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2.2. A PERSPECTIVA DE HOFFMAN ACERCA DA EMPATIA

2.2.3. MODOS DE EXCITAÇÃO EMPÁTICA

Três modos pré-verbais são cruciais para o surgimento da empatia na infância, especialmente em situações face a face. Eles exigem pouca capacidade de processamento cognitivo, são automáticas, primitivas e essencialmente involuntárias. São eles: Mímica,

Condicionamento Clássico e Associação Direta.

 Mímica

Este modo pré-verbal de excitação empática foi definido por Lipps, em 1906, como uma resposta inata, involuntária e isomórfica da expressão emocional de outra pessoa. Assim era percebido todo o processo empático no qual envolve duas etapas

distintas que operam em rápida seqüência: Imitação – o observador automaticamente imita e sincroniza mudanças nas suas expressões faciais, na voz, e na postura das expressões dos sentimentos – feedback - o resultado desta mudança no observador proporciona um emparelhamento com o sentimento da vítima (Hoffman, 2003).

A mímica tem sido negligenciada pelos psicólogos, provavelmente porque ela possui uma explicação instintiva. Entretanto, esta explicação permite considerá-la, intuitivamente, a essência da empatia. A demonstração empírica deste mecanismo pré- verbal é difícil. Desta forma, este modo de excitação da empatia requer mais atenção do que os demais.

Pesquisadores na área do desenvolvimento verificaram que crianças, um pouco após o nascimento, já tentam imitar o gesto facial de outras pessoas, colocando a língua para fora, fazendo beicinhos e abrindo a boca. Após dez semanas de idade, elas imitam expressões faciais rudimentares de alegria e raiva das mães. Com nove meses de idade, elas já são capazes de reproduzir outras expressões, além de alegria e tristeza (Meltzoff, 1988; Reissland, 1988; Haviland & Lelwica, 1987; Termine & Izard, 1988, citado por Hoffman, 2003).

Segundo Hoffman (2003), a mímica é um ato comunicativo rápido e preciso no processo de transmissão de mensagens não-verbais para outras pessoas. Sempre há envolvimento e ideia de solidariedade por parte do observador quando há a utilização deste modo de excitação empática.

 Condicionamento Clássico

O condicionamento clássico é um importante mecanismo de estimulação da empatia na infância. Ele aparece quando crianças podem adquirir sentimento de sofrimento empático como resposta condicionada sempre que elas experimentam um

sofrimento ao mesmo tempo em que estão passando por outra experiência independente deste sofrimento.

A junção do sofrimento real e da expressiva sugestão de sofrimento do outro pode ser inevitável, nas interações mãe-filho, quando os sentimentos são transferidos para a criança no contato físico. Por exemplo, quando a mãe sente ansiedade ou tensão, seu corpo pode se enrijecer e, a partir deste enrijecimento, transmitir seu sofrimento para a criança quando estiverem em contato. A criança passa a sofrer e o enrijecimento do corpo da mãe foi a causa direta, o estímulo incondicionado. As expressões faciais e verbais se tornaram os estímulos condicionados que poderão invocar, subsequentemente, sofrimento na criança sem a necessidade de haver o contato físico (Hoffman, 2003).

O condicionamento clássico pode ser pensado, assim como a mímica, como um processo que envolve duas etapas: condicionamento das expressões faciais seguido por

feedback. Mas há uma grande diferença nestes dois modos de excitação empática: a mímica assegura uma união apenas entre os sentimentos da vítima e do observador conquistada na primeira etapa do processo (imitação); enquanto que o condicionamento pode ser uma reação em relação à situação da vítima.

 Associação Direta

Este mecanismo de excitação da empatia ocorre no momento em que a vítima passa por uma situação que faz o observador evocar sentimentos a partir das suas lembranças em experiências passadas similares à situação de sofrimento (Hoffman, 2003; Wispé, 1990). Uma criança pode chorar ao ver outra machucada ao lembrar-se de como foi passar pela mesma situação. Assim, ao ver o sangue, o som do choro da vítima, ela se lembrará do seu sofrimento e passará a ter o mesmo sentimento.

Associação direta se difere do condicionamento clássico porque este não requer experiências prévias de sofrimento. Este terceiro modo pré-verbal de excitação empática

apenas requer que o observador tenha tido sentimentos passados relacionados a situações de dor e desconforto que possam ser evocados por sinais de sofrimento da vítima. Associação direta é mais adequada do que o condicionamento, pois fornece a base para uma variedade de experiências de sofrimento do outro que a criança pode sentir empatia. Mudanças na expressão facial do observador, resultante deste modo de excitação da empatia, podem contribuir para uma maior combinação entre os sentimentos da vítima e do observador, quando comparado aos modos mencionados anteriormente (Hoffman, 1975a/2003).

