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1 REVISÃO DE LITERATURA

1.2 Leitura à primeira vista: aspectos psicológicos e motores

1.2.1 O movimento dos olhos na prática da leitura musical à primeira vista

De acordo com Sloboda (2008, p.89), a movimentação dos olhos sobre a página é a primeira conduta manifestada em situações de LMPVs. Essa ação possibilita a exposição à visão central de fragmentos sucessivos do material observado. Visto que nossos olhos são capazes de enfocar apenas uma pequena área do material que está sendo visualizado, realizamos vários “disparos” de olhar para construir o todo da imagem que pretendemos compreender. Lehmann, Sloboda e Woody (2007, p.114) exemplificam que nossos olhos funcionam como uma câmera que realiza “snapshots” sucessivos (ou seja, disparos de fotos sucessivos) de uma grande área para posteriormente construir uma imagem completa coadunando todas as pequenas imagens num todo. Segundo Sloboda, a distância aproximada de uma visão clara normal é de um círculo com aproximadamente uma

polegada (ou 2,54 centímetros) de diâmetro, conforme é possível observar na Figura 1 (abaixo). O autor acrescenta que,

[...] os mecanismos do sistema de movimento dos olhos operam de modo a dar ao leitor uma série de „tomadas instantâneas‟ (também conhecidas como „fixações) de tais círculos. Na leitura fluente, a duração de cada fixação é de aproximadamente 250ms (um quarto de segundo) e o olho se move de uma fixação para outra, numa varrida rápida, conhecida como movimento sacádico e que dura cerca de 50ms. As evidências disponíveis sugerem que recebemos informação visual apenas durante as fixações estáticas e não durante os movimentos sacádicos (SLOBODA, 2008, p.90).

Figura 1.Representação (através do ponto amarelo) da área aproximada da visão focada pelo olho

Esses pequenos saltos de olhos, denominados por Sloboda como sacádicos, não possuem movimentos aleatórios, mas também não são fixos. Estas movimentações oculares “dependem de (1) onde está acontecendo algo no campo visual, (2) onde esperamos que aconteça algo, e (3) que informações estamos tentando extrair”11 (LEHMANN; SLOBODA; WOODY, 2007, p.115). De acordo com Lehmann, Sloboda e Woody (2007), nossos olhos precisam pular em torno de três a seis vezes por segundo de um ponto a outro para que se construa uma imagem de um todo coerente através do cérebro. Embora não seja possível ampliar o campo focal de visão por meio de treinamento, é possível obter entendimento e compreensão parcial da área da região periférica do nosso foco de observação.

Em estudos sobre o movimento dos olhos na tarefa da leitura musical, constatou-se que os olhos realizam deslocamentos verticais e horizontais,

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11 “[...] depends on (1) where in the visual field things are happening, (2) where we expect things to happen, and (3) what information we are trying to extract” (LEHMANN; SLOBODA; WOODY, 2007, p.115).

quantidade variável de retornos, levando a crer que as irregularidades dos movimentos oculares “estão sob controle cognitivo imediato” (SLOBODA, 2008, p.90). De acordo com pesquisas de Weaver (SLOBODA, 2008 apud VANNUYS;

WEAVER, 1943; SLOBODA, 2008 apud WEAVER, 1943), a sequência de fixações dos olhos é determinada pelas características da música, tanto nos aspectos estruturais e texturais quanto na instrumentação. No caso da música para piano, em função de nossa limitação de observação focal ocular acima mencionada, torna-se impossível contemplar a visualização de todos os ícones presentes na notação musical nos dois pentagramas da partitura, sendo necessário, portanto, fixar um pentagrama de cada vez. Esta impossibilidade aplica-se também no caso do órgão de tubos, que possui habitualmente três pentagramas na maior parte das partituras do repertório tradicional para o instrumento. Atinente a isso, o autor acrescenta que:

Poder-se-ia imaginar que a melhor estratégia a ser adotada na leitura pianística deveria ser a varredura vertical do sistema (para cima ou para baixo), seguida de um deslocamento à direita e de uma nova varredura [...].

Weaver encontrou que este padrão era de fato utilizado no caso de músicas homofônicas com acordes. Contudo, quando a música era contrapontística, ele encontrou sequências de fixações que eram agrupadas em varreduras horizontais numa única linha, com um retorno posterior à outra linha (SLOBODA, 2008, p.91).

Na Figura 2 (página 16) estão ilustradas as movimentações de olhos de acordo com as pesquisas de Weaver. Para Sloboda (2008), os procedimentos visuais e práticos no decorrer da LMPV diferem nos distintos tipos de estruturas musicais, sendo importante aos instrumentistas terem uma previsão das unidades estruturais dos materiais musicais que irão executar para planejarem a sua execução de acordo com o material em questão, em busca de uma performance fluente e rápida:

Aparentemente, a estratégia geral consiste em identificar unidades estruturais significativas em fixações sucessivas. Na música homofônica, essas unidades são acordes, então é necessário colher amostras de ambos os pentagramas em fixações sucessivas. Na música contrapontística, as unidades significativas são os fragmentos melódicos que se estendem horizontalmente no curso de um único pentagrama (SLOBODA, 2008, p.92).

Figura 2.Movimento dos olhos de acordo com a textura musical (homofônica e contrapontística)

Fonte: Sloboda (2008, p.91).

De acordo com Waters e Underwood (1998), os músicos mais experientes realizam mais fixações nas partituras se comparados ao mais iniciantes. Contudo, os mais experientes realizam fixações mais curtas para cada ponto de visualização. De modo geral, os músicos mais veteranos tendem a olhar mais à frente do ponto em que estão tocando na partitura, realizando uma leitura antecipada com mais fluência e não se fixam em todas as notas da partitura como os iniciantes costumam fixar-se (THOMPSON; LEHMANN, 2004). Os mais experientes tendem a ler de seis a sete notas à frente em uma linha melódica, enquanto os mais principiantes leem de duas a três (LEHMANN; SLOBODA; WOODY, 2007 apud BEAN, 1938).

Pesquisas envolvendo “eye-hand span” (separação entre a posição do olho e a posição da mão na prática da LMPV) evidenciam que os músicos mais experientes possuem um índice significantemente mais rápido do que os iniciantes na velocidade de respostas frente aos estímulos musicais, sugerindo que eles armazenem mais informações em seus buffers de memória do que os mais novatos (FURNEAUX;

LAND, 1999, p.2435). Por conseguinte, para Waters, Underwood e Findlay (1997) a proficiência em leitura musical à primeira vista está associada à rapidez de percepção de notas (ou grupos de notas) e padrões na partitura e, conforme os

autores, os músicos mais experientes dependem mais do contexto musical do que necessariamente do planejamento do material musical à frente na partitura.