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2. Autorregulação e autorregulação da aprendizagem: definição dos conceitos e subprocessos

2.3. Variáveis relacionadas ao processo de ARA

As pesquisas apontam uma importante relação entre ARA e desempenho acadêmico (Bandura, 2002; Boekaerts & Corno, 2005; Rosário, Núñez, González-Pienda, Valle, Trigo & Guimarães, 2010; Schunck & Ertmer, 2000; Zimmerman, 2008; Rosário, Lourenço, Paiva, Núñez, González-Pienda, Valle, 2012). De acordo com Zimmerman, (2001) entre 1970 e início dos anos 80, as pesquisas evidenciavam mais o impacto das estratégias de autorregulação (por exemplo: estabelecimento de objetivos, autoinstrução, estratégias de aprendizagem e de autogerenciamento). A partir da década de 80 foram realizados estudos voltados para o desenvolvimento de instrumentos para identificar a ARA e pesquisas descritivas para responder como os estudantes obtém sucesso tendo em vista o seu processo de aprendizagem e obtém alto nível de rendimento acadêmico. Estas pesquisas, em síntese, apontavam que as habilidades cognitivas não ofereciam argumentos suficientes para explicar o rendimento acadêmico dos estudantes (Pintrich & Groot, 1990; Zimmerman, 1998; Schunk & Ertmed, 2000). As investigações consideravam necessário aprofundar a contribuição dos processos motivacionais na ARA e sua conexão com o sucesso escolar dos estudantes (Schunck & Zimmerman, 1998). Por isso, outras variáveis (por exemplo: autoeficácia, orientação dos objetivos de aprendizagem, instrumentalidade e valor da tarefa) deveriam ser incluídas tanto nos modelos teóricos sobre ARA como nas pesquisas empíricas (Zimmerman, 2011).

É possível destacar a pesquisa desenvolvida por Pintrich & Groot (1990) com estudantes do ensino fundamental com objetivo de clarear a relação entre os componentes motivacionais e ARA. Os autores identificaram que a autoeficácia e valor intrínseco foram positivamente relacionados ao envolvimento cognitivo e desempenho. A análise de regressão revelou que, dependendo da medida utilizada, a autorregulação, autoeficácia e ansiedade frente às provas foram os melhores preditores do desempenho. O valor intrínseco não teve uma influência direta sobre o desempenho, mas esteve fortemente relacionado à autorregulação e uso de estratégia cognitiva, independentemente do nível de realização prévia. Dentre as variáveis analisadas, a ARA foi o melhor preditor do desempenho acadêmico. Esse achado sugere que as variáveis motivacionais não têm um impacto direto sobre o desempenho, mas sim indireto. Isso reforça a necessidade dos dois fatores motivacionais e cognitivos serem entendidos como duas faces da uma moeda, na qual uma das faces representa a habilidade (skill) e a outra os fatores motivacionais (will) e juntas explicam melhor o desempenho por meio da ARA (Printch, 2000).

As pesquisas para identificar a relação entre o desempenho e os processos de ARA mostraram que os estudantes com alta performance organizam um sistema hierárquico de objetivos, em que os mais imediatos estão associados aos mais distais, possibilitando critérios para avaliar as evoluções pessoais, o que favorece a obtenção de dados que permitem aumentar as autoavaliações e melhorar o seu rendimento acadêmico (Zimmerman, 1998). Aqueles que estabelecem objetivos de aprendizagem ou de domínio percebem-se como mais autoeficazes e demonstram mais motivação para a aprendizagem, evidenciando um compromisso intrínseco pelas atividades escolares e uma capacidade de concentração durante as tarefas de estudo (Bandura, 2001; Pintrich & Zusho, 2002). Esses alunos que participam ativamente do seu processo de aprendizagem, ―não são diferenciados somente por sua orientação proativa e por sua performance, mas também por suas capacidades automotivadoras‖ (Zimmerman, Bandura & Martinez-Pons, 1992, p. 664).

Além disso, alunos com maior sucesso conseguem manter atenção durante as tarefas acadêmicas, evitando pensamentos e distratores externos (Corno, 1993). Utilizam, de maneira sistemática, algumas estratégias intencionalmente (por exemplo: maior uso de imagens mentais e autoinstruções em voz alta), e sempre fazem adaptações de acordo com a especificidade da tarefa (Rosário, 2004).

