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2. Autorregulação e autorregulação da aprendizagem: definição dos conceitos e subprocessos

2.2. Modelo de autorregulação para aprendizagem acadêmica

O modelo desenvolvido parte do principio que o ensino poderia seguir algumas práticas adotadas em academias, sejam elas de natureza esportiva ou musical, já que muitas das coisas que acontecem nestes locais (aprendizagem por modelos - utilização de espelhos, treinamento, retorno individualizado do desempenho, autodisciplina, mobilização da vontade, desejo em continuar a aprender) promovem algumas habilidades de maneira tão natural, que parece que acontecem automaticamente e não de uma maneira intencional. Para Zimmerman, Bonner & Kovach (1996) as escolas deveriam ser como academias de aprendizagem, visto que a organização do conteúdo deveria ter como objetivo os métodos de realização e isso impactar no conhecimento aprendido. Ao contrário do que é observado hoje no contexto escolar, que não inclui nada relativo às estratégias de realização e direcionam as ações somente ao conteúdo que deve ser aprendido.

Uma condição elementar para que isso ocorra é a visão sobre o estudante, esse tem que assumir um papel ativo em sua aprendizagem, responsabilizar-se por parte do processo, e contentar-se em não ser um mero receptor de conhecimentos. A partir dessa visão, todos os envolvidos, principalmente os professores, os pares e pais, passam a exercer um papel crucial no processo de aprendizagem (Rosário, 2004;2007). Seja por serem modelos e fontes de informação das crenças pessoais ou por organizarem intencionalmente os elementos para promoção de habilidades. Isso supera a visão que o ensino deve ser só regulado externamente, mas que todos, o contexto e as condições, contribuem para o processo de aprendizagem. Por ser um modelo mais voltado para intervenção intencional dos docentes, Zimmerman, Bonner & Kovach (1996) destacam quatro grandes papéis dos professores para que essa condição aconteça:

Os professores podem fornecer Modelação – podem modelar o processo autorregulatório que esperam que os estudantes utilizem com domínio;

 Os professores podem fornecer encorajamento aos estudantes para que eles busquem diferentes caminhos para aprender;

 Os professores podem ensinar a tarefa e análise da estratégia. Podem ajudar os estudantes a desenvolverem e planejarem estratégias de aprendizagem eficazes e fornecer oportunidades para que eles se envolvam na análise da tarefa e na análise dos objetivos;

Os professores podem ajudar os estudantes no engajamento na conferência do resultado obtido e refinamento da estratégia utilizada. Depois de completada a tarefa, os professores podem ajuda-los a direcionarem a atenção para avaliação do progresso baseados em padrões determinados anteriormente.

O modelo de autorregulação para aprendizagem acadêmica contribuiu fortemente para inovação no procedimento instrucional adotado por docentes e, de maneira geral, na relação ensino-aprendizagem no contexto acadêmico. Ressalta-se que o modelo é composto por quatro grandes fases de ARA, as quais podem ser observadas na Figura 3 e serão detalhadas na sequência.

Figura 3 - Modelo de autorregulação para aprendizagem acadêmica. Fonte: Zimmerman, Bonner & Kovach

(1996, p. 11).

A fase de autoavaliação e monitoramento da aprendizagem acontece quando os estudantes julgam sua eficácia pessoal, frequentemente pela observação e pela recordação do desempenho anterior e resultados em tarefas semelhantes. Segundo Zimmerman, Bonner & Kovach (1996), nesta fase o papel do professor é fornecer orientação, instrução e retorno, de maneira clara e intencional, de modo a facilitar o desenvolvimento de diferentes habilidades por modelação ou emulação, e promover o encorajamento para continuidade do monitoramento da tarefa e avaliação da contribuição dos pares. Isso pode ser feito em

Implementação da estratégia e monitoramento da aprendizagem Monitoramento do resultado da estratégia Estabelecimento de objetivos e planejamento estratégico Autovaliação e monitoramento da aprendizagem

diferentes contextos, tempos, condições, mas sempre deve prever o envolvimento dos pares para auxiliar no julgamento pessoal para completar a tarefa e monitorar o progresso.

A fase de estabelecimento de objetivos ocorre quando os estudantes analisam a tarefa de aprendizagem, estabelecem objetivos específicos e planejam ou definem a melhor estratégia para atingir aquele objetivo. Nessa fase os professores podem auxiliar a analisar da tarefa, identificar objetivos específicos e de curta duração para determinadas tarefas, ensinar por modelação o uso de estratégias de aprendizagem apropriadas, promover oportunidades que permitam que os estudantes identifiquem onde, quando, com quem e como é melhor desenvolver a tarefa e qual(is) estratégia(s) de aprendizagem podem ser utilizadas.

