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CAPÍTULO I – O FENÔMENO EM ESTUDO

1.1 Revisão Bibliográfica: alguns estudos sobre a concordância verbal de

1.1.1 No Português do Brasil

1.1.1.2 Português não urbano

No que se refere a trabalhos desenvolvidos com amostras do português não urbano, destacaremos resultados das seguintes pesquisas: Rodrigues (1987), Silva (2003), Pereira (2004), Cardoso (2005) e Lucchesi (2006). 11

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No capítulo II, seção 2.1.3, discutiremos mais detalhadamente o conceito de comunidade de fala. 11

Caracterizamos como português não urbano as amostras das pesquisas com informantes que vivem em áreas periféricas como as favelas de São Paulo (RODRIGUES, 1987), áreas periféricas do Distrito Federal (CARDOSO, 2005), comunidades rurais da Bahia, de São Paulo e Minas Gerais (SILVA, 2003; PEREIRA, 2004). Inserimos o estudo de Lucchesi nesta seção, pois embora retrate amostras do português urbano (PEUL, NURC e VARSUL), também traz resultados de amostras do português não urbano (SILVA, 2003; VIEIRA, 1997 e NINA, 1980).

Rodrigues (1987) descreve a realização da regra de concordância verbal no português popular de São Paulo. Para a autora, fala popular é aquela usada pelo falante que “não adquire a variedade de língua que Labov rotula standard ou padrão consistente” (p.96).

A amostra de sua pesquisa é composta por 40 informantes adultos, de ambos os sexos (16 homens e 24 mulheres), com baixo nível de escolaridade (escolaridade nula ou de 1ª. a 4ª. série do ensino fundamental), estratificados em três faixas etárias (20 a 35 anos, 36 a 50 anos, mais de 51 anos), procedentes da capital e do noroeste do Estado de São Paulo, do norte do Paraná, do norte de Minas Gerais, do sul da Bahia e da região nordeste do país (Pernambuco, Alagoas, Ceará e Paraíba), todos residentes das favelas dos jardins Carombé e Paulistano, na periferia paulistana.

A autora analisou a concordância verbal de primeira e terceira pessoa do plural. Evidenciaremos os resultados referentes à terceira pessoa que apresentaram uma freqüência geral de não-marcação da concordância de 71% de um total de 1356 dados. No que tange aos fatores lingüísticos, a autora controlou a posição do sujeito em relação ao verbo, a saliência fônica e a classe morfológica do sujeito. Os resultados evidenciam que os três fatores lingüísticos considerados na análise se mostraram relevantes.

Em relação ao grupo de fatores posição do sujeito, constatou-se que o sujeito posposto influenciou a não-concordância (97%12, .88), diferentemente do sujeito anteposto (76%, .31) e do sujeito distante do verbo (78%, .45). No grupo de fatores saliência fônica, atestou-se o que já era previsto em Naro (1981): formas mais salientes apresentam mais marcas de concordância padrão (ex. fez/fizeram 31% .20) do que formas menos salientes (ex.: fala/falam 94%, .93). No que se refere ao grupo de fatores classe morfológica do sujeito, os resultados indicam, por um lado, um menor uso da concordância padrão para o sujeito não-pronominal (82%, .67), seguido do sujeito explícito (72%, .45) e, por outro lado, o sujeito não explícito influenciando o uso de marcas de concordância (48%, .38).

Rodrigues (1987) analisou, em seu trabalho, os grupos de fatores sociais: sexo, idade, escolaridade e procedência. Em relação à marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural, os grupos sexo e escolaridade foram considerados irrelevantes na análise. O grupo de fatores idade indicou que “formas lingüísticas aceitas como padrão tendem a ocorrer, predominantemente, entre falantes mais velhos” (p.219). Os

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Vale ressaltar que as freqüências e os pesos relativos desse estudo referem-se à não-marcação da concordância verbal.

falantes mais jovens (20 a 35 anos) são os que menos utilizam marcas de concordância em sua fala (80%, .66), em contraste com os falantes da faixa etária intermediária (36 a 50 anos – 70%, .39) e com os falantes mais velhos (mais de 51 anos – 65%, .44). No que se refere à procedência, grupo de fatores mais significativo entre os sociais, a autora constatou que os falantes de São Paulo (capital) são os que mais preservam as marcas de concordância verbal (63%, .39), e os falantes do Norte de Minas Gerais e sul da Bahia são os que menos preservam as marcas em sua fala (75%, .71).

Silva (2003) investiga a concordância verbal de terceira pessoa do plural em três comunidades rurais do estado da Bahia: Cinzento, Helvécia e Rio de Contas. Das 1706 ocorrências levantadas no corpus da pesquisa, 273 apresentaram marcas de concordância, 16% do total. Dentre as variáveis lingüísticas controladas, as seguintes foram selecionadas pelo programa Varbrul, por ordem de relevância: saliência fônica, indicação plural no SN sujeito, concordância nominal no sujeito, realização e posição do sujeito, tipos de verbo e caracterização semântica do sujeito. Já dentre as variáveis extralingüísticas selecionadas estão: faixa etária, comunidade e sexo.

