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enquadramento teórico

Capítulo 2 Design Studies

2.2 uma nova disciplina: design studies

2.2.4 matérias e métodos

A tese de uma nova disciplina académica ou área de estudos que Margolin esboçara na introdução à antologia Design Discourse, será desenvolvida num artigo publicado três anos depois: “Design History or Design Studies: Subject Matter and Methods”.37 O artigo retoma a linha de argumentação anterior e propõe definitivamente uma

mudança de terminologia, a que corresponderia uma mudança de perspectiva, de métodos e de matérias.

Margolin começa por questionar – tal como fizera anteriormente - que a história do

design tenha alguma vez constituído um “sólido campo de estudo académico.” 38

Considera que a disciplina nunca definiu convenientemente o seu objecto de estudo, tendo-se mantido presa de esquemas de pensamento e de categorias tradicionais de

34

Cheryl Buckley, "Made in Patriarchy: Toward a Feminist Analysis of Women and Design”, in V. Margolin (ed.), op. cit., pp. 251-264.

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Contrariamente ao que poderia supor-se lendo autores como Bruno Munari (Artista e Designer, ed. cit.), para quem o bom design é anónimo e fruto de um trabalho de equipa, a história do design continua a enfatizar o papel do designer enquanto indivíduo isolado, sujeito e motor da história - ou não fosse a categoria do sujeito essencial à manutenção da ideologia burguesa (cf. L. Althusser, Posições, Lisboa: Livros Horizonte, 1977, pp.115 e s.: “Como todas as evidências, ...a “evidência” que vós e eu somos sujeitos – e que isso não ponha nenhum problema – é um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar.”). A equação design / génio individual, espelha a metodologia corrente na história de arte: problemas de autenticação e atribuição, transformam os objectos em “design de autor”, clássicos que atingem preços elevados nos leilões internacionais. Identificar um nome: assim se simplifica abusivamente aquilo que é processo colectivo, interacção de indivíduos e grupos num contexto histórico-social específico. Exemplo disso é a monografia; esta exclui dos livros da história tudo quanto é anónimo, ou de autor desconhecido, ou produzido colectivamente. Usando de uma perspectiva diametralmente oposta, C. Buckley publicará, em 1990, Potters and Paintresses: Women

and Designers in the Pottery Industry, 1870-1955 (Londres: Women’s Press).

36 Cheryl Buckley, “Made in Patriarchy…”, p. 261.

37

Design Issues , vol.11, n.º 1 (Spring 1995), pp. 4-15; publicado originalmente em Design Issues , vol.13, n.º 2 (Abril 1992), pp 104-116.

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objectos herdados da história de arte, arquitectura e artes decorativas. O território dos estudos sobre design ter-se-á desenvolvido em grande parte a partir de literatura anterior à 2.ª guerra mundial, de que é exemplo Os Pioneiros do Design Moderno, de N. Pevsner. 39 Como o próprio título indica, este tipo de abordagem tende a celebrar uma lista escolhida de grandes nomes e obras isoladas, considerados pontos altos duma sequência que privilegia sobretudo objectos de autor. Segundo Margolin, um tipo de análise excessivamente preocupado em estabelecer critérios formais para discriminação estética entre produtos, demasiado concentrado na tarefa de delinear os traços daquilo a que se chamaria o design moderno (=o bom design) por oposição ao “eclectismo decadente” do período anterior.40

Em alternativa, Margolin propõe uma definição abrangente de design:

“Design is the conception and planning of the artificial, that broad domain of human made products which includes: material objects, visual and verbal communications, organized activities and services, and complex systems and environments for living, working, playing, and learning.”41

Por design não devemos entender “a class of objects that can be pinned down like butterflies”42, mas uma actividade que está em constante mudança, algo que “não tem uma identidade fixa.” Acresce que, ao contrário do que sucedia com Pevsner, estudos recentes na área da antropologia 43 e dos cultural studies, vieram relativizar a

importância do designer na definição do significado final de um produto. O design situa-se sempre num contexto, e o acto do uso ou consumo, está hoje longe de ser visto como um mero acto passivo; ele é antes entendido como um projecto criativo através do qual os utentes dão um uso aos produtos que não corresponde

necessariamente à intenção de quem os concebeu.

De modo semelhante ao que já sucede no campo da arte, onde uma parte

considerável da actual reflexão remete para questões de interpretação mais do que de datação e localização histórica, assim também no design, mais do que perante uma “história”, encontramo-nos hoje perante um conjunto complexo de “estudos sobre

design”.44 E Margolin resume assim a sua concepção do que deve ser a nova

disciplina – ou, para sermos mais rigorosos, área de estudos:

“I define design studies as the field of inquiry which addresses questions of how we make and use products in our daily lives and how we have done so in the past. These products comprise the domain of the artificial. Design studies encompasses issues of product conception and planning, production, form, distribution, and use. It considers these topics in the present as well as in the past. Along with products, it also embraces the web of discourse in which production and use are embedded.” 45

39

Nikolaus Pevsner, Os Pioneiros do Design Moderno, Lisboa: Ulisseia, 1979 [1936].

40 “I would argue that design history has not developed on the basis of a well-understood subject matter or a set of

methods and principles to guide research. Instead it has grown as a response to the initial literature in the field… [e.g.] Nikolaus Pevsner's, Pioneers of the Modern Movement, first published in 1936 and later revised as Pioneers of Modern

Design from William Morris to Walter Gropius [1960]” ( Margolin, “Design History or Design Studies…”, p.5). Segundo

Margolin, é significativo que a 2.ª edição mantenha as mesmas premissas básicas da anterior, demonstrando assim que nada mudou substancialmente nos anos que se seguiram.