Já os alunos com baixa regulação pessoal usam métodos reativos e inoperantes, que não lhes proporcionam uma estrutura de objetivos e de estratégias de planejamento (Zimmerman, 2011). Na maioria das ocasiões, esses alunos fazem uma avaliação das suas realizações a partir da comparação social. Essa forma de confrontação, no caso de ser adversa, leva a atribuições dos fracassos acadêmicos à competência, à autoinsatisfação e a autorreações defensivas (Zimmerman et al, 1996). Essas, por sua vez, colaboram para a perda de confiança na eficácia dos esforços e, em consequência, a uma diminuição no interesse intrínseco pelas tarefas escolares (Zimmerman & Kitsantas, 1996). Zimmerman (1998) identificou que esses alunos também apresentam uma tendência a definirem objetivos de forma distal e com baixa especificidade, o que reduz a qualidade do controle da motivação, da autorreflexão e da avaliação das realizações recentes; não reconhecem a importância de estratégias de aprendizagem (por exemplo: não utilizam intencionalmente estratégias de imagens mentais como guia para aprendizagem), confiam mais nas experiências de tentativa-erro, quando querem implementar novas formas de aprender (Rosário, Lourenço, Paiva, Núñez, González- Pienda, Valle, 2012). Falham sistematicamente no monitoramento das suas realizações e dos seus processos de aprendizagem tendendo a sobrestimar os seus êxitos escolares, mesmo que

pontuais (Zimmerman, 1989). Além disso, é possível identificar que esses alunos, com baixa ARA, são aqueles que apresentam menor rendimento acadêmico (Pintrich & Groot, 1990; Zimmerman, 1998; Rosário et al, 2012).

As pesquisas sobre ARA nos últimos anos utilizam modelos multidimensionais, que incluem as variáveis cognitivas e metacognitivas e variáveis motivacionais para explicar o processo, o que decorre certa dificuldade desta classificação exata nas variáveis e os resultados obtidos. Com o intuito de identificar o que as pesquisas mostram como tendência em cada conjunto de variável fez-se a opção por destacar os principais resultados obtidos. Dentre as variáveis cognitivas e metacognitivas as pesquisas indicam:

Relação entre os constructos ARA e abordagens à aprendizagem – conceito de abordagens à aprendizagem caracteriza os aspectos motivacionais e cognitivos dos estudantes frente às suas tarefas acadêmicas, identificando duas formas gerais de abordar a aprendizagem: a abordagem superficial e a abordagem profunda (Biggs, 1995, 1993; Fernandes, 2009; Gomes, 2010). Quando os alunos têm abordagem superficial esforçam-se por memorizar as informações que esperam ser avaliadas, não se preocupando com a compreensão do material e já os alunos que optam por uma abordagem profunda tendem a compreender a informação estudada relacionando-a com o seu conhecimento prévio e a sua experiência pessoal (Biggs, 1985, 1993). Pesquisas apontam a relação entre as abordagens à aprendizagem e ARA (Emílio & Polydoro, 2013; Rosário et al, 2010; Fernandez, 2009; Heikilá & Lonka, 2006, Rosário, 1999). Destaca-se o trabalho de Heikilá & Lonka (2009) que identificaram o perfil dos estudantes levando em consideração os seguintes constructos: abordagens à aprendizagem, ARA e estratégias cognitivas. Foram identificados dois grupos de alunos. No primeiro grupo identificado inserem-se alunos com baixa capacidade de ARA, com abordagem superficial e uma regulação externa na sua aprendizagem. E, no segundo grupo, encontram-se os alunos com uma abordagem profunda, com competências voltadas para o significado e com maiores índices de ARA. Os pesquisadores constataram que os estudantes do segundo grupo tinham as melhores notas e eram significativamente diferentes dos estudantes do primeiro grupo. Essas evidências mostram que os níveis de autorregulação estão relacionados com as diferentes abordagens à aprendizagem adotadas pelos alunos, sendo uma variável importante a ser investigada nas pesquisas sobre ARA.

Importância do conhecimento de estratégias de aprendizagem – Pesquisas apontam a importância do conhecimento das estratégias de aprendizagem no processo de ARA (Weinstein & Acee, 2013; Weinstein & Jung, 2011; Boruchovitch & Costa, 2005; Hatie, Biggs & Purdie, 1996; Weintein & Mayer, 1986), e destacam a importância do conhecimento declarativo, procedimental e condicional sobre as mesmas. Essa variável tem sido frequentemente utilizada para avaliar os programas de promoção da ARA e tem sido apontada com uma mudança importante entre os alunos que participam dos programas visando a promoção da ARA (Weinstein & Acee, 2013; Freitas, 2013; Weinstein & Jung, 2011; Rosário et al, 2010a; Rosário et al, 2010b, Cerezo, 2011). Freitas (2013) realizou investigação com 66 estudantes ingressantes para avaliar uma intervenção sobre ARA e identificou que após a intervenção os participantes do grupo experimental foram significantemente melhores em relação ao conhecimento das estratégias de aprendizagem. Esse resultado é muito importante, visto que o incremento no repertório de estratégias pode possibilitar que elas sejam aplicadas em tarefas futuras (Pina et al., 2006), especial se for considerado o fato de as estratégias terem sido ensinadas e explicadas aos estudantes a partir das fases da autorregulação da aprendizagem e da importância de se considerar aspectos pessoais e contextuais para usá-las (Freitas,2013).