Em relação à saliência fônica, seus resultados comprovaram que as formas mais salientes são aquelas que mais favorecem a marcação da concordância verbal (CV) (31% de freqüência e .78 de peso relativo, contra 6% de freqüência e .27 de peso relativo para as marcas menos salientes).

No que se refere à variável indicação plural no SN sujeito, foram controlados os fatores de indicação mórfica, quantificador e lexical13. Os resultados apontam para a indicação lexical como mais favorecedora da marcação da CV, com 80% de freqüência e .97 de peso relativo. Já a indicação mórfica apresentou 12% de freqüência e .47 de peso relativo e a indicação quantificador 17% de freqüência e .52 de peso relativo.

A outra variável selecionada foi a concordância nominal no sujeito. Os resultados indicam que, quando havia concordância nominal, as chances de haver concordância verbal eram maiores (24% de freqüência e .74 de peso relativo) do que quando a concordância nominal não ocorria (9% de freqüência e .48 de peso relativo).

A variável seguinte selecionada foi a realização e posição do sujeito. Os resultados para esta variável apontaram um favorecimento da concordância verbal para o sujeito não realizado (27% de freqüência e .61 de peso relativo), seguido do sujeito

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Essa variável refere-se às estratégias de pluralização do sujeito: noção de plural indicada pelo morfema (indicação mórfica) “os minino tirô as calça”, noção de plural indicada pelo quantificador (quantificador) “muitos dele adoece” e noção de plural indicada pelo valor semântico do item lexical (lexical) “a nova geração tão animado”. Os exemplos foram extraídos do trabalho do autor.

posposto (11% de freqüência e .51 de peso relativo), do sujeito anteposto (14% de freqüência e .49 de peso relativo) e um desfavorecimento da concordância para o sujeito retomado por um relativo (9% de freqüência e .35 de peso relativo). Vale ressaltar que houve inversão em termos de freqüência e peso relativo para os fatores sujeito posposto e anteposto, embora em termos percentuais o sujeito posposto tenha desfavorecido a concordância em relação ao sujeito anteposto; em termos de peso relativo, houve uma inversão.

O tipo de verbo apresentou os seguintes resultados: os verbos intransitivos foram os que mais preservaram as marcas de CV (16% de freqüência e .58 de peso relativo), seguido dos transitivos (15% de freqüência e .51 de peso relativo) e dos auxiliares (18% de freqüência e .47 de peso relativo). Os verbos ergativos foram os que menos preservaram as marcas de CV (8% de freqüência e .29 de peso relativo).

Por fim, a última variável lingüística selecionada foi a caracterização semântica do sujeito que apontou para o SN-sujeito com traço [+humano] como favorecedor das marcas de CV (17% de freqüência e .52 de peso relativo), contrário ao SN-sujeito com traço [-humano] (10% de freqüência e .40 de peso relativo).

Nos resultados de Silva (2003), no que se refere às variáveis extralingüísticas selecionadas, a faixa etária foi a mais significativa apontando um favorecimento nas marcas de CV para a faixa I (20 a 40 anos) com 22% de freqüência e .62 de peso relativo, seguido da faixa II (41 a 60 anos) com 14% de freqüência e .48 de peso relativo, por fim a faixa III (61 anos em diante) indicando desfavorecimento das marcas de CV com 10% de freqüência e .36 de peso relativo.

A segunda variável extralingüística selecionada foi comunidade. Os resultados indicam que Rio de Contas é a localidade que mais preserva marcas de CV com 24% de freqüência e .67 de peso relativo, seguida de Helvécia com 16% de freqüência e .47 de peso relativo. Já Cinzento foi a comunidade que menos preservou marcas de CV com 13% de freqüência e .43 de peso relativo. O autor atribui os resultados à história de cada comunidade evidenciando que Rio de Contas apresenta maiores índices de marcação da CV em função das atividades turísticas existentes na localidade que tendem a influenciar a fala de seus habitantes.

Por fim, a variável sexo foi selecionada e os resultados apontam uma tendência maior à marcação da CV para os homens (19% de freqüência e .56 de peso relativo) do que para as mulheres (13% de freqüência e .45 de peso relativo). Os resultados, de acordo com Silva, devem-se ao fato de, nas comunidades estudadas, a mulher apresentar

“comportamento conservador em função da história e do contexto social que o meio rural lhe proporciona” (SILVA, 2003, p.180).