A fase de implementação da estratégia e monitoramento da aprendizagem ocorre quando os estudantes tentam realizar a estratégia em um contexto estruturado e monitoram a precisão da implementação. Os docentes têm um papel importante nessa fase e podem: fornecer ferramentas que possibilitem o automonitoramento e avaliação do progresso, ser fonte de informação e retorno, de modo a dar segurança aos estudantes na adoção das estratégias, checar a apropriação das estratégias frente aos objetivos previamente estabelecidos e recomendar mudanças ambientais que podem auxiliar na implementação da estratégia.

A fase de monitoramento do resultado da estratégia acontece quando o estudante direciona sua atenção na ligação existente entre o resultado da aprendizagem e o processo estratégico para avaliar sua eficácia. Isto é, ocorre quando o estudante está envolvido na autoavaliação, autoexplicação e autorreflexão de como a tarefa foi concluída. Nessa fase, os professores desempenham papel fundamental e podem auxiliar o estudante a avaliar o próprio progresso ao fornecer retorno sobre os resultados obtidos, realizar apontamentos sobre as estratégias, ajudando, assim, os alunos a identificarem as ligações do processo e sua natureza cíclica.

Como é possível perceber, esse modelo fornece subsídios para intervenção para promoção de habilidades de estudo a partir de um conteúdo. Destaca-se que sua grande contribuição é descrever essas fases em habilidades especificidades, como: planejamento e gerenciamento do tempo, compreensão e síntese de textos, anotações de aula, preparação para provas e habilidades de escrita (Zimmerman, Bonner & Kovach, 1996). Optou-se por descrever somente o processo central e não exemplificar como as habilidades específicas são trabalhadas, tendo em vista o nível de ensino que essa intervenção é desenvolvida é diferente

do que está sendo investigado. Reforça-se que os autores fornecem modelos de registros, bem como estratégias que podem ser utilizadas pelos professores para promover cada uma das habilidades. Além disso, o modelo de intervenção conta com material complementar muito interessante que detalha os motivos empíricos e práticos para utilizar determinado material (por exemplo: formulário de automonitoramento do tempo de estudo, questionários sobre estratégias de aprendizagem), além de disponibilizar várias formas de registros que deverão ser realizados pelos alunos durante a intervenção e os materiais de avaliação (por exemplo: escalas de autorrelato de autoeficácia e expectativas de resultados).

Por fim, Zimmerman, Bonner & Kovach (1996) apontam que a aprendizagem acadêmica e as suas diferentes formas de promoção devem utilizar: modelação (entre pares e entre professor-aluno); feedback sobre os esforços realizados, prática de rotinas que envolvem estabelecimento de objetivos específicos e métodos de automonitoramento, conhecimento e utilização intencional de estratégias de aprendizagem. Com essa forma de organizar a aprendizagem, na prática dos professores é possível promover o empoderamento (empowerment) dos estudantes de modo intencional, ou seja, promover habilidades que permitam aos estudantes serem capazes de sustentar suas crenças de autoeficácia com base na experiência direta e aprendizagem social, que acontecem por meio das interações e por modelação (Zimmerman, Bonner & Kovach, 1996).

A intervenção acontece por módulos específicos para cada habilidade e deve ser desenvolvida sequencialmente. O programa inteiro tem duração aproximadamente de 25 a 30 semanas, mas deve-se estimar um tempo complementar para trabalho individual do professor e também do aluno. Além dessa intervenção, é possível identificar a contribuição do modelo de autorregulação para aprendizagem acadêmica em intervenções sobre a realização das tarefas extraclasse nos diferentes níveis de ensino: ensino fundamental (Stroeger & Ziegler, 2008); ensino médio (Cooper, Horm & Strahan, 2005) e ensino superior (Bembenutty, 2009, 2010; Wong, 2005).

Bembenutty (2009, 2010) desenvolveu uma intervenção com 58 estudantes do ensino superior tecnológico de Nova York para promover habilidades autorregulatórias. A intervenção aconteceu em uma disciplina de introdução à matemática, que tinha uma pequena carga horária destinada à introdução sobre a vida no Campus. O foco era ajudar os estudantes a se tornarem agentes no próprio processo de aprendizagem e engajados nos processos de

autoavaliação, estabelecimento de objetivos, automonitoramento, autoajustamento e uso efetivo das estratégias de aprendizagem.

