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a teoria matemática da comunicação

enquadramento teórico

Capítulo 2 Design Studies

E, mais à frente:

4.2 a comunicação como objecto da ciência 1 definição de comunicação

4.2.3 a teoria matemática da comunicação

Em 1948, o matemático e engenheiro eléctrico norte-americano Claude E. Shannon publica um importante estudo intitulado The Mathematical Theory of Communication, resultado do seu trabalho nos laboratórios Bell Systems, filial da empresa de

telecomunicações American Telegraph & Telephone (AT&T). Este primeiro esboço é publicado no Bell System Technical Journal. No ano seguinte a monografia, acrescida dos comentários de Warren Weaver, é publicada pela Universidade de Illinois; nasce

assim a Teoria Matemática da Comunicação.16 O problema da comunicação, para

estes autores, consiste em reproduzir de maneira exacta ou o mais aproximativa possível, num dado ponto B, uma mensagem seleccionada num outro ponto A. Esquema linear, sequencial, em que intervêm os seguintes componentes:

Figura 4.1: o “modelo matemático” de Shannon e Weaver (1949)

"Nesse esquema linear,... a comunicação repousa sobre as cadeias dos seguintes componentes: a fonte (de informação), que produz uma mensagem (a palavra no telefone), o codificador ou emissor, que transforma a mensagem em sinais a fim de

14 Th. Adorno, apud Mattelart e Mattelart, p.76.

15

Cf. Wolf, op.cit., pp.31(nota 3), 119, 121; L. Sfez, op.cit., p.52.

16 Mattelart e Mattelart, op.cit., p.58. Por vezes utiliza-se também a designação "teoria da informação" (cf. por exemplo

Howard Gardner, A Nova Ciência da Mente: uma Revolução Cognitiva, Lisboa: Relógio d'Água, 2002, p.45; O. Calabrese, A Linguagem da Arte, Lisboa: Editorial Presença, 1986, p.67; em parte Wolf, op.cit.,pp.112 e ss.), embora esta última expressão possua um significado mais genérico (Wolf, pp.116-17, 122 e ss.; L. Sfez, p.31; D. MacQuail e S. Windahl, Modelos de Comunicação para o Estudo da Comunicação de Massas , Lisboa: Editorial Notícias, 2003, p.23; U. Eco, Obra Aberta, S. Paulo: Editora Perspectiva, 1986, 4.a ed., pp.93-148); autores há, contudo, que lhe atribuem um âmbito mais restrito, reservando-a às aplicações no campo da estética (A. Moles, "A Abordagem Informacional", in M. Dufrenne [ed.], pp.300 e ss; Mattelart e Mattelart, op.cit., p.64).

torná-la transmissível (o telefone transforma a voz em oscilações eléctricas), o canal, que é o meio utilizado para transportar os sinais (cabo telefónico), o descodificador ou receptor, que reconstrói a mensagem a partir dos sinais, e a destinação, pessoa ou coisa à qual a mensagem é transmitida." 17

O objectivo é sobretudo económico: delinear o quadro matemático que permita quantificar o custo de uma mensagem em presença de perturbações aleatórias indesejáveis, denominadas "ruídos", que impedem o "isomorfismo", i.e. a plena

correspondência entre os pólos A e B; reduzir os custos na transmissão de sinais a um mínimo possível, por melhoramento e aperfeiçoamento do canal. A teoria matemática foi precedida pelas pesquisas sobre as grandes máquinas de calcular electrónicas (a especialidade de Weaver) e pela invenção dos primeiros computadores entre 1944-46, bem como pelas reflexões de Norbert Wiener, fundador da cibernética, a cujos cursos

Shannon assistiu.18 Apesar de inadequada como modelo da comunicação humana, a

teoria de Shannon e Weaver “operou uma ruptura epistemológica ao ter em conta a

informação e comunicação como objectos da ciência”19, e foi rapidamente adoptada

por diversas disciplinas que lhe tomam de empréstimo as noções de informação, codificação/descodificação, redundância , entropia, ruído, bem como o pressuposto da neutralidade das instâncias emissor e receptor, numa transposição de modelos de cientificidade próprios das ciências exactas. Analisar-se-ão de seguida alguns dos conceitos-chave introduzidos por esta teoria.

