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1 REVISÃO DE LITERATURA

1.3 O aprendizado em leitura à primeira vista

A leitura musical à primeira vista não costuma ser ensinada no período do desenvolvimento infantil, tampouco é instruída de maneira rigorosa, como ocorre com as palavras, visto que não é necessário que músicos sejam capazes de ler à primeira vista para a realização de tarefas musicais convencionais (SLOBODA, 2008, p.88). Segundo Costa (2011, p.270),

Um estudante de piano primeiramente reconhece uma nota de cada vez e, aos poucos, vai desenvolvendo a habilidade de reconhecer várias notas de uma só vez, até reconhecer padrões, como uma escala, um acorde ou uma passagem típica da linguagem de um compositor (COSTA, 2011, p.270).

Conforme Thompson e Lehmann (2004, p.153), “melhorar a leitura à primeira vista é comumente apresentado como uma questão de tentativa e erro, sendo a metodologia simplesmente praticar lentamente e gradualmente aumentar a velocidade e complexidade desejadas”12. De acordo com Lehmann e McArthur (2002), as habilidades de LMPV são altamente treináveis e as habilidades mais satisfatórias dos músicos que realizam esta atividade justificam-se pela sua quantidade de experiências relevantes e o tamanho de sua base de conhecimento.

Como justifica Zabala (1998), referente a aprendizagem de conteúdos procedimentais na educação,

A exercitação múltipla é o elemento imprescindível para o domínio competente. [...] Não basta realizar [somente] uma vez as ações do conteúdo procedimental. É preciso fazê-lo tantas vezes quantas forem necessárias até que seja suficiente para chegar a dominá-lo, o que implica exercitar tantas vezes quantas forem necessárias as diferentes ações ou passos destes conteúdos de aprendizagem (ZABALA, 1998, p.45).

Uma leitura à primeira vista eficiente pode possibilitar que estudantes de música progridam com mais rapidez e eficácia na compreensão de aspectos musicais globais, seja do ponto de vista técnico quanto expressivo, auxiliando o estudante em seu preparo como músico profissional e independente (COSTA, 2001 apud HARREL, 1996), visto que “a habilidade musical de tocar com pouco ou

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¹ “Improving sight-reading is commonly presented as a matter of trial and error, the methodology being simