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sinalização e pictografia: estudo semântico, definição, etimologia

208 Eco, op.cit., p.153.

5.2 sinalização e pictografia: estudo semântico, definição, etimologia

As origens da sinalética - ou, melhor dizendo, da “sinalização” que, historicamente, precedeu aquela - são impossíveis de datar; remontam possivelmente aos primeiros grupos de caçadores e pastores que assinalavam os seus itinerários com marcas nas árvores ou toscos montículos de pedra deixados junto ao caminho.1 Já a utilização de pictogramas dataria “apenas” de 5000 a.C., com a invenção dos primeiros métodos de escrita pelos antigos Sumérios e Egípcios.2

No fundo, trata-se de coisas diferentes: no primeiro caso, estaríamos perante necessidades de orientação e deslocação no espaço; no segundo, perante

necessidades de armazenamento (e comunicação) de informação, por recurso a uma forma primitiva de “escrita” através de imagens. Os dois processos não tinham ainda convergido num sistema único - algo que só ocorreria nos inícios do século XX, época que apareceram os primeiros sistemas de sinais gráficos para a viação e transportes.

1 Joan Costa, Señalética, Barcelona: Ediciones Ceac, 1989, 2.ª ed., pp. 35-37.

2

Como referem Otl Aicher e Martin Krampen,

«Ya en la Antigüedad y en la Edad Media la comunicación visual a través de imágenes gozara de un amplio campo de difusión. Mientras el latín era la lengua internacional de la Iglesia, los contenidos religiosos eran transmitidos a los fieles de las (diversas) naciones europeas a través de retablos iconográficamente

estandarizados. Sin embargo, salvo excepciones, una simplificación y

condensación de la representación iconográfica en pictogramas, es decir, en un sistema uniforme de signos de la comunicación visual se conoce solamente desde principios de nuestro siglo.»3

Por isso, Joan Costa 4 aponta como primeiros exemplos de sinalização

documentados, os “hermes” e colunas da civilização Greco-romana, e Yukio Ota 5,

como primeiro exemplo de pictografia, a escrita hieróglifica egípcia e chinesa. O contraste de épocas e civilizações não poderia ser mais elucidativo.

Sinalética é um termo relativamente recente, “de aparição apenas incipiente na área idiomática espanhola, e sem correlativo específico na terminologia anglo-saxónica”. 6 Os norte-americ anos (mas não os ingleses) utilizam, desde há algum tempo, signage – veja-se, por exemplo, o volume recentemente editado por J. G. Trulove, This Way: Signage Design for Public Spaces 7 (e no entanto, ao longo de todo o livro, é utilizado sobretudo o vocábulo wayfinding, de sentido mais ou menos idêntico).

Costa define sinalética como a “ciencia que estudia los signos de orientación en el espacio y sus relaciones con los individuos”8, e distingue-a da mera sinalização, à qual seria posterior. Ao contrário desta, a sinalética caracteriza-se pelo estudo e criação de programas novos, “que requieren un estudio y un diseño para cada caso particular”. Na sinalização deparamo-nos com um código de sinais preexistentes (o exemplo típico seria o Código da Estrada) que basta aplicar a situações típicas, que

se repetem indefinidamente.9

Em contrapartida, Karl-Heinz Krug10, define pictografia como: “um sistema de comunicação ...que cria a possibilidade de compreensão graças a simples signos gráficos, a símbolos de imagens que - ao contrário da palavra falada ou escrita - não conhece praticamente nenhuma barreira nacional.”

3 Sistemas de signos en la comunicación visual , Cidade do México: Gustavo Gili/México, 1995, 4.a ed., p.5. Cf.

também Karl-Heinz Krug, ”Pictogramas, Sinais de Comunicação” in Karl-Heinz Krug et al., Pictogramas, Sinais de

Comunicação: sobre a significação, a concepção e a aplicação de signos gráficos em qualidade de sistemas de pictogramas da comunicação visual - exposição ambulante do Instituto Cultural de Relações Exteriores no âmbito

da política cultural estrangeira em colaboração com ERCO [ERCO-Leuchten, Lüdenscheid], s.l., s.d., p.2: “A evolução dos pictogramas começou essencialmente no princípio do século, se os considerarmos sob o aspecto de sinais que transformam determinadas mensagens em sistemas gráficos de maneira simplificada, condensada e uniformizada.

Foi sobretudo o automóvel e como consequência a circulação automobilística, a internacionalização geral, tanto no campo do turismo como no do intercâmbio de mercadorias que exigia por sua vez uma internacionalização da língua ou seja uma <pictografia> supranacional.”

4 Op.cit., p. 40.

5 Ibid., p.50.

6Ibid., p.9; deve ser tido em consideração que o autor escreve em 1989.

7

James Grayson Trulove et al.,This Way: Signage Design for Public Spaces. Gloucester –Massachusetts: Rockport, 2000.

8

Op.cit, p.121; cf. também p.9.

9 Ibid., p.103: «...el sistema de señalización vial es un sistema cerrado, invariante, concluso prácticamente - salvo

nuevas necesidades, que siempre serán variables del sistema existente...

En definitiva, 'senalizar' no es sino la acción de aplicar senales existentes a priori, a problemas siempre repetidos. Es obvio que estas situaciones son bien conocidas y están tipificadas en un listado de problemas que se repiten indefinidamente: paso de peatones, stop, precaución, viraje, bus, peligro, etc.»

10

- assinalar, marcar, sinalizar

Segundo Costa, as origens da sinalética estão na sinalização (os dois termos têm, aliás, a mesma origem etimológica), actividade tão antiga quanto a humanidade, e que consiste em assinalar ou distinguir determinados objectos com marcas:

“Señalizar es el acto de incorporar señales a las cosas del entorno – referencialas -, ya se trate de objetos naturales o artificiales... espacio vital que uno ocupa, un camino... La señalética tiene sus inicios remotos en el marcaje. Se funcionaliza y se estandariza con la complejidad del entorno y la movilidad social.”11

“Sinalizar” e “marcar” são termos praticamente, sinónimos, se bem que seja possível estabelecer certas diferenças relativamente aos fins a que cada uma delas se destina. O homem pré-histórico, tal como o habitante das nossas cidades, certamente colocava marcas e sinais nos seus objectos pessoais, de uso quotidiano (marcamos uma

página, num livro que estamos a ler) – essa actividade não se confunde, no entanto, com a sinalização funcional do espaço aberto: sinalizar um caminho, trilhas de caça, etc. Marcam-se objectos; sinalizam-se espaços, lugares, itinerários. 12

A sinalização, tal como a sinalética, visa a orientação no meio envolvente.

Sinalética, sinalizar, assinalar, marcar, é pois “pôr sinais” nas coisas – actividade que, se pode muito bem pertencer ao domínio pessoal ou privado, quando dirigida a outros indivíduos implica uma intenção comunicativa e o uso de um código. Assim, se originaram, por exemplo, os códigos de sinais marítimos e ferroviários ou,

posteriormente o código, mais abrangente, da circulação rodoviária (vulgo Código da Estrada).

Mais tarde, o crescimento das cidades - com a proliferação quase labiríntica de serviços administrativos, comércios e espaços de lazer - a globalização da economia e a mobilidade regional e internacional das populações, criaram situações em que a diversidade linguística, grau de alfabetização e diferenças culturais, apelam à necessidade de tradução dos tradicionais enunciados verbais por figuras sígnicas (pictogramas) monosémicas de alcance supostamente universal. A sinalética é assim, simultaneamente, a ciência que estuda as relações funcionais entre os signos de orientação no espaço e os comportamentos dos indivíduos; e a técnica que organiza e

regula essas mesmas relações.13

Mas Costa refere ainda que a linguagem sinalética é um “modo de notação icónica”, e a própria sinalética um “sistema de signos pictográficos em que cada enunciado é representado por um sinal”.14