41 R. Buchanan e V. Margolin, texto-programa da conferência “Discoverind design”, University of Illinois, Chicago, 5-6

de Novembro de 1990; citado in Margolin, “Design History or Design Studies…”, p.13.

42 Margolin, op.cit., p. 10.

43 e.g. Daniel Miller, Material Culture and Mass Consumption, Oxford: Basil Blackwell, 1987.

44 Cf. Margolin, op.cit., p.14: “…I would prefer to think of design studies which includes history but also invites a

dialogue with other specialists as well as historians.”

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2.2.5 as críticas

O artigo de Margolin recebeu acolhimento diverso e valeu-lhe duras críticas, oriundas sobretudo dos autores britânicos. Adrian Forty46 baseia a sua discordância em dois pontos principais. Em primeiro lugar, uma nova área de estudos “dificilmente parece necessária” se tivermos em conta o considerável esforço de renovamento que

entretanto foi feito: a actual história do design inclui já as novas contribuições oriundas dos cultural studies, “material culture” e antropologia. Em segundo lugar, a ideia de que a disciplina se desenvolveu de forma desapropriada, a partir de uma produção teórica excessivamente preocupada com o estabelecimento de critérios para

determinação da qualidade formal dos objectos produzidos industrialmente, assenta num pressuposto errado:

“…discriminating between good and bad design, is essential to the entire activity of design. We may not agree with Pevsner's criteria of what was good and bad, but that does not make his concern with this question irrelevant. …[T]he practice of every form of design relies upon being able to make critical judgements about quality.”47

Margolin defende-se – e bem – dizendo que:

“[Forty] states that a concern with design quality is a central topic for design historians and he defends the historian's concern with quality as a contribution to the consumer's understanding of how to discriminate between good and bad design. In doing so, he presumes a common understanding of what is intended by the word "design”.

…this is precisely the point of my critique. I noted in my article that from the beginning the boundaries of subject matter in design history were slippery.

…much that we [today] can call design has not even been considered by design historians. I claim that design history has not addressed the issue of subject matter boundaries and by neglecting this topic have thus heavily relied on traditional categories of objects established by art history and decorative arts.” 48

Menos cortês foi a reacção de J. Woodham, que utiliza expressões como “colonialismo” e “império” na sua apreciação do artigo de Margolin: “it seeks to colonize design history under the imperial umbrella of design studies” 49. E não só colonialismo, mas também paternalismo: “design historians… have little need of an aspirant parent ‘discipline’ to help them”.50

Woodham interroga-se sobre se esta tentativa “colonizadora” não estará relacionada com as querelas e lutas de poder no contexto dos curricula norte-americanos, bem

como com alguma rivalidade académica entre os EUA e Grã-Bretanha 51, e repete o

argumento de Forty: desde os anos 60 e 70 – altura em se desenvolve como disciplina académica no Reino Unido - que a história do design tem vindo a integrar a maior parte do que está em discussão: interdisciplinaridade, teoria feminista, desafios colocados por disciplinas como a antropologia ou os cultural studies...52

46 Adrian Forty, “DEBATE: A Reply to Victor Margolin”, Design Issues , vol.11, n.º 1 (Spring 1995), pp.16-18; publicado

originalmente em 1993 no Journal of Design History.

47

Ibid., p.16.

48 Victor Margolin, “A Reply to Adrian Forty”, Design Issues , vol.11, n.º 1 (Spring 1995), p.19.

49

Jonathan Woodham, “Resisting Colonization: Design History Has its Own Identity”, Design Issues , vol.11, n.º 1 (Spring 1995), p.22; cf. também p.37: “…to place design history under the yoke of the aspirant new discipline of design studies”.

50 Ibid.

51

Cf. ibid., p.24: “…[In1991] the North American, Design Book Review, while acknowledging that design history was "a relatively new discipline," also expressed the view that it "was well-established in Britain, but still forming in this country" and that, not surprisingly, "the discipline has been dominated by British design historians."

Cf. também Adrian Forty, “DEBATE: A Reply to Victor Margolin”…, p.16: “[Margolin’s] criticisms seem directed particularly at British design history...”

52

Woodham acusa inclusivamente Margolin de desconhecer (ou deliberadamente ignorar) a importância do livro de Forty, Objects of Desire: Design and Society (Londres, 1986), “an important mark in the demolition of the centrality of the designer in the design historical accounts .” Cf. Woodham, art. cit., p.31.

Em contrapartida, autores houve que, como Nigel Whiteley, defenderam a mudança de designação, considerando que design studies era um termo “infinitamente mais apropriado” para designar a multiplicidade de abordagens interdisciplinares e tansdisciplinares actualmente existentes na área - sobretudo se tivermos em conta que a metodologia aí utilizada é de carácter estrutural e sincrónico, mais do que diacrónico.53 Segundo Whiteley, o crescente interesse pelas questões da semiologia, desconstrução e pós-estruturalismo, alteraram drasticamente o âmbito da disciplina. Objectos e imagens tornaram -se signos, e as questões do sentido (meaning) - quem controla o sentido, relação entre sentido e poder - encontram-se agora na primeira linha. Cada vez mais os historiadores se afastam de um supostamente desinteressado juízo de tipo kantiano, exercido sobre um escol de objectos isolados:

“In the light of current approaches and preoccupations, it seems to me inevitable that what was once correctly termed "design history" should now be more properly called "design studies." 54

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