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CAPÍTULO 5 O “JEITO UFSCAR DE FAZER EAD”: NOVOS ARRANJOS ESTRUTURAIS NA

5.5 Materiais didáticos e tecnologias

Os materiais didáticos e as tecnologias constituem uma dimensão imprescindível para a viabilização de cursos na modalidade a distância, pois cumprem o papel de mediar as relações entre os professores e os alunos no processo de ensino-aprendizagem. Com isso, afirma-se a ideia de que a EaD contemporânea se embasa na autonomia do aluno e não em seu autodidatismo, uma vez que cabe ao professor selecionar materiais e propor atividades a partir de uma intencionalidade pedagógica que promova a construção do conhecimento pelo aluno (LITWIN, 2001). Além disso, com base em Costa (2007), entende- se que os materiais didáticos devem apresentar uma linguagem dialógica e valer-se de mídias condizentes com as condições de acesso dos alunos. Sendo assim, pode-se dizer que as experiências atuais de EaD baseiam-se mais na interatividade entre alunos e entre estes e os professores, favorecida pelo desenvolvimento de ambientes virtuais de aprendizagem.

No que diz respeito à elaboração dos materiais didáticos, constatou-se que cada professor coordenador de disciplina conta com o apoio do DI, conforme já mencionado, bem como da coordenação de curso, que desempenha papel importante na articulação das diferentes disciplinas com vistas a conectá-las. Nesse sentido, os materiais elaborados por cada professor são disponibilizados aos demais como forma de incentivar sua apropriação por outras disciplinas e/ou semestres letivos (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, 2009a).

A elaboração dos materiais para cursos a distância envolve prévio planejamento e, nesse sentido, de acordo com os dados levantados pela pesquisa, as disciplinas dos cursos ofertados pela UFSCar em parceria com o Sistema UAB eram planejadas com o mínimo de seis meses de antecedência do início de sua oferta e deveriam contemplar o ambiente virtual de aprendizagem da disciplina, material impresso, material audiovisual e webconferências (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, 2011g). Vale lembrar, contudo, o esclarecimento do Participante Y (21/03/2018) de que, em 2014, a impressão dos materiais é substituída pela versão digital.

Acerca da produção dos materiais didáticos, o Participante H (15/12/2017) esclareceu que todo o recurso destinado foi aplicado integralmente pela universidade na formação das equipes que se responsabilizaram pela elaboração de conteúdos para três mídias: material impresso (livros e guias de estudos), CD, posteriormente substituído pelo DVD e ambiente virtual de aprendizagem. Nas palavras do Participante H (15/12/2017) “tudo tinha que ser construído do nada, porque como [...] era a primeira turma, digamos assim, você não tinha ambientes prontos, você não tinha nada” e o Participante D (29/11/2017) complementa dizendo que “[no] início, o que mais pesou foi o aspecto pedagógico, a compreensão do aluno, desenvolver materiais que fossem acessíveis”. Com a estruturação da SEaD, então, foram consolidadas as equipes especializadas na produção de vídeo-aulas, animações, jogos educativos, e-books, podcasts, entre outros recursos pedagógicos para serem utilizados nos cursos a distância. As possibilidades abertas pelo avanço das tecnologias digitais, contudo, fizeram surgir novos recursos audiovisuais, conforme explica o Participante W:

no começo era muito definido assim, tinha vídeo e tinha aquilo que não aparecia o professor, portanto a gente chamava de animação. Hoje a gente brinca um pouco mais com essa, com esse limiar entre uma coisa e outra e foi para além, a partir de tecnologias que surgiram nesses últimos tempos, né, então a gente continua trabalhando com vídeo [...] mas também experimenta coisas com

outras, com outros formatos, então a gente foi investir em animações 3D, a gente foi investir em construção de imagens e elementos gráficos para além de ilustrações, né, então a gente foi, foi brincar com fotos, foi brincar com figuras, com gravuras, com narrativas ficcionais, é... começamos a arranhar um pouco algumas tecnologias como realidade virtual e realidade aumentada, jogos educacionais nós temos muito interesse, ainda que são poucas possibilidades de trabalhar com eles porque eles são mais complexos de se desenvolver e demoram mais tempo, então eu diria que, que tendo movimento a gente acaba se envolvendo, tendo movimento a gente acaba tentando explorar, mesmo com algumas limitações técnicas, limitações de tempo, de força de trabalho, é... a gente busca ousar e experimentar coisas novas (PARTICIPANTE W, 21/03/2018).