«Señal y signo coinciden aquí... Señal, en el sentido instantáneo de un estímulo que apela a la sensación visual. Signo como parte de este estímulo que es portadora de comunicación, significado, mensaje, información, que será comprendida por el individuo».15

11 J. Costa, op.cit., p.34.

12

Pode considerar-se que a marca releva do individual e que a sinalização, implicando intenção comunicativa, é um gesto de alcance mais comunitário. Todavia, como refere igualmente Costa, também o comércio, desde as suas primeiras manifestações, recorreu à marca/marcação dos objectos . "En el mundo comercial, [sociedades

mercantiles] el marcaje tiene las funciones de identificación... la marca es señal de autoría, de procedencia, de propiedad y de garantía frente a imitaciones" (op.cit., p. 35). O autor compara, aliás, esta prematura promiscuidade

entre comunidade e mercado, com o que sucede nos dias de hoje: a marca “llega, con el marketing, a constituir un

'valor anadido' en las sociedades de consumo para los productos que ampara” (ibid.). Ou seja, a marca comercial

(logotipo) torna-se, ela própria, criadora de identidade, sinónimo de escolha individual e de personalidade. Claro que isto se tornou sobretudo possível na “era do vazio”, como refere Gilles Lipovetsky (A Era do Vazio: Ensaio

Sobre o Individualismo Contemporâneo, Lisboa: Relógio de Água, 1989); cf. também Naomi Klein, No Logo,

Lisboa: Relógio de Água, 2002.

13

J. Costa, op.cit., p.9.

14 Ibid., p.17.

15

Esta definição é quase idêntica à que Yukio Ota dá de pictograma quando considera que, entre o signo-símbolo e o signo-sinal, o pictograma funciona como uma espécie de “ponte entre os dois”.16

Por sinal entendemos um signo activo – “when the image ties in directly to action, the image becomes a signal” 17, o exemplo típico são os sinais luminosos do semáforo -, enquanto que por símbolo entendemos um signo conceptual, que permite a reflexão e comunicação de ideias abstractas, mas cuja relação com o objecto é indirecta. 18 Segundo a classificação tradicional de Peirce, o símbolo é um signo arbitrário, cuja ligação com o referente “é definida por uma lei: o exemplo mais apropriado é o signo linguístico” 19

O pictograma “contem a forma do que significa”. É por isso mais activo do que os signos em geral 20; corresponde a um modo de notação privilegiado, ideal para ser utilizado pela sinalética, linguagem que se quer automática, instantânea.

O que acabou de dizer-se é suficientemente elucidativo sobre as relações entre pictografia e sinalética. Podemos dizer que a sinalética recorre à pictografia enquanto linguagem privilegiada sem, contudo, se esgotar nesta; o desenho e normalização dos sinais são, como já dissemos, apenas uma parte da sinalética.

Também não é de todo verdade que a totalidade dos sinais (rodoviários ou outros) compreenda o uso do pictograma: o símbolo WC, o sinal STOP ou o triângulo invertido de <estrada com prioridade>, não podem considerar-se pictogramas. Do mesmo modo, não é verdade que todo o pictograma vise um convite à acção, ou provocar uma reacção física ou influenciar, de algum modo, o comportamento do indivíduo. Isso apenas acontece com os sinais propriamente ditos (por exemplo, sinais de trânsito). Como refere Costa, o sistema de mensagens sinaléticas não pretende persuadir ou convencer - no que, aliás, se distingue da sinalização que é “um sistema determinante de condutas” – apenas fornece ajuda na orientação, propõe opções que permitem a

cada um orientar-se a si mesmo, em função das suas necessidades e motivações.21

Finalmente, existem sistemas de pictogramas que nem essa função chegam a

desempenhar - pelo que não deve supor-se também que a sinalética ou a sinalização possuem o monopólio exclusivo do uso de pictogramas. Temos assim, por exemplo, os antigos hieróglifos, já mencionados, mas também diversos signos pictográficos utilizados em mapas, gráficos de estatísticas, etc.

5.3 origens históricas: da sinalização e pictografia à sinalética moderna

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