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3. O PERIODISMO E A CONSOLIDAÇÃO DA "CLASSE" INTELECTUAL:

3.2 Marques e a imprensa baiana:

Xavier Marques assume pela primeira vez uma colocação na imprensa da capital baiana em 1885, ao ocupar a vaga de redator deixada por João Augusto Neiva. Aí trabalha até 1891, quando ingressa no Diário da Bahia no cargo de redator político. Possivelmente esta mudança foi motivada por questões financeiras, já que Marques se retira do Jornal de Notícias duas semanas depois do nascimento do seu filho primogênito, Hugo. Em nota a este periódico, afirmou que saía "por motivos que não importa aqui expor" (JORNAL DE NOTÍCIAS apud SALLES, 1969). Por seu turno, a edição do Jornal de Notícias, sob a responsabilidade de Aloísio de Carvalho, em outra nota fez-lhe os elogios de praxe e mencionou maliciosamente a "segurança de um futuro que é necessário prover" (JORNAL DE NOTÍCIAS apud SALLES, 1969).

De todo modo, é também provável que X. Marques tenha conseguido certa estabilidade financeira durante o período em que trabalhou no Jornal de Notícias, ao menos o suporte necessário para casar-se em 1889 com D. Georgina Coelho de Menezes Dórea Marques39. Além da atividade de jornalista, é possível que tenha mantido em paralelo o trabalho como professor do ensino médio; esse fato, no entanto, não é esmiuçado por David Salles, o principal pesquisador de sua vida e obra.

Quando ingressa no Diário da Bahia em 1891, X. Marques ocupa o posto de redator político e nele permanece até 1896. Essa colocação, segundo Salles, serve-lhe de ponte aos cargos públicos, primeiro como oficial da Câmara dos Deputados — onde ingressou como terceiro oficial e ascendeu até primeiro oficial nos vinte anos em que prestou serviço, aposentando-se depois por invalidez — e por último aos cargos eletivos de Deputado Estadual (1915-1921) e de Deputado Federal (de 1921 a 1924) 40.

O Diário da Bahia, jornal que lhe garantiu a entrada no métier político, caracterizou-se como uma tribuna partidária desde a sua criação em janeiro de 1856, no período de estabilidade que se seguiu à maioridade de D. Pedro II. Foram seus fundadores Manuel Jesuíno Ferreira e Demétrio Ciríaco Tourinho. Nasceu sob os auspícios dos princípios liberais: entre 1856 e 1868, teve à sua frente os liberais históricos Demétrio Tourinho e Landulfo Medrado e, entre 1868 e 1880, o Conselheiro Dantas, presidente do Partido Liberal na Bahia, outras vezes mencionado nessa pesquisa como padrinho de Manuel Querino, que, por seu turno, atuou como colaborador do Diário da Bahia na fase em que o Conselheiro Dantas esteve à sua frente. Por sua redação passaram os também liberais Rui Barbosa41 e Manoel Victorino (CARVALHO, 2008).

Xavier Marques entra no Diário da Bahia como redator político na fase em que este esteve sob a liderança de Álvaro Guimarães, entre 1880 e 1901. Permanece neste jornal entre 1891 e 1896, e sai da sua redação antes da fase compreendida entre 1901 e 1917, na qual o jornal esteve sob a influência de Severino Vieira, governador do Estado de 1900 a 1904. Xavier Marques ingressa então no periódico A Bahia, participando apenas da sua fase de

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D. Georgina era neta de portugueses e filha de Luiz Sérvulo de Menezes Dórea, um comerciante com nível de vida satisfatório (SALLES, 1969).

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Cabe pontuar que o jornalismo, especificamente o jornalismo político, foi durante o século XX uma porta de entrada para a própria política; esta é uma faceta da biografia de um político baiano emblemático, Antônio Carlos Magalhães, que ingressou primeiro como comentarista esportivo e aos poucos chegou a comentarista político.

