval são os mesmos que controlam a variação no Brasil moderno de hoje” (2007, p.61).

Os autores controlaram também em sua análise o grupo de fatores traço humano do sujeito. Os resultados estão na tabela abaixo.

CATEGORIA N PESO RELATIVO

humano 148 0,58

não-humano 87 0,27

Tabela 1.2: Taxa de concordância verbo/sujeito em função do traço ‘humano’ do sujeito em oito textos portugueses medievais (NARO e SCHERRE, 2007, p.63)

Pudemos verificar que os resultados dos textos medievais confirmam que os sujeitos com traço mais humano tendem à marcação da concordância, diferentemente dos sujeitos com traço menos humano.

No que se refere à posição do sujeito em relação ao verbo, em uma análise de doze obras da dialetologia portuguesa européia, Naro e Scherre observaram que nove dos doze autores pesquisados apresentam exemplos de ausência de concordância verbal com sujeito à direita do verbo e também nove dos doze, com sujeito à esquerda do verbo. Observemos alguns exemplos, a seguir:

(9) ... punhom-se pela cabeça, condo morria pessoas de família chigada... já bai os pães feitos

tava lá já as criadas

É os homes que puxim à carroça...

...corre todos os seus criados (NARO e SCHERRE, 2007, p. 96)

Que te nasça tantos bechochos...

(...) D’pôs veiu o rei e a rainha (NARO e SCHERRE, 2007, p.97)

(11) Duas canas dá oito mestras

as borricêras que viero onte é que fez isto

os nossos agasalhos é estes (NARO e SCHERRE, 2007, p.98)

(12) O pai e a mãe nunca bai p’ró rio

Carangueijos é do mar (NARO e SCHERRE, 2007, p.99)

Os autores evidenciam que, além dos registros das ocorrências, a afirmação de uma das autoras portuguesas, de cuja obra foram retirados alguns dados, é bastante elucidativa: “Se o sujeito é plural e está depois do verbo, este fica freqüentemente no singular” e “mesmo quando o sujeito é plural e está antes do verbo, verifica-se, por vezes, o emprego deste no singular” [grifos dos autores] (CRUZ, 1991, p.159, apud NARO e SCHERRE, 2007, p.99).

Desta forma, parece evidente a percepção de Cruz de que a posição do sujeito posposta ao verbo influencia mais “freqüentemente” na não marcação da concordância, enquanto a posição anteposta pode “por vezes” influenciar, assim como já é observado no PB (cf. NARO e SCHERRE, 1996; MONGUILHOTT, 2001).

Em síntese, Naro e Scherre evidenciam que nem todas as variáveis independentes consideradas relevantes para o PB moderno foram testadas para os textos arcaicos do PE em função da quantidade de dados de que dispunham. No entanto, “o quadro diacrônico geral é a preservação do efeito hierárquico dos fatores condicionantes, acompanhado no Brasil de um aumento do nível da média global de uso da variante não explicitamente marcada no verbo, em contexto de sujeito plural” (NARO e SCHERRE, 2007, p.65).