Para isso, foram analisadas as crenças de autoeficácia para aprendizagem de matemática, o peso da gratificação, interesse intrínseco para disciplina de matemática, expectativa de resultados e uso de estratégias autorregulatórias. Foi entregue aos alunos um diário, elaborado conforme as fases do modelo de autorregulação para aprendizagem acadêmica, o qual continha: registro das tarefas, recordações dos estudantes sobre a avaliação das tarefas extraclasse de matemática, objetivos para o dia, quando, onde e com quem a tarefa foi realizada, a presença de distratores e nível de satisfação com a tarefa extraclasse. Todos os diários foram codificados e análises correlacionais foram conduzidas. As análises demostraram que os estudantes que completaram o diário das tarefas estavam engajados no gerenciamento do tempo tinham altas crenças de autoeficácia e satisfação com as tarefas extraclasse, evitavam distratores e obtiveram maiores notas na prova intermediária e final da disciplina. A pesquisa desenvolvida por Bembenutty (2009, 2010) demonstra a efetividade do modelo de intervenção e mostra como a especificidade das habilidades pode ser promovida no contexto das tarefas extraclasse.

A partir desta discussão, um questionamento surge. O que diferencia o modelo de autorregulação para aprendizagem acadêmica do modelo cíclico de autorregulação? São modelos diferentes para o mesmo processo? Qual é a contribuição de cada um deles para as intervenções? Bembenutty (2013) direciona a resposta a esses questionamentos ao mencionar que o modelo de fases cíclicas da autorregulação foi proposto por Zimmerman (1998, 2000, 2008) depois da elaboração do modelo de autorregulação para aprendizagem acadêmica (Zimmerman, Bonner & Kovach, 1996). O modelo cíclico é inter-relacionado com a estrutura do sistema autorregulatório mais amplo e descreve o processo que precede o esforço para ação, durante a ação e os processos que influenciam a reação dos estudantes depois que as realizam. No entanto, esse modelo não é prescritivo, ele é de âmbito mais geral e destaca-se por identificar os subprocessos envolvidos no processo de ARA. Enquanto o modelo de autorregulação para aprendizagem acadêmica é prescritivo e específico a uma tarefa acadêmica, por exemplo, as tarefas extraclasse, habilidades de escrita ou gerenciamento do tempo. Ou seja, ele é específico para quando um estudante já tem uma tarefa em mãos e mostra como os docentes (ou demais envolvidos) podem promover habilidades neste contexto.

Por um lado, o modelo de autorregulação para aprendizagem acadêmica destaca os passos específicos para completar uma tarefa, o modelo cíclico de três fases destaca o processo que acontece ao longo de uma tarefa (antes, durante e depois). A junção da contribuição destes dois grandes modelos fornece lições fundamentais aos professores e aos demais envolvidos no ato educativo (profissionais especializados, pais, gestores). Isto é, direcionam o que podem fazer de maneira geral, pensando nos subprocessos da ARA (antes, durante e depois da tarefa), e também de forma específica na realização de uma tarefa (quais estratégias podem utilizar e de que maneira, quais instrumentos podem lançar mão etc.) de forma a promover gradativamente a autonomia dos estudantes. Desta forma, é possível destacar também que este processo de desenvolvimento da ARA não é algo único, que se pode promover de maneira isolada no contexto. É um processo complexo e multivariável, que tem interferências de diferentes varíaveis, tanto em relação ao conhecimento e uso de estratégias de aprendizagem como dos diferentes aspectos motivacionais envolvidos.

Cerezo (2011) destaca que é possível identificar dois conjuntos de variáveis que se mostram relacionadas com o processo de ARA, as variáveis cognitivas e metacognitivas, as quais dizem respeito às diferentes estratégias cognitivas e metacognitivas destinadas à codificação, armazenamento e recuperação de uma dada informação, como por exemplo: conhecimento das estratégias de aprendizagem, as abordagens de aprendizagem, gestão do tempo e dos recursos. E as variáveis motivacionais, as quais se referem aos mecanismos que permitem sustentar um clima afetivo e emocional positivo para aprender, e estratégias para manutenção do envolvimento na tarefa, por exemplo: autoeficácia, orientação dos objetivos de aprendizagem, atribuição causais, volição, instrumentalidade e valor da tarefa.

Para que ocorra um detalhamento sobre esse aspecto, a próxima seção do texto irá abordar algumas variáveis que são comumente identificadas como relacionadas ao processo de ARA. Vale dizer que não se pretende fazer uma revisão da literatura para cada variável, mas sim destacar o que as pesquisas mais evidenciam na relação com processo de ARA.