Em primeiro lugar, os conceitos de canal, meio e código. O canal é o “meio físico pelo qual o sinal é transmitido".20 Os principais canais são as ondas de luz, as ondas sonoras, as ondas de rádio, os cabos telefónicos, o sistema nervoso, etc. O meio são “os recursos técnicos ou físicos para converter a mensagem num sinal capaz de ser transmitido ao longo do canal. A minha voz é um meio. A tecnologia da difusão constitui os meios da rádio e da televisão.” 21

Segundo Fiske, podemos dividir os meios em três categorias principais, permeáveis entre si:

1) apresentativos: a voz, o rosto, o corpo (linguagem falada, gestos); “requerem a presença de um comunicador, pois é ele o meio; estão restringidos ao aqui e agora e produzem actos de comunicação.”

2) representativos: livros, pinturas, fotografias, escrita, arquitectura, decoração de interiores, etc.; “produzem um texto que pode registar os meios da categoria 1 e que pode existir independentemente do comunicador; produzem obras de comunicação. 3) mecânicos: telefones, rádio, televisão, telex; funcionam como "transmissores das categorias 1 e 2”. 22

O conceito de código afigura-se mais problemático. Definir-se-á provisoriamente como “um sistema de significados comuns aos membros de uma cultura ou subcultura.

Consiste tanto em signos(por exemplo, sinais físicos que representam algo diferente

deles mesmos), como em regras ou convenções que determinam como e em que contexto estes signos são usados e como podem ser combinados de maneira formar

mensagens mais complexas.” 23 As características do canal determinam a natureza

dos códigos que este pode transmitir. O telefone, por exemplo, está limitado à

17 Mattelart e Mattelart, op.cit., p. 58.

18

Ibid., p. 59. Considera-se geralmente que o primeiro computador, no pleno sentido do termo, foi o EDSAC, concebido em 1946 por Maurice Wilkes do Cambridge University Mathematical Laboratory.

19

Conceição Lopes, op.cit., p.10.

20 John Fiske, Introdução ao Estudo da Comunicação, Porto: Asa, 1999, p.34.

21

Ibid.

22 Ibid.

23

linguagem verbal. 24 Existem todavia situações, como a da línguas naturais, em que, um enunciado ou mensagem, expresso no código primário da linguagem verbal, pode ser recodificado numa variedade de códigos secundários 25 – escrita, linguagem gestual dos surdos-mudos, Braille, morse - todos eles determinados pelas propriedades físicas dos seus canais de comunicação. Uma vez que o modelo

informacional em geral, e a teoria matemática em particular, ignoram deliberadamente questões como o contexto ou os factores culturais que determinam a existência de diferenças entre emissor/leitor e entre diferentes leitores, e consideram que “o

significado está contido na mensagem”, assume-se que o melhoramento do código é suficiente para eliminar o “ruído semântico” e aumentar a eficácia na comunicação. Dois outros conceitos ligados à teoria matemática da comunicação são o conceito de redundância e o conceito de entropia. “[A] redundância é aquilo que, numa mensagem, é previsível ou convencional. O oposto da redundância é a entropia. A redundância resulta de uma previsibilidade elevada, e a entropia de uma previsibilidade reduzida.”

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Shannon e Weaver mostraram como a redundância desempenha um papel

absolutamente vital na comunicação, ao ajudar a superar as deficiências de um canal com ruído. É assim que, por exemplo, quando há interferências na linha, repetimos ou soletramos, em voz alta, as palavras ao telefone, dizendo "A de Alberto, B de burro", etc. Todavia, a redundância possui também uma dimensão social. Se o nosso problema não é uma deficiência técnica mas, por exemplo, atingir uma larga (=heterogénea) audiência num anúncio pela rádio, precisamos igualmente de uma mensagem com um elevado grau de redundância, i.e. de uma mensagem simples, previsível, de fácil descodificação. Por “redundância” não deve, pois, entender-se apenas uma espécie de “repetição desnecessária”; a convenção e o costume são também uma fonte importante de redundância. Ao contrário dos escritores

vanguardistas, que subvertem as regras tradicionais da gramática, a chamada “literatura cor de rosa”, que deseja uma comunicação fácil com os seus leitores, faz uso das convenções adequadas. Todavia, esta categoria de escritores, a que se poderão acrescentar os argumentistas de telenovela e outras séries televisivas, tendem também, de um modo geral, a retratar situações repetidas e estereotipadas. Por aqui se compreende que se, por uma lado, a redundância reforça os laços sociais entre os leitores, ela é também “uma força do status quo e contra a mudança.” 27 Elementos de redundância pictográfica são, por exemplo, o chapéu do homem que atravessa a passadeira, no sinal de trânsito "Passagem de peões", ou a saia da

recepcionista na sinalética para “Balcão de informações”. 28 Os pormenores em causa

eram, possivelmente, dispensáveis para a representação dos respectivos significados. No entanto, optou-se por incluí-los. Para além disso, em ambos os casos se recorreu a um estereótipo: o cidadão comum (=peão) é identificado com o sexo masculino, ao passo que uma profissão particular, recepcionista, é assimilada ao sexo feminino. Em teoria, o esquema de Shannon e Weaver aplica-se a todo e qualquer processo comunicativo, quer este se verifique entre duas máquinas (por exemplo, a