As considerações do Participante C, abaixo, esclarecem que foi uma opção institucional a elaboração própria dos materiais didáticos visando inovação e construção de conhecimento.

algumas instituições fizeram a opção de contratar um serviço externo, terceirizaram toda essa parte de material didático, não queriam dor de cabeça, é uma opção. A nossa sempre foi não, nós temos aqui esses alunos, a expertise, tem os docentes e tal, vamos juntar esse pessoal, vamos formar esse pessoal, vamos construir um núcleo aqui interno porque é um núcleo onde a gente vai pesquisar, então, as inovações, vamos tentar ir à frente, vamos colocar, eu acho que deu certo, deu muito trabalho, mas deu muito certo, acho que até hoje tem os resultados, nós somos referência, eu acho que... sempre reconhecem o diferencial do nosso trabalho (PARTICIPANTE C, 22/11/2017).

Retomando o comentário do Participante D (29/11/2017), logo acima, vale mencionar que a acessibilidade a que se refere diz respeito ao atendimento aos diferentes estilos de aprendizagem que podem apresentar os alunos a distância. No entanto, a pesquisa constatou que a produção de materiais acessíveis a alunos com deficiência visual e auditiva foi uma frente de trabalho importante na gestão da EaD da UFSCar. Nesse âmbito, foram produzidos áudio-livros e áudio-descrições dos materiais audiovisuais, tradução de vídeos e áudios para Libras, colocação de legendas e adequação dos materiais digitais disponibilizados no AVA. A iniciativa de tornar os materiais acessíveis rendeu à UFSCar o terceiro lugar no “Prêmio Nacional de Acessibilidade na Web 2012” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, 2013a, p. 62), cujo objetivo é identificar iniciativas que possam elevar ao nível máximo o potencial da internet, conferindo-lhe legitimidade junto ao campo educacional. Os depoimentos dos Participantes K e Z ilustram a necessidade de desenvolvimento desses materiais, bem como as dificuldades para criá- los.

a gente tinha, a gente, por exemplo, começou a fazer áudio-livros, áudio-livros antes de qualquer um pensar em existir, a gente tinha até nossa equipe, nossa locutora, nosso, a pessoa que gravava. A gente começou a, a gente fazer muita

partitura, porque todo livro de música precisa de muita partitura e isso não é qualquer um que faz, tem que ter um trabalho técnico sim, pesado, que o professor não faria, entendeu? (PARTICIPANTE K, 19/12/2017)

antes, bem antes de ter até um aluno com deficiência, a SEaD fez é... todas as introduções das disciplinas foi feito janela de Libras, protótipo. Ah, se algum dia a gente tiver um aluno tal. Aí realmente entrou um aluno, só que era deficiente visual. Ai como que vai ser, tal? Aí não sabiam direito, aí chamaram o pessoal da computação para ajudar, daí ficou um pouco truncado no começo, aí eu entrei, isso foi em, o aluno entrou em 2011, eu entrei em 2012. Daí ele ficou até 2000, são cinco anos, ele ficou, acho que até 2017. [...] a SEaD foi criando o jeito dela para atender esses alunos, né, conforme foram aparecendo. A gente nunca conseguiu ter um planejamento “não, quando entrar um aluno, a gente vai fazer assim, vai fazer assim e daí vai dar esse resultado”. Nunca foi assim (rs). Sempre vem os alunos, aí corre daqui, corre de lá, aquela correria para entregar o material para o aluno, né? Então sempre foi, a gente foi criando alguns métodos, né, que a gente já sabe que dá certo, “não, vamos fazer assim que dá certo. Vamos fazer assim que não dá problema no leitor, não dá incompatibilidade”, então a gente foi aprendendo, mas não tinha uma fórmula assim (PARTICIPANTE Z, 03/04/2018).

Os materiais didáticos já produzidos pela EaD da UFSCar são disponibilizados no Repositório Digital da SEaD, o Livre Saber. Segundo o Participante Y (21/03/2018), é uma exigência da CAPES que os materiais que foram produzidos para os cursos do Sistema UAB tenham licenciamento aberto e, para tanto, cada autor escolhe um Creative Commons58

para disponibilizar seu trabalho no LiSa.