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A hipótese da relação entre jornalismo e carreira política pode ser reafirmada na trajetória de Rui Barbosa. Calmon (1949) arriscava concluir que o jornalismo serviu como primeiro degrau da carreira pública da personalidade baiana mais ilustre do período da Primeira República.

fundação, entre junho de 1896 e abril de 1897, na qual este periódico buscava congregar "homens de imprensa experimentados" (CARVALHO FILHO, 2008). Retirou-se deste antes que ele se tornasse um órgão do pensamento oficial, durante as administrações estaduais de José Marcelino e de Araújo Pinho, entre 1904 e 1911. Provavelmente em razão da sua filiação política, as instalações do periódico A Bahia foram liquidadas durante o bombardeio à cidade em janeiro de 1912, em meio às perturbações advindas na sucessão ao Governo do Estado.

Em menos de um ano Xavier Marques sai do jornal A Bahia para integrar o corpo de redatores do Diário de Notícias, que resistia alheio às articulações políticas, assim como o Jornal de Notícias: ambos consolidavam o seu espaço como órgãos conservadores42. A disputa entre esses dois jornais — que partilhavam o mesmo mercado, por se definirem igualmente como vespertinos neutros e "lucidamente opinantes" (CARVALHO FILHO, 2008, p. 85) — foi um excelente estímulo à imprensa local, tanto em termos materiais como pela preocupação com o enriquecimento do quadro de redatores e de colaboradores, um zelo que se estendia também aos jornais menores. Alguns colaboradores poderiam ser buscados no estrangeiro. O literato Coelho Neto, famoso nas rodas da Capital Federal, escreveu colunas no Jornal de Notícias pelas quais recebeu uma razoável remuneração.

Outra característica em comum entre os conceituados Diário de Notícias e Jornal de Notícias era a intenção de não se limitarem à capital, buscando agregar ao quadro de assinantes habitantes das cidades do interior baiano.

O Diário de Notícias foi fundado em 15 de Março de 1875, por M. S. Lopes Cardoso, com a ideia de que seu programa em tudo se igualasse ao seu homônimo de Lisboa (BIZARRIA, 2008) 43. Buscava promover a imprensa popular no Brasil através de preços baratos. Custava 60,00 réis, o mesmo valor na época das passagens do elevador Lacerda ou Hidráulico, fundado em 08 de dezembro de 1873, e do Plano Inclinado, fundado em 1874 (CARVALHO, 2008). Em 1923 as gazetas já custavam 200,00 réis. Segundo Calmon (1949), com o seu aparecimento inicia-se a chamada Imprensa Barata na Bahia e a novidade do Gazeteiro apregoando o jornal pelas ruas.

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Não obstante, o Jornal de Notícias amparou com sinceras simpatias a candidatura de Seabra em 1912. Cabe lembrar que à época todo o periodismo era envolvido com as disputas pela sucessão ao governo do Estado; os jornais que se declaravam "apolíticos" definiam-se dessa forma por não serem vinculados a um partido específico, sendo, mais precisamente, apenas apartidários.

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Bizarria, Raimundo. Manoel da Silva Lopes. In: Tavares, Luís Guilherme Pontes (org). (2008) Apontamentos para a História da Imprensa na Bahia. 2ª ed. Salvador: Academia de Letras da Bahia. Artigo saído no Almanach do Diário de Notícias, nono ano, 1889, parte Literária e recreativa. O autor na ocasião era editor do Diário de Notícias e esse artigo trata do fundador desse jornal.

O Diário de Notícias, juntamente com o Jornal de Notícias e o Diário da Bahia, tiveram como qualidade a longevidade, mas coube ao primeiro sobreviver aos outros dois. Em sua passagem pelo Diário de Notícias, Xavier Marques foi aproveitado como um dos articulistas para o editorial de crítica e de doutrina. Havia, nos responsáveis pela manifestação do pensamento destes jornais, o propósito de ajustá-los à índole conservadora. Desse fato derivava a impressão de um "jornalismo conceituoso e dramático" (CARVALHO FILHO, 2008, p. 88).

