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CAPÍTULO 3 A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

3.5 A regulamentação da modalidade EaD

Embora as primeiras normatizações a respeito da EaD tenham surgido nas décadas de 1960, das quais os exemplos mais significativos são o Código Brasileiro de Comunicações (Decreto-Lei nº 236/67)39 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº

5.692/7140, a EaD sedimenta-se ao ser inserida na LDB nº 9.394, de 1996, como

possibilidade, ao lado da educação presencial, para a oferta de cursos desde o ensino fundamental até a pós-graduação (ALVES, 2009). Documentos posteriores, em decorrência, são publicados para melhor definir e regulamentar a modalidade. No Quadro 3.9 estão organizados os principais documentos que tratam da EaD no campo educacional brasileiro.

Quadro 3.9 – Principais documentos sobre a modalidade a distância a partir de 1996 Ano de

publicação Documento

1996

Lei nº 9.394, de 20 de dezembro – Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Em seu Art. 80, explicita que haverá incentivo, por parte do poder público, ao “desenvolvimento e veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada” (BRASIL, 1996).

1998

Decreto nº 2.494, de 10 de fevereiro – Regulamenta o Art. 80 da LDB.

Portaria nº 301, de 7 de abril – Normatiza os procedimentos de credenciamento de instituições para a oferta de cursos de graduação e educação profissional tecnológica a distância.

Decreto nº 2.561, de 27 de abril – Altera os artigos 11 e 12 do Decreto nº 2.494/1998.

39 O Código Brasileiro de Telecomunicações contribuiu com a modalidade a distância ao determinar que

emissoras de radiodifusão e televisões educativas transmitissem programas educativos. Em virtude disso, foram feitas concessões de televisões para tal fim, bem como diversas universidades e fundações receberam incentivos para instalar canais e difundir programas na área educacional (ALVES, 2009).

40 A LDB nº 5.692/71 abriu a possibilidade de ministrar ensino supletivo por meio de diversas mídias, como

2001

Lei nº 10.172, de 9 de janeiro – Estabelece o Plano Nacional de Educação para o período de 2000 a 2010.

Portaria nº 1.098, de 5 de junho – Suspende o recebimento de solicitações de credenciamento de IES, autorização de cursos superiores, remanejamento de vagas e, ainda, de autorização de campus ou cursos fora da sede da IES.

Portaria nº 2.253, de 18 de outubro – Permite que IFES introduzam disciplinas que utilizem o método não presencial em seus cursos superiores reconhecidos.

Portaria nº 3.021, de 21 de dezembro – Permite o recebimento de solicitações de credenciamento de IES para ministrar cursos a distância somente para a oferta de cursos superiores de licenciatura de formação de professores para a Educação Básica.

2004 Portaria nº 4.059, de 10 de dezembro – Permite a introdução da modalidade semi- presencial, em até 20% da carga horária total de cursos de graduação reconhecidos. 2005 Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro – Deu nova regulamentação ao Art. 80 da LDB,

revogando os Decretos nº 2.494 e nº 2.561, de 1998.

2006

Decreto nº 5.773, de 9 de maio – Traz disposições a respeito do exercício de funções de regulação, supervisão e avaliação de IES, bem como de cursos superiores tanto de graduação quanto sequenciais no sistema federal de ensino.

Decreto nº 5.800, de 8 de junho – Dispõe sobre o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB).

2007

Portaria normativa nº 2, de 10 de janeiro – Dispõe acerca dos procedimentos para regulação e avaliação da Educação Superior na modalidade a distância (foi republicada em 29 de dezembro de 2010).

Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a Distância.

Portaria normativa nº 40, de 12 de dezembro – Revoga a Portaria normativa nº 2/2007, instituindo o e-MEC e o Cadastro e-MEC, além de consolidar disposições sobre indicadores de qualidade, banco de avaliadores e Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE).

Decreto nº 6.303, de 12 de dezembro – Altera dispositivos dos Decretos nº 5.622/2005 e nº 5.773/2006.

2016

Portaria normativa nº 18, de 15 de agosto – Regula os polos de apoio presencial no exterior. Portaria nº 1.134, de 10 de outubro – Revoga a Portaria nº 4.054/2004, estabelecendo uma nova redação para a flexibilização da carga horária a distância de cursos de graduação presenciais.

2017

Decreto nº 9.057, de 25 de maio – Regulamentou o artigo 80 da LDB, revogando o Decreto nº 5.622/2005, bem como o artigo 1º do Decreto 6.303/2007.

Portaria normativa nº 11, de 20 de junho – Em consonância com o Decreto nº 9.057/2017, estabelece normas para o credenciamento de instituições, bem como para a oferta de cursos a distância de nível superior, revogando artigos das Portarias nº 40/2010 e nº 18/2016.