O Moodle foi o ambiente virtual de aprendizagem adotado pela UFSCar para promover a interatividade entre professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem a distância. Ele permite o desenvolvimento de atividades síncronas e assíncronas, pois oferece uma diversidade de ferramentas para que o docente possa disponibilizar materiais em diferentes mídias e elaborar atividades que podem ser realizadas individual ou colaborativamente entre os alunos. De acordo com o que foi apresentado no segundo capítulo, a SIn da UFSCar já estava realizando estudos e testes com esse AVA que substituiria o WebCT, até então utilizado como apoio à educação presencial. A chegada dos docentes com experiência em EaD logo no início da parceria com o Sistema UAB contribuiu para que o Moodle se consolidasse como tecnologia para viabilizar a modalidade a distância institucionalmente. O Participante J explica como isso ocorreu.

58 O Creative Commons é o tipo de licença criativa mais popular. Segundo definição de Magalhães e Conselho

(2018, p. 394), as “licenças criativas são tipos de licença de direito autoral criados para dar dinamismo, agilidade e legalidade ao compartilhamento de obras intelectuais, simplificando a regulação de direitos autorais”. Na compreensão dos autores, o crescimento das licenças criativas é consequência da enorme quantidade de ofertas e demandas da sociedade atual. Maiores informações sobre o Creative Commons podem ser acessadas no link: https://br.creativecommons.org/. Acesso em: 05 jan. 2019.

E aí nós, então, começamos a trabalhar em cima do Moodle e foi na ocasião que a [nome] entrou. A [nome] chegou em 2007 e nós já, se não me engano foi em 2007, e ela tinha essa experiência da computação por trás do Moodle. Então a [nome] tinha a experiência pedagógica do Moodle, eu tinha a experiência avaliativa e como gestão pelo Moodle e a [nome] tinha experiência como programadora da coisa e aí o trio se juntou para poder fundamentar uma nova proposta pedagógica da instituição. Uma proposta de EaD fundamentada na web 2 é uma proposta diferente da proposta de EaD fundamentada na web 1, que obviamente é diferente de uma proposta de EaD fundamentada na internet, fundamentada no analógico. [...] Então essa proposta pedagógica, ela vai se amadurecendo exatamente em função do que nós tínhamos na ocasião, e na ocasião que nasce a UAB, que estrutura-se a comissão de implantação, que a EaD UFSCar começa a se estruturar em nível de graduação, o que nós tínhamos de tecnologia para a ocasião era a tecnologia da web 2 para poder fundamentar, por isso. A inserção do Moodle na discussão fez com que mudasse a proposta pedagógica, que era uma e passou a ser outra. Então, tivemos que investir mais na formação de professores, a noção de tutoria mudou, tivemos que investir mais na formação desses tutores porque eles passaram a ser mais importantes do que eram anteriormente. Anteriormente era mais suporte e plantão, inclusive 0800 que nós tínhamos contratado por aí, mas já suspendemos logo no começo (PARTICIPANTE J, 14/11/2017).

Além do Moodle, o Relatório CPA 2009 menciona o Sistema de Organização de

Feedback, Interações e Avaliação (SOFIA) como outro recurso virtual para promover as

interações entre os participantes do curso. Em relação ao SOFIA, trata-se de um “programa desenvolvido para facilitar o acompanhamento dos alunos e dos tutores pela gestão da UAB-UFSCar: Coordenação Geral, coordenação pedagógica, coordenação de curso, professor, supervisor de tutoria e tutor” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, 2009a, p. 85).

Embora o histórico da EaD tenha acompanhado as mudanças nas tecnologias de informação e comunicação, conforme ressalta o Participante J no excerto acima, é válido lembrar que o surgimento de uma nova tecnologia não exclui o uso da anterior no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, os cursos EaD da UFSCar também utilizaram, na fase inicial, mídias impressas, das quais são exemplos os Guias de Estudo. Os Guias de Estudo são compostos por Unidades Temáticas, as quais são base para a organização de cada disciplina no AVA do curso. Para que não tomem a forma de uma apostila, os conteúdos dos Guias de Estudo devem ser articulados aos disponibilizados nas demais mídias utilizadas no curso, isto é, AVA, CD-Rom, vídeos, entre outros (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, 2009a, p. 86).

Para a elaboração das Unidades Temáticas, foi proposto o roteiro descrito no Quadro 5.18 visando padronizar a elaboração e favorecendo, assim, a criação da identidade visual dos cursos.