Em resumo, a mímica, o condicionamento e a associação direta são importantes mecanismos de excitação empática por várias razões: 1) São automáticos, de ação rápida e involuntária; 2) Capacitam bebês e crianças no estágio pré-verbal, bem como os adultos, a sentirem empatia com o sofrimento do outro; 3) Produzem logo cedo emparelhamento do sofrimento empático de crianças com o sofrimento efetivo de outras pessoas, contribuindo para uma mudança de perspectiva sempre que são expostas às situações de sofrimento; 4) São auto-reforçadores para o aumento do comportamento de ajuda, já que promovem a possibilidade do alivio da angústia simpática; 5) Contribuem, na dimensão involuntária, para futuras experiências empáticas da criança (Hoffman, 1990, 2003).

A empatia pode ser suscitada no observador pela combinação da mímica, do condicionamento e da associação. Com o avanço da idade, dois outros modos, de ordem superior, passam a possibilitar uma capacidade empática mais elaborada. Isso ocorre com o desenvolvimento da linguagem e da cognição. São eles: Associação mediada e role-

taking

 Associação Mediada

O quarto modo de excitação empática envolve a mediação verbal: o sofrimento emocional da vítima é comunicado por meio da linguagem. O destaque do processo

envolve uma associação mediada que ocorre quando a linguagem fornece uma sugestão sobre o estado afetivo da outra pessoa. A linguagem pode produzir uma resposta empática porque as propriedades físicas das palavras tornam-se o estímulo condicionado. Assim, segundo Hoffman (1990, 2003), o surgimento da empatia por meio deste modo de excitação não é possível sem o desenvolvimento das habilidades linguísticas.

A mensagem da vítima pode ser expressa através da verbalização do seu sentimento: “Eu estou triste, angustiada”, ou através da verbalização de sua situação: “Eu estou desempregada e tenho que sustentar quatro crianças”. O sentimento empático pode surgir no observador ao decodificar a mensagem da vítima e relacioná-la com suas próprias experiências.

O processo semântico incontestavelmente requer mais esforço mental do que os modos de excitação pré-verbais. Além disso, permite um distanciamento entre o observador e a vítima, não necessitando estarem apenas em situações face a face como antes. Entretanto, conforme saliente Hoffman (2003), este modo de excitação empática pode trazer uma redução na intensidade da resposta empática no observador, já que não exige maior contato entre os indivíduos.

 Role-taking

O último modo de excitação empática descrita por Hoffman (2003) requer um nível avançado de processamento cognitivo no momento em que a pessoa se coloca na perspectiva do outro e tenta compreender como este se sente. Assim, o role-taking espontâneo é encontrado em adultos e em crianças a partir dos nove anos de idade, em média, corroborando a teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo que coloca que, a partir dos sete anos de idade, a criança já é capaz de realizar ações interiorizáveis reversíveis, podendo construir esquemas mentais elaborados acerca de suas próprias

experiências e de eventos abstratos e hipotéticos – estágios das operações concretas e formais (Piaget, 1967/1977; Piaget & Inhelder, 2006).

Para Hoffman (2003), existem três tipos de role-taking: role-taking focado em

si, role-taking focado no outro e a combinação de role-taking.

O role-taking focado em si ocorre quando uma pessoa observa alguém em sofrimento e imagina como se sentiria na mesma situação. Se o observador conseguir se imaginar com bastante intensidade nesta situação, ele pode experimentar o sentimento correspondente ao sofrimento da vitima.

O role-taking focado no outro permite que, no conhecimento do infortúnio do outro, o observador se foque na vítima e imagine como ela se sente. Esta resposta empática pode ser intensificada pelo conhecimento de uma informação adicional que o observador tenha da vítima e algum conhecimento normativo em relação à como as pessoas podem se sentir na situação de sofrimento.

Estudos realizados por Batson, Early e Salvarani (1997, citado por Hoffman, 2003) verificaram que o role-taking focado em si produz um sofrimento empático mais intenso no observador do que o role-taking focado do outro. Entretanto, o role-taking

focado em si pode ter as suas limitações já que as emoções fortes são baseadas nas suas

lembranças pessoais. Estas lembranças podem, em determinado momento, controlar as respostas e tirar a atenção da vítima para si mesmo.

Hoffman (1978) discorreu acerca da tendência egoísta no artigo Empathy, its

development and prosocial implications. Nele, o autor considera que a tendência egoísta

deriva-se da fragilidade empática ao destacar que embora os seres humanos sintam empatia pelo outro, eles não são o outro. Assim, o role-taking focado em si causa maior sofrimento empático, entretanto, esta conexão entre a vítima e o observador pode ser vulnerável quando se considera a tendência egoísta.

A combinação de role-taking ocorre quando o observador muda de perspectiva focando no outro e focando em si mesmo quando percebe o sentimento ou a situação de sofrimento da vítima. Hoffman (2003) sugere que este processo, ao co-ocorrer paralelamente, pode ser o mais eficiente e poderoso porque combina a intensidade emocional do role-taking focado em si com a atenção para vítima proveniente do role-

taking focado no outro.

Os modos em que sofrimento empático pode ser suscitado são importantes porque mostram que a empatia pode ser desenvolvida e o ser humano pode, involuntariamente ou de forma induzida pelo ambiente, dar respostas afetivas voltadas mais para a situação de outra pessoa do que para a própria. Os modos pré-verbais continuam a operar e a possibilitar a empatia por todas as fases do desenvolvimento humano (Hoffman, 2003).