Durante a primeira década do século XX, consolida-se a corrente política encabeçada por J. J. Seabra, então ministro da justiça do governo de Rodrigues Alves. Os seabristas eram aliados dos legionários de Luís Viana (governador em 1896-1900) e ocuparam posições na Gazeta do Povo. Xavier Marques continua a percorrer o seu caminho na política, aberto pelo jornalismo por meio da admissão, em 1891, ao cargo de redator político no Diário da Bahia— a "mais gloriosa tribuna política da nossa imprensa", segundo o testemunho de Carvalho Filho (2008, p. 90). Entre 1905 e 1907, Marques participa do corpo de redatores da Gazeta do Povo, consolidando a sua entrada na política a partir da ascendência ao quadro de correligionários de Seabra. Mais uma vez, o jornalismo e a política caminhavam lado a lado em sua trajetória profissional.

Além de Xavier Marques, entre jornalistas e políticos, encontravam-se ligados à corrente seabrista Octávio Mangabeira, Antônio Moniz e Simões Filho — este, no entanto, viria a fundar o jornal A Tarde em 1912, onde se tornaria opositor ao governo de J. J. Seabra.

A Gazeta do Povo foi fundada em 1905; era um vespertino político que, à época, não possuía um verniz partidário. Durante o governo de Seabra, passou a ser o órgão situacionista da imprensa, servindo ao mesmo tempo como veículo partidário e como órgão oficial. Em 1915, foi substituída pelo nascente Diário Oficial do Estado, para o qual perdeu a sua função de órgão oficial. Deixou finalmente de circular quando foi substituída, em sua derradeira função de veículo partidário, pelo jornal O Democrata, cujo título não deixava dúvidas quanto a sua vinculação ao PRD — Partido Republicano Democrata — ligado a Seabra.

Como foi visto, desde o seu ingresso no Diário da Bahia, Marques trabalha intensamente no jornalismo, só voltando a publicar obras de ficção em 1897. Viveu praticamente do jornalismo e do cargo de oficial na Câmara, aposentando-se um pouco antes de tornar-se Deputado Estadual e Depois Federal em dois mandatos seguidos. A conquista dos cargos eletivos ocorreu sob o influxo político de J. J. Seabra, a quem seguiu como fiel partidário. Em 1916, Xavier Marques, então Deputado Estadual, ingressa no jornal seabrista

O Democrata como redator-chefe e diretor do jornal, onde permanece até 1919. Ao deixá-lo, abandona definitivamente a imprensa diária, ainda que nunca tenha largado totalmente o jornalismo, seja como redator ou como colaborador.

Após o seu mandato como Deputado Estadual, Xavier Marques deixou a Bahia por três anos como representante da Câmara Federal, sempre sob orientação de J. J. Seabra e como membro do Partido Republicano Democrata. Como político, não revelou grandes méritos, a não ser pelo interesse na Educação — ou, como se dizia, pela Instrução Pública. Foi como membro da Comissão de Instrução Pública que revelou certa combatividade na Câmara Federal. O interesse em programas de alfabetização era, à época, compartilhado entre os escritores. Um exemplo canônico desse tipo de engajamento entre integrantes da classe intelectual foi a militância dos escritores Olavo Bilac e Manuel Bonfim.

O caminho percorrido por Xavier Marques no jornalismo baiano, entre as duas últimas décadas do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, sugere o pendor político da imprensa local. Segundo Carvalho Filho (2008), quem quer que acompanhe a história da imprensa da Bahia encontrará sempre entre os periódicos uma nota de caráter político. Durante os últimos anos do Império, o jornalismo foi animado pelas disputas entre o partido Conservador e o Partido Liberal, mas, principalmente, pelas duas grandes questões públicas do momento, a abolição do trabalho escravo e a instauração da República.

Com a entrada do regime republicano, os jornais voltam o seu foco às disputas na sucessão do governo do Estado. Afastam-se ligeiramente dessa tendência o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias, que se definiam como jornais noticiosos: estes buscavam destacar-se pelo conteúdo das notícias, pelos artigos de fundo de tom conservador e moderado e pelos serviços prestados à população: informações sobre comércio, saneamento, transportes, eventos públicos e divulgação literária através dos folhetins que viabilizavam a leitura de clássicos europeus, e obras de escritores baianos a preços acessíveis à população. Desse modo, ambos mantinham seus adeptos, acima de contingências partidárias. À parte esses dois exemplos, entre os jornais de maior circulação, formava-se sempre a imprensa situacionista e a imprensa de oposição, a depender da conjuntura política.