Quadro 5.18 – Roteiro para a elaboração dos Guias de Estudo dos cursos a distância da UFSCar Item de cada Unidade Temática

do Guia de Estudos Descrição

1. Primeiras palavras

Apresentação geral da Unidade Temática, contendo seus objetivos de aprendizagem e a apresentação do que será abordado nos itens subsequentes.

2. Problematizando o tema

Apresentação de questionamentos visando a inserção do aluno na temática, bem como o levantamento de seus conhecimentos prévios.

3. Texto básico para estudos Conteúdo da disciplina para aprofundamento no tema, o qual deve ser condizente com os objetivos da Unidade Temática.

4. Considerações finais (resumo) Síntese das discussões desenvolvidas ao longo da Unidade Temática. 5. Atividades de aplicação, prática

e avaliação

5.1 Atividades individuais 5.2 Atividades coletivas

Atividades propostas com a finalidade de fixação dos conhecimentos construídos, as quais podem ser realizadas individualmente ou coletivamente, nos polos de apoio presencial.

6. Estudos complementares 6.1 Materiais suplementares 6.2 Saiba mais...

6.3 Outras sugestões de fonte de informação

6.4 Referências bibliográficas

Apresentação de outros materiais, como textos, livros, jornais, filmes, imagens etc., que possam complementar os conteúdos abordados na Unidade Temática. Vale ressaltar, em relação aos materiais suplementares, a necessidade de que estejam disponíveis na biblioteca do polo de apoio presencial ou no AVA.

Fonte: Elaboração própria a partir do Relatório da CPA (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, 2009a). Para o Participante Y (21/03/2018), o roteiro para a elaboração do Guia de Estudos contribuiu para a institucionalização da EaD na medida em que auxiliou os docentes na elaboração dos materiais didáticos e, também, na organização do ambiente virtual. Contudo, o mesmo Participante indica que houve resistência por parte de alguns professores quanto ao uso do roteiro. Em suas palavras:

Então, primeiras palavras, problematizando o tema, texto base para estudos, estudos complementares, o texto em sim, estudos complementares, saiba mais e as referências. Essa era a estrutura. 70% dos materiais estão assim. Óbvio que alguns professores não aceitaram, então alguns materiais você consegue ver que a pessoa fez como ela quis e eu acho que isso foi importante também porque ela “olha, não cabe o que eu tenho para dizer aí”. Então, mas a concepção pedagógica funcionou muito bem, muito bem. Porque também eles levavam essas primeiras palavras para o ambiente virtual, esse problematizando o tema para o ambiente virtual, então acho que deu um apoio pedagógico para quem estava montando, que a maioria dos professores, senão todos os professores, marinheiros de primeira viagem, nunca tinham passado por aquilo. Então eu acho que isso direcionou e ajudou bastante (PARTICIPANTE Y, 21/03/2018). A partir das considerações do Participante Y, vale lembrar que, após a primeira oferta de cada disciplina, os materiais didáticos poderiam ser revistos e alterados considerando as avaliações feitas pelos estudantes e tutores que acompanhavam o

professor, o que, na perspectiva do Participante Y, “contribuiu para a qualidade do material”.

Ainda no que diz respeito aos materiais, merece destaque a produção, pela SEaD de quatro coleções impressas em parceria com a EdUFSCar: Coleção UAB-UFSCar, destinada aos alunos dos cursos de graduação a distância; Coleção Especialização; Coleção Formação Continuada; Coleção de textos e artigos científicos relativos à pesquisa em EaD (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, 2014a). Sobre essas produções, pode-se dizer que denotam o potencial da modalidade para a produção e compartilhamento de conhecimento, uma vez que, conforme já foi dito, são disponibilizadas no repositório para livre acesso.

Sendo assim, pode-se dizer, a partir do que foi exposto acerca dos materiais didáticos e tecnologias, que as escolhas visaram manter o enfoque no processo de ensino- aprendizagem a distância mais personalizado e adequado aos diferentes estilos de aprendizagem dos estudantes. Isso porque, no que se refere à tecnologia mediadora das interações entre alunos e professores, a opção foi pelo Moodle pela diversidade de recursos que oferece e por possibilitar a disponibilização de conteúdos em diferentes formatos e, no que diz respeito aos materiais didáticos, buscou-se produzi-los institucionalmente de forma que atendessem à concepção didático-pedagógica proposta pela UFSCar.

Dito isso, na seção seguinte o foco se volta para as ações relacionadas aos discentes, precipuamente no que se refere ao atendimento de seus direitos enquanto estudantes dos cursos a distância da UFSCar.