Fonte: Elaboração própria.

À formalização legal da EaD corresponde seu crescimento no Ensino Superior. Nesse sentido, conforme se pode observar na Tabela 3.2, organizada com dados do Censo da Educação Superior, entre os anos 2000 e 201741, no período logo após a promulgação da

LDB de 1996, são as instituições públicas as responsáveis pela oferta de cursos a distância por meio dos consórcios especificamente voltados à certificação de professores que

41 Em outubro de 2018, quando foi realizada a consulta às Estatísticas da Educação Superior elaboradas pelo

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), estavam disponíveis Sinopses desde o ano de 1995 até 2017. Contudo, os dados referentes aos cursos de graduação a distância aparecem somente a partir da Sinopse do ano 2000, por isso a Tabela inicia-se nesse ano.

atuavam no Ensino Fundamental, tais como os já mencionados CEDERJ, o Projeto Veredas e, ainda, o curso de Pedagogia da UFMT. Para Arruda (2018), essas iniciativas refletem as legislações de 1998, as quais teriam ampliado o alcance da modalidade. Alves (2007), em argumento semelhante, afirma que as normatizações de 1998, embora não contemplassem programas de mestrado e doutorado, favoreceram o credenciamento de instituições para a oferta dos primeiros cursos superiores EaD.

Tabela 3.2 – Cursos de graduação a distância e ingressos em instituições brasileiras públicas e privadas* no período de 2000 a 2017, em números

Ano

Cursos de graduação a distância Ingressos

Instituições Públicas Instituições Privadas Total Instituições Públicas Instituições Privadas Total 2000 10 - 10 5.287 - 5.287 2001 14 - 14 6.618 - 6.618 2002 37 9 46 13.716 6.969 20.685 2003 38 14 52 3.717 10.516 14.233 2004 37 70 107 6.525 18.481 25.006 2005 66 123 189 29.608 97.406 127.014 2006 110 239 349 28.225 184.021 212.246 2007 129 279 408 77.537 251.734 329.271 2008 261 386 647 185.859 277.234 463.093 2009 400 444 844 43.186 289.283 332.469 2010 424 506 930 40.174 340.154 380.328 2011 465 579 1.044 34.045 397.552 431.597 2012 511 637 1.148 48.527 494.106 542.633 2013 506 752 1.258 36.906 478.499 515.405 2014 427 938 1.365 43.915 683.823 727.738 2015 422 1.051 1.473 30.323 664.236 694.559 2016 449 1.213 1.662 24.490 818.691 843.181 2017 462 1.646 2.108 86.965 986.532 1.073.497

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do INEP.

*As instituições públicas incluem federais, estaduais e municipais e as privadas abrangem particulares, comunitárias e confessionais.

Nota-se, na Tabela 3.2 que nos anos 2000 e 2001 não há oferta de cursos por instituições privadas. Sobre isso, Lima (2014) esclarece que até 2001, somente IES públicas podiam se credenciar à oferta de cursos a distância, em virtude das limitações estabelecidas pelas Portarias nº 1.089, nº 2.253 e nº 3.021, de 2001.

Contudo, a dilatação do alcance da modalidade a partir de 2002 é explicada por Arruda e Arruda (2015) com base no Decreto nº 2.494/1998 que, segundo os autores, promoveu a “facilitação da oferta de cursos superiores por instituições privadas de ensino, sobretudo na perspectiva da diminuição de custos” (ARRUDA; ARRUDA, 2015, p. 324). E isso por dois motivos. Primeiro, porque a concepção de EaD expressa no Decreto conduziu à centralidade dos materiais didáticos em detrimento da ação pedagógica do docente, pois

a modalidade foi entendida como “autoaprendizagem” (ARRUDA; ARRUDA, 2015, p. 324). Segundo, porque não havia uma legislação que garantisse a qualidade da estrutura física para a oferta de cursos de graduação a distância e as diretrizes explicitadas no Decreto eram vagas (ARRUDA; ARRUDA, 2015). Assim, em 2004, as instituições privadas já respondiam por 65,42% da quantidade de cursos superiores oferecidos a distância. Conforme esclarece Segenreich (2009), esse crescimento expressivo da oferta de cursos por instituições privadas apressou a regulamentação da modalidade, concretizada em 2005, por meio do Decreto nº 5.622, que sistematizou as legislações anteriores.