Pereira (2004), em seu estudo acerca da concordância verbal de 1ª. e 3ª. pessoa do plural no português popular falado por pessoas idosas na zona rural de São Paulo e Minas Gerais, encontra um índice de concordância verbal de terceira pessoa do plural de 24%. A amostra investigada pela autora faz parte do Corpus de língua falada do Projeto Filologia Bandeirante14.

Em seu estudo, Pereira controla treze grupos de fatores para o condicionamento da concordância verbal de terceira pessoa, dos quais seis foram selecionados: saliência fônica, presença/ausência do sujeito pronominal, paralelismo discursivo, traço semântico do sujeito [+/- humano], paralelismo oracional e papel semântico do sujeito.

Os resultados encontrados corresponderam às hipóteses da pesquisa com os seguintes fatores favorecedores da marcação da concordância nos verbos: formas verbais mais salientes, sujeito zero, verbo precedido de verbo com marca formal de plural, traço [+humano] no sujeito, presença de marca formal de plural no último elemento do SN sujeito e sujeito agente15.

Cardoso (2005), ao analisar a fala de uma mulher de 40 anos com três anos de escolaridade, constatou a relevância dos fatores lingüísticos no controle da concordância verbal de 3ª e 1ª pessoa do plural: saliência fônica, traço semântico do sujeito, paralelismo oracional, paralelismo discursivo, adjacência entre núcleo e verbo e pessoa gramatical do sujeito.

A autora coletou 656 dados de concordância verbal de 3ª. e 1ª. pessoa do plural, incluindo a gente. Na análise, os casos de a gente foram excluídos devido à categoricidade de concordância na 3ª pessoa do singular. Sendo assim, foram analisados 507 dados, sendo 264 (53%) com marcas de concordância verbal e 243 (47%) sem marcas de concordância verbal.

Os resultados de Cardoso corroboraram resultados acerca do fenômeno em outros estudos, tendo os seguintes fatores condicionado a marcação da concordância verbal: formas verbais mais salientes, sujeito com traço mais humano, SN sujeito com marca formal de plural, sintagma verbal precedente com marca explícita de plural, SN imediatamente à esquerda do verbo e sujeito de 3ª pessoa do plural.

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O projeto objetiva coletar dados de falantes de núcleos rurais dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, localizados na rota dos bandeirantes.

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Este último fator, conforme evidenciado pela autora, confirmou suas hipóteses em termos de percentuais, mas não em termos de probablilidade.

Lucchesi (2006), investigando a polarização sociolingüística do Brasil, evidencia resultados de estudos da variação da concordância verbal no PB em variedades cultas e semicultas (em amostras do PEUL, NURC16 e VARSUL) e em variedades populares.

Sua análise acerca das normas cultas e semicultas indica que a variação na concordância verbal “tenha sido determinada, em suas origens, pela posição do sujeito relacionada à inacusatividade verbal; e essa variação pode ter sido intensificada por um eventual processo de enfraquecimento fonético da nasalidade do segmento final, na norma culta do PB” (op. cit., p.99).

Em relação às variedades populares, Lucchesi menciona o estudo de Silva (2003), realizado em três comunidades rurais afro-brasileiras do Estado da Bahia, que indica a atuação da faixa etária no condicionamento da concordância verbal de terceira pessoa do plural. A freqüência e a probabilidade de marcação aumentam conforme a idade do falante diminui17, indicando, segundo o autor, “um processo de incremento da concordância verbal nas comunidades rurais afro-brasileiras” (p.104). Em outros dois estudos (VIEIRA, 1997; NINA, 1980) acerca da variedade popular, apresentados por Lucchesi, a relação entre concordância verbal e faixa etária é a mesma. Vieira (1997) investigou uma amostra de pescadores do norte do Rio de Janeiro e Nina (1980), pesquisou uma amostra de falantes analfabetos de dez municípios do interior do Pará.

Para o autor, no processo de formação das variedades populares do PB houve erosão da morfologia flexional de pessoa e número do verbo que deve ter variado de acordo com cada situação sociolingüística. Ao longo do século XX, em função da crescente influência dos padrões lingüísticos urbanos, o uso dessa morfologia, conforme o autor, teria sido incrementado.

Tal situação parece ser confirmada pelos resultados dos estudos acerca da concordância verbal. De um lado, em estudos de variedades populares, percebe-se o aumento no uso da concordância verbal na fala dos mais jovens; por outro lado, estudos de variedades urbanas cultas e semicultas indicam tendência de queda no nível de aplicação da regra para falantes mais jovens (cf. GRACIOSA, 1991) ou indicam variação estável (cf. SCHERRE e NARO, 1997).

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Norma Lingüística Urbana Culta. 17

Os resultados encontrados por Silva (2003) de acordo com a marcação da concordância verbal: faixa I (20 a 40 anos) – 22%, .62; faixa etária II (41 a 60 anos) – 14%, .48 e faixa etária III (61 anos em diante) – 10%, .36.