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CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

2.1 Teoria da Variação e Mudança

2.1.4 Redes sociais

Consideramos importante também a discussão que existe na literatura sociolingüística a respeito das redes sociais, aspecto a ser considerado neste trabalho e que, de certa forma, é levantado por Guy (2000, 2001), como vimos na sua definição de comunidade de fala.

As redes sociais são definidas, de acordo com Milroy (2002), como a união de conexões contratadas entre os indivíduos. De acordo com a autora, a análise das redes examina as estruturas e as propriedades destas conexões, capturando a dinâmica dos comportamentos interacionais dos falantes. Esta análise, desenvolvida por antropólogos nas décadas de 60 e 70, passou a ser adotada pelos variacionistas a partir da década de 80, com o trabalho precursor de Milroy que revisou o conhecimento sociológico dos estudos de rede para aplicar em um estudo em Belfast (Irlanda), “para explicar o comportamento individual de vários grupos que não podem ser avaliados em termos das associações do grupo corporativo” (1980, p.135 apud CHAMBERS, 1995, p.67)3435.

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“to explain individual behaviour of various kinds which cannot be accounted for in terms of corporate group membership”.

As redes sociais, segundo Milroy (2002), são criadas pelos indivíduos para suprir problemas da vida cotidiana, são comunidades pessoais constituídas por ligações interpessoais de diferentes tipos e intensidades, com estruturas e elos de conexões que podem variar.

Chambers (1995) evidencia que a classe social foi a variável original a ser investigada na sociolingüística; no entanto, percebeu-se que, mesmo em grupos sociais relativamente homogêneos – vizinhança, igreja, instituições –, os indivíduos variam lingüisticamente.

Diferentemente de outras categorias, como a classe social, as redes sociais não se constituem como uma categoria social fixa, situada no macro-nível, dado que as ligações dos indivíduos dentro e entre comunidades de fala podem mudar por diversas razões. “Estudos de rede”, como Guy (1988, p.54) aponta, “são microsociológicos em foco, enquanto estudos de classe são macroscópicos”36 (apud CHAMBERS, 1995, p.68).

Chambers (1995) chama a atenção para o fato de que, por um lado, as redes sociais giram ao redor de uma série de valores locais que geram certa pressão social para que os indivíduos adotem os padrões valorizados por aquele grupo; por outro lado, as redes são, em algum grau, mais escolhidas do que impostas, já que o indivíduo se associa a tal e tal rede muitas vezes por escolha própria.

Esse aspecto, segundo o autor, faz com que as ligações entre os membros das redes difiram das ligações em nível macro, as quais são amplamente determinadas pela família. Como Lippi-Green (1989, p.223 apud CHAMBERS, 1995, p.71) afirma,

enquanto a idade e o gênero são indicadores das relações de grupo sobre as quais o indivíduo não tem escolha e dentro do qual o indivíduo deve atuar, os subsetores da rede representam um diferente aspecto do indivíduo como membro da comunidade: um agente livre.37

Para Chambers (1995), quando visamos a uma explicação das ligações de rede dos indivíduos, devemos olhar para suas associações diárias, investigando como muitas pessoas em certo grupo se conhecem e como elas fazem para se conhecer. O número de ligações entre os indivíduos em uma rede chama-se densidade (do inglês, density) e a capacidade das ligações entre os indivíduos constitui a plexidade (do inglês, plexity).

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As traduções encontradas ao longo deste trabalho são de nossa responsabilidade. 36

“Network studies are microsociological in focus, while class studies are macroscopic”. 37

“while age and gender are indicators of group alliance about which the individual has no choice, and within which he or she must function, the... network subsectors… represent a different aspect of the individual as a community member: that of a free agent”.

Quanto maior o número de pessoas que se conhecem umas às outras em uma determinada rede, maior sua densidade, o contrário configura uma rede frouxa ou de baixa densidade. As redes multiplexas são compostas por indivíduos que se relacionam entre si em diversas condições (podendo ser ao mesmo tempo parentes e vizinhos, ou ainda parceiros no trabalho e no lazer). Já a rede uniplexa é caracterizada por indivíduos que se relacionam de uma única maneira.

Os estudos apontam que comunidades de alta densidade e multiplexas tendem a exibir forte resistência à influência de valores externos, em função dos fortes laços existentes entre os indivíduos e da identificação com os valores sociais da sua comunidade.

Um outro termo importante que se vincula às redes sociais e será considerado em nosso trabalho é o localismo. Para Milroy (1980), localismo refere-se ao sentimento que o indivíduo tem de pertencer ao local em que mora, valorizando-o socialmente. Os indivíduos que se identificam com a comunidade da qual fazem parte tendem a reforçar os valores culturais e lingüísticos locais. Relacionado a esse conceito está o conceito de mobilidade. Indivíduos que apresentam alto grau de mobilidade, ou seja, de deslocamento do seu lugar de origem, da sua comunidade, tendem a adotar valores de um grupo externo de referência.

Em relação à nossa amostra, esperamos que os informantes das comunidades não urbanas constituam redes mais densas e multiplexas, já que nessas comunidades os indivíduos se relacionam muito mais intensamente entre eles, são mais solidários entre si, enquanto que os informantes das comunidades urbanas constituam redes menos densas e uniplexas por terem menos contato entre si, apresentarem relações menos estreitas com os indivíduos que fazem parte da sua comunidade.

Desta forma, esperamos que os informantes da zona não urbana tendam ao uso de variantes locais, no caso do nosso estudo, a não marcação da concordância verbal. Já os informantes da zona urbana, embora não exerçam interinfluências entre si por constituírem redes frouxas, usam padrões mais valorizados socialmente, no caso, a marcação da concordância verbal, em função de pertencerem à zona urbana.

Acreditamos, também, que os informantes da nossa amostra que se identificarem com a sua localidade tenderão à valorização da cultura local, bem como dos usos lingüísticos locais, diferentemente dos indivíduos que não se identificarem com a localidade da qual fazem parte, que tenderão a adotar padrões lingüísticos externos. Esperamos ainda que os indivíduos que apresentarem pouca mobilidade tenderão ao uso

dos padrões valorizados localmente, diferentemente dos indivíduos que apresentarem alta mobilidade que tenderão a adotar padrões lingüísticos de grupos externos de referência.