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A relação entre meio e código nem sempre é clara. Num meio como o vestuário, por exemplo, encontramos dificuldades em distinguir entre os códigos e o meio. Existirão diferentes códigos de vestuário, ou tratar-se-á simplesmente de diferentes mensagens enviadas pelo mesmo código? No vestuário verificamos como “o meio e o código têm as mesmas fronteiras... [mas] o código é a utilização significativa ao serviço da qual o meio é colocado.” (J. Fiske, op.cit., p.37). Todos os povos e culturas partilham do mesmo meio (vestuário) mas este “comunica" através de códigos que são específicos de cada um deles. Para além disso, o vestuário tem ainda, evidentemente, uma função prática, não-comunicativa: a protecção dos elementos. De facto, pode considerar-se que todos os artefactos têm uma dupla função: prática, ou técnica, e de comunicação. Há muito que o Ferrari se tornou, por exemplo, signo de riqueza, status, estilo de vida. É isso que permite a U. Eco dizer que “não existem signos em sentido específico”, e que qualquer objecto pode tornar-se signo de um outro (Eco, O Signo, Lisboa: Ed. Presença, 1997, 5.ª ed., p.150).

25 Eco prefere falar de “semias substitutivas” (terminologia de E. Buyssens) e códigos “parasitários”; cf. infra, 4.4.1.

26

Fiske, op.cit.,p.25.

27 Ibid., p.33.

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comunicação que se verifica nos aparelhos ditos homeostáticos, os quais asseguram que uma dada temperatura não ultrapasse o limite fixado); ou entre uma máquina e um ser humano (é típico o caso do nível de gasolina que existe no reservatório de um automóvel, que é comunicado através de uma bóia e de sinais eléctricos ao tablier do automóvel, onde aparece uma mensagem dirigida ao condutor); ou entre dois seres

humanos.29

A teoria matemática da comunicação trabalha porém com unidades de sinal, entidades mensuráveis em termos quantitativos e a que é atribuído um valor (para ser

transmitida, num canal artificial, a mensagem ter de ser codificada num código binário), e não com unidades de significado. No caso de um aparelho homeostático (relação entre duas máquinas), por exemplo, apenas em sentido metafórico se poderá dizer que a máquina "compreende o significado" do sinal enviado. Como refere Wolf, “a perspectiva dos teóricos da informação é semelhante à do empregado dos correios que tem de transmitir um telegrama: o seu ponto de vista é diferente do ponto de vista do emissor e do destinatário, que estão interessados no significado da mensagem que trocam entre si. Para o empregado dos correios, o significado daquilo que transmite é indiferente, na medida em que a sua função é fazer pagar um serviço de um modo proporcional ao comprimento do texto, isto é, à transmissão de uma 'quantidade de informação'.”30

Por outras palavras, para a teoria matemática da informação e modelos por ela influenciados, são especialmente importantes os aspectos ligados às características físicas do significante: resistência à distorção provocada pelo ruído, facilidade de codificação e descodificação, rapidez de transmissão - ou, no caso da sinalética, aspectos de ergonomia cognitiva relacionados com a visibilidade dos sinais à distância ou sob condições atmosféricas adversas. A componente semântica esbate-se e o código é entendido como um mero sistema organizador, sintáctico, "que não contempla... o problema do significado da mensagem, ou seja, a dimensão mais especificamente comunicativa."31 Todavia, para o destinatário humano a mensagem comporta um significado, que pode ter muitos sentidos possíveis e que resulta sempre de uma convenção, um acordo ou "código" estabelecido entre usuários. Como refere Eco, até ao aparecimento do código nem sequer existem significantes no verdadeiro sentido do termo, i.e. não existem signos, mas apenas sinais. 32 Neste caso, porém, entende-se por código, já não apenas o sistema que organiza os significantes ou sinais mas também, e sobretudo, um sistema complexo de equivalências entre significantes e significados. A diferente acepção do conceito de código, bem como "o esvaziamento sistemático da dimensão referente à significação" limitam sobremaneira a teoria da informação.33

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