Para Arruda (2018), esse Decreto representou o estabelecimento de “elementos dificultadores” (ARRUDA, 2018, p. 824) para a EaD, ao detalhar diversas regras para a oferta de cursos na modalidade. Nesse sentido, no parágrafo primeiro do Art. 1º estabelece-se a obrigatoriedade da avaliação, estágios probatórios, defesa de trabalho de conclusão de curso e atividades laboratoriais serem realizados presencialmente. Vale mencionar, quanto a isso, que o Art. 4º reforça a realização presencial das provas e sua prevalência sobre exames ou atividades a distância para fins de avaliação de desempenho, conclusão de estudos e obtenção do diploma ou certificado correspondente ao curso. Outro ponto que merece destaque no Decreto nº 5.622/2005 é o Art. 3º, que deixa claro que os cursos ministrados a distância deverão ser planejados com a mesma duração de seus correspondentes presenciais, o que impacta diretamente na característica de flexibilidade temporal da modalidade EaD.

Ainda em relação à Tabela 3.2 e com um olhar mais atento para a quantidade de cursos ofertados por IPES, é perceptível um expressivo acréscimo em 2006, ano em que o projeto-piloto do curso de Administração Pública foi desenvolvido numa parceria entre o Banco do Brasil e 26 universidades federais, estaduais e antigos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) (BRASIL, 2013b). Esse projeto constituiu-se no precursor do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), instituído legalmente pelo Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006 (BRASIL, 2013b), com o objetivo de ampliar e interiorizar o acesso a cursos e programas de Ensino Superior, conforme será discutido na seção seguinte.

Dessa maneira, quando se retoma a Tabela 3.2, é possível observar que nos anos de 2007 e 2008 houve um significativo aumento no número de ingressos em cursos a distância ofertados por instituições públicas, pois a esse período correspondeu o início dos cursos

superiores aprovados pelo Edital de Seleção nº 01, de 16 de dezembro de 2005, lançado pela então Secretaria de Educação a Distância (SEED), subordinada ao MEC.

Vale destacar, conforme Lima (2014), que até 2007, a maior parte de IES ofertantes de EaD pública era de universidades federais, o que pode ser explicado pelo fomento que a elas era repassado como contrapartida para a oferta dos cursos. Tal fato, embora seja positivo à primeira vista, uma vez que as universidades federais constituem-se sobre o tripé ensino-pesquisa-extensão, num olhar mais aprofundado denota que as atividades de pesquisa e extensão foram prejudicadas devido ao modelo de polo de apoio presencial “que reduz o contato do estudante com o campus universitário e as atividades docentes” (LIMA, 2014, p. 10)42.

Acerca da significativa redução no número de ingressos em IPES no ano de 2011, conforme Lima (2014), pode-se dizer que resultou das ações de supervisão dos polos parceiros do Sistema UAB (LIMA, 2014).

Quanto aos documentos relacionados à EaD, vale mencionar os Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a Distância, elaborados em 2003, mas reeditados em 2007, os quais embora não tenham caráter de lei, constituem-se em norteadores para a gestão de sistemas de EaD nas instituições ofertantes, estabelecendo parâmetros de regulação, supervisão e avaliação dos processos educacionais a distância (BRASIL, 2013a).

Concernente aos objetivos desta pesquisa considera-se relevante destacar, por fim, a Portaria nº 1.134/2016, por se referir à flexibilização da carga horária destinada a atividades remotas em cursos de graduação presenciais. Conforme o Art. 1º da Portaria, as instituições de Ensino Superior que tenham ao menos um curso de graduação reconhecido têm a possibilidade de inserir, em seus cursos presenciais autorizados, disciplinas a distância até o limite de 20% da carga horária total dos cursos. Sobre isso, notou-se, na investigação, que diante da diminuição do fomento por parte da CAPES para a oferta de cursos do Sistema UAB, a estrutura criada na UFSCar para o apoio à modalidade voltou-se ao incremento da Educação Híbrida na universidade, pautando-se, especialmente, nessa Portaria43.

42 Esse debate será retomado no capítulo cinco.

43 Essa discussão será detalhada no sexto capítulo da tese, quando serão analisadas as perspectivas da EaD

Pelo exposto até aqui e com base em Lima (2014), pode-se dizer que, ao longo de seu histórico, a EaD serviu como estratégia para que as IES diversificassem a oferta de vagas e não para que novas instituições surgissem. Outrossim, a EaD pública manteve o formato de projeto emergencial para atender demandas específicas ou se resumiu a ações de inserção de tecnologias na educação, sendo explorada mais pelo setor privado como forma de ampliar o acesso à Educação Superior. O ponto de inflexão na esfera pública, segundo a autora, ocorre com a proposição do Sistema UAB, sobre o qual as principais características são delineadas na seção seguinte.