No começo da administração de Seabra reaparece a Gazeta de Notícias, sob direção de José Alves Requião, como órgão da situação. Em 1913 aparece O Estado, que reunia os antigos marcelinistas44 em torno do combate ao grupo de J. J. Seabra. Em julho de 1918 surge

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outro periódico situacionista, intitulado O Tempo. Nesse período, Simões Filho já tinha rompido com Seabra e o A Tarde formava oposição ao governo de Antônio Moniz (1916- 1920), sucessor daquele no Governo Estadual. A Hora era também outra gazeta de oposição, liderada por Artur Ferreira. De acordo com uma das versões sobre a morte de Ferreira, ele teria sido assassinado em Salvador por conta da sua oposição ao governo de Antônio Moniz.

Nos vinte anos derradeiros da primeira República, tiveram destaque no jornalismo independente, alheio a questões políticas, os seguintes jornais: Jornal Moderno, O Correio, A Notícia, A Cidade, A Manhã e A Noite. Com exceção deste último, todos foram fundados antes de 1920. O Imparcial e A Tarde também pertencem a esta quadra movimentada: o primeiro foi anunciado em 1918, como órgão de defesa dos interesses do comércio, tendo como primeiro diretor Lemos de Brito; passou por várias fases de acordo com a passagem de diferentes diretores. A Tarde apareceu em 1912, como órgão independente de propriedade de Simões Filho, tendo na direção Ranulfo Oliveira, que esteve à sua frente até a década de 1960. Esse periódico marca a estreia na Bahia da imprensa moderna, seguindo o modelo do periódico A Noite da Capital Federal.

A trajetória de Xavier Marques como jornalista permite salientar, como tendência compartilhada entre intelectuais brasileiros na passagem do século XX, a atuação política — notadamente, o acesso a cargos públicos eletivos, mediado por contatos adquiridos no jornalismo. Segundo a análise de Pécaut (1990), os intelectuais brasileiros atuaram em diversos momentos como protagonistas políticos e acreditavam-se especialmente capacitados para esta função. Eles outorgavam para si essa posição, dado o contraste da sua formação com um cenário caracterizado por um povo pouco escolarizado, classes sociais ainda em formação, desarticulações na estrutura social. Miceli (2001) também destacou a sobreposição entre carreira política e jornalismo como uma característica da trajetória dos escritores brasileiros deste período.

Voltando à biografia de Xavier Marques, entre 1891 e 1919 — período da sua vida que corresponde ao ingresso no jornalismo, à aquisição de um cargo público como oficial da Câmara e, por fim, à vitória nas eleições para Deputado Estadual (1915-1921) — o escritor muda de residência várias vezes na cidade de Salvador, revelando sempre um trajeto

econômico ascendente45, fato que atesta a possibilidade de ascensão social através da junção entre profissão intelectual e política.

Mas, sem o fenômeno reconhecido por Machado Neto (1973) como "jornalismo literário” 46o sucesso de Xavier Marques como profissional na imprensa não seria o mesmo. O espaço que os jornais diários destinavam às crônicas, às memórias, à crítica literária, aos contos e aos romances divulgados como folhetins já foi mencionado neste capítulo e será reaberto novamente no item seguinte sobre o Jornal de Notícias. As fontes consultadas nesta pesquisa47sugerem que este jornal foi o mais "literário" da imprensa baiana do período.

Entre os jornais de maior circulação, o Jornal de Notícias foi aquele que cedeu maior espaço à produção literária, desde os já citados folhetins à divulgação dos textos das tertúlias organizadas pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). A análise do Jornal de Notícias, destacando as suas principais características e a crise por ele enfrentada, a partir de 1914, a qual acabou levando ao seu fechamento, permite compreender as características do jornalismo da época, como espaço de atuação dos intelectuais.