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4 A LEI MARIA DA PENHA: advento e principais inovações

4.5 Principais inovações trazidas pela Lei Maria da Penha

4.5.4 Medidas integradas de prevenção

O combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, em decorrência da complexidade e especificidade desta, requer o esforço conjunto do Estado (em suas diferentes esferas governamentais e em seus diversos Poderes e órgãos) e da sociedade civil. O artigo 8.o da Lei Maria da Penha não ignora essa realidade; ao contrário, impõe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que deixem de lado as desconfianças mútuas e que trabalhem articuladamente em políticas públicas de promoção dos direitos humanos das mulheres. O Estado deverá buscar também, na medida do possível, a integração das ações desenvolvidas no âmbito não-governamental. Somente através de um conjunto articulado de ações será possível conferir maior abrangência, continuidade e eficiência ao combate da violência doméstica e familiar contra a mulher. Por isso, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública devem, juntamente com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação, desenvolver ações preventivas, protetivas e repressivas. Destarte, segundo a Lei Maria da Penha, a fim de erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, poderão ser celebrados convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais, ou entre estes e entidades não-governamentais, de maneira que o combate a esse tipo de violência ocorra através de verdadeira rede integrada de serviços, e não de maneira pontual.

Outrossim, como, hoje, desconhecem-se as proporções do fenômeno da violência contra a mulher, a Lei n.o 11.340/2006 prevê a realização de estudos e pesquisas, quantitativas e qualitativas, acerca das causas, conseqüências e freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, exigindo que esses dados sejam sistematizados e unificados nacionalmente, vez que a sistematização dessas informações permitirá a adoção de ações concretas direcionadas para os pontos cruciais das questões de gênero. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do

Sistema de Justiça e Segurança a fim de que sejam realizadas avaliações periódicas dos resultados das medidas adotadas. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça. Ou, ainda, poder-se-á, por exemplo, lançar mão da criação de órgão específico com competência para promover tais estudos e pesquisas.

É, ainda, manifesta a preocupação do legislador com a estereotipagem da mulher pelos meios de comunicação. Por isso, a Lei proíbe a veiculação de figuras ou situações que legitimem ou incentivem a violência contra a mulher, que enalteçam situações que traduzam a desagregação familiar ou que apresentem a mulher assumindo papéis que demonstrem inferioridade, em consonância com o art. 221, IV, da Constituição Federal, que determina que a programação de rádio e televisão respeite valores éticos e sociais da pessoa e da família. Não deseja o legislador proibir totalmente a violência doméstica e familiar na programação, legalizando a censura e ferindo a liberdade de criação e expressão. Atento à inegável influência dos meios de comunicação na formação cultural do povo, quis o legislador que, sempre que trouxerem a exposição da mulher em um papel estereotipado, eles o façam com o intuito de retratar a realidade social, de denunciar o sexismo na sociedade brasileira e de fomentar o debate sobre as desiguais relações de gênero em nosso país. Dessa maneira, estarão os meios de comunicação cumprindo outra função que lhes foi reservada constitucionalmente: a função educativa. O que não se pode aceitar, em conformidade com os preceitos legais, é que reproduzam e etiquetem como “natural” a discriminação da mulher.

Também, para prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher e disseminar a Lei Maria da Penha e outros instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres, deverão ser realizadas campanhas educativas, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral. Aqui, inspirou-se o legislador no art. 8.o, e, da Convenção de Belém do Pará, que comina ao Estado a obrigação de “fomentar e apoiar programas de educação governamentais e do setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas relacionados com a violência contra a mulher, os recursos jurídicos e a reparação correspondente”. Os currículos escolares de todos os níveis de ensino deverão destacar conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça/etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

No campo da educação, poderá ser criada disciplina própria ou inseridas noções de gênero, raça/etnia e direitos humanos em disciplinas de estudos sociais, além de utilizados outros mecanismos internos (como simpósios, palestras, cursos, entre outras atividades) que proporcionem o conhecimento da Constituição Federal (notadamente do art. 226, § 8.o), da

Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher e, especialmente, da Lei 11.340/2006. E tal conhecimento não deve ficar restrito ao ambiente escolar e acadêmico, devendo ser estendido à sociedade em geral, mediante programas educativos no rádio, TV, cinema, etc., patrocinados tanto pelo Poder Público como por particulares.

A lei exige que os agentes políticos, os servidores públicos e os militares sejam permanentemente capacitados quanto às questões de gênero e de raça/etnia, com vistas a compreender as condições peculiares das mulheres em situação de violência. Nas localidades onde não existam, deverão ser implantadas Delegacias de Atendimento à Mulher, sendo demandado que os policiais que exerçam suas atividades nessas delegacias, além de possuírem aptidão e sensibilidade para o atendimento da mulher em situação de violência, recebam treinamento específico para tanto. Isso tudo para evitar que a vítima sofra, além do fato punível em si, danos psíquicos, físicos, sociais e econômicos adicionais, gerados pelas reações formais e informais decorrentes do fato.