Valle e colaboradores (2008) avaliaram 489 estudantes provenientes de diferentes universidades públicas da Europa, sendo a maioria deles mulheres, do primeiro ciclo (1º ao 3º ano). Os autores identificaram três perfis de autorregulação da aprendizagem em decorrência do uso das estratégias. O primeiro corresponde ao perfil baixo, que engloba alunos que usam as estratégias de elaboração e de organização (estratégias cognitivas). O segundo, perfil moderado, envolve os alunos que gerenciam o tempo, o estudo e o esforço da autorregulação. O terceiro, perfil alto, abrange os alunos que estabelecem objetivos de aprendizagem e autoeficácia para aprender (estratégias motivacionais). Os autores observaram que as mulheres obtiveram resultados mais positivos do que os homens, pois eram mais frequentes no perfil alto. Esse resultado também foi encontrado por Virtanen e Nevgi (2010) e Testa e Freitas (2005). No entanto, o estudo realizado por Pelissoni, Polydoro, Freitas, Emilio E Rosário (2013) sobre perfil de ARA de estudantes que se inscreveram em uma atividade extracurricular sobre ARA identificou resultado divergente. O teste de qui-quadrado permitiu observar que os homens foram, de maneira significante (X2 = 11,61; gl = 3; p = 0,009), mais frequentes no quartil superior (n = 41; 66,13%), que retrata maior

percepção de comportamentos autorregulatórios da aprendizagem. Sendo assim, o sexo é uma importante característica que pode ser relacionada às variáveis cognitivas, em específico conhecimento das estratégias de aprendizagem, mas ainda não existe um consenso sobre os fatores que determinariam essa relação.

Importância de estratégias gestão do tempo e dos recursos – As estratégias de gerenciamento do tempo e dos recursos têm sido apontadas como fundamentais para o processo de ARA (Pintrich, 2000; Printch, Smith & McKeachie, 1993), posto que o aluno tem que constantemente monitorar, controlar o tempo e os recursos disponíveis, bem como fazer adaptações tendo em vista a tarefa a ser realizada, os objetivos estabelecidos e sua evolução. Os alunos com maior desempenho acadêmico demostram utilizar estratégias de gestão do tempo e dos recursos com maior intencionalidade, visto que conseguem estabelecer objetivos mais realistas nas tarefas e adequar os recursos e tempo disponível, lançando mão de estratégias como lista de coisas a fazer, organização de horário para atingir os objetivos estabelecidos (Printch,2000). Diferentemente dos alunos com menor desempenho que, em geral, não utilizam estratégias neste domínio com intencionalidade, são movidos normalmente por regulações e recompensas externas. Comumente é identificado o comportamento de procrastinação entre os alunos que não gerenciam adequadamente o tempo e o recurso, e também entre aqueles que têm menor performance (Zimmerman, 2011). Em relação à gestão do tempo para o estudo diário e para provas é possível destacar a presença da procrastinação acadêmica, definida como um lapso entre a intenção de estudar e o comportamento de estudo propriamente dito, incluindo o adiamento não estratégico da tarefa frente a atividades menos prioritárias (Sampaio, Polydoro & Rosário, 2012; Sampaio, 2011; Schouwenburg, 2004). Os alunos normalmente procrastinam por terem baixa consciência da importância da tarefa, fazendo inadequadamente a gestão do tempo, demostrando baixo autocontrole e baixa responsabilidade frente às tarefas, por medo de falhar ou ansiedade frente à tarefa (Rosário, 2004). Instrumentalizar os estudantes com estratégias adequadas de gerenciamento do tempo e dos recursos, bem como a identificação das crenças que fazem com que não as utilizem adequadamente, tem sido foco em intervenções para promoção da ARA (Schouwenburg, 2004). Por isso, é importante que as pesquisas sobre ARA identifiquem quais estratégias de gestão do tempo e de recursos são

utilizadas pelos estudantes, bem como se o adiamento não estratégico das tarefas está presente na realização das tarefas acadêmicas.

Sobre a dimensão motivacional da ARA, Zimmerman e Schunk (2007), ao realizarem revisão sobre o que as diferentes perspectivas teóricas apontam sobre a relação entre a ARA e as fontes de motivação para iniciar, mediar e sustentar os esforços para aprender, destacaram a importância dos seguintes construtos, como elementos mediadores deste processo: orientação dos objetivos, interesse, autoeficácia, valor da tarefa, volição, motivação intrínseca, atribuição causal, estabelecimento de objetivos e autorreações. Tendo em vista o grande escopo das pesquisas realizadas sobre essa dimensão (Zimmerman & Schunk, 2007; Zimmerman, 2011) e sua diversidade teórica, optou-se por destacar variáveis que estão mais presentes e fundamentadas pela TSC, abordagem escolhida para o desenvolvimento desta pesquisa. Esta escolha não desconsidera o papel e a importância dos demais construtos.

Entre as evidências sobre as variáveis motivacionais da ARA é possível destacar a importância:

Autoeficácia - As pesquisas destacam que os alunos constroem crenças motivacionais que guiam a maneira como irão lidar com suas atividades acadêmicas, e isso se concretiza por meio da escolha de estratégias para enfrentar as tarefas (Pajares & Olaz, 2008). Isso significa à crença pessoal na capacidade para realizar determinada tarefa – a autoeficácia – tem a função de mediar as habilidades do indivíduo, o desempenho anterior e o comportamento prospectivo (Bandura, 1997), impactando os processos da ARA.

Como já mencionado na seção anterior, as crenças de autoeficácia interferem no processo de autorregulação à medida que este está associado ao estabelecimento de objetivos, à seleção das estratégias, além de ajudar a determinar quanto de esforço os alunos dedicarão à tarefa e à perseverança diante dos obstáculos (Pajares & Olaz, 2008; Shunck & Pajares, 2002). Dessa maneira, as crenças de autoeficácia influenciam a escolha de quais padrões de autorregulação serão adotados pela pessoa, o tipo de escolhas diante das decisões que surgem e o nível de esforço a ser investido em determinada tarefa (Bandura et al., 2003; Schunck & Pajares, 2002). Um domínio específico da autoeficácia tem sido utilizado como forma de avaliar a eficácia dos programas de intervenção, autoeficácia para autorregular-se, que diz respeito à competência percebida para autorregular o processo de aprendizagem (Núñez et al., 2011; Rosário et al., 2010a, b, c; Magalhães, 2009; Nunes, 2009; Rosário et al., 2007b;

Pina et al., 2006; Solano, 2006; Rosário et al., 2005). Essa variável se mostra importante uma vez que a ARA será maior quando o aluno se perceber capaz para autorregular-se (Cerezzo, 2010).

Instrumentalidade percebida ou valor da tarefa – Apesar dessa variável não ser central para TSC, ela tem sido muito apontada como fundamental para o processo de ARA por outras investigações. As pesquisas apontam para grande relação entre o processo de ARA e a instrumentalidade percebida, tanto em relação à tarefa como às estratégias que podem ser utilizadas no processo de ARA (Rosário et al, 2012). A instrumentalidade percebida consiste no reconhecimento da utilidade entre uma ou mais atividades atuais para obtenção de um objetivo futuro, pessoalmente valorizado (Castro, 2007). Esta relação é muito importante, pois quando as pessoas se comprometem na realização de objetivos futuros pessoalmente valorizados estão na condição de gerar intencionalmente um sistema de objetivos proximais para guiarem a ação, na tentativa de atingirem os objetivos futuros. Se a pessoa não encontra utilidade para as estratégias de ARA é provável que não as utilize. Por isso, é importante conhecer o valor atribuído às estratégias e essa também tem sido uma variável comumente investigada nos programas de promoção da ARA (Núñez et al., 2011; Rosário et al., 2010a, b, c; Magalhães, 2009; Nunes, 2009; Rosário et al., 2007b; Pina et al., 2006; Solano, 2006; Rosário et al., 2005), como uma maneira de medir a eficácia da intervenção.

É possível perceber que as pesquisas sobre ARA apontam forte relação com o desempenho acadêmico, sendo um importante elemento para explicar a diferença nos níveis de performance. Variáveis cognitivas e metacognitivas (abordagens à aprendizagem, conhecimento de estratégias de aprendizagem, de gestão do tempo e de recursos) podem ser destacadas e se mostram importantes para entender o processo de ARA. Além disso, foi possível identificar o papel da dimensão motivacional para o processo de ARA, sendo possível destacar o papel dos construtos da autoeficácia e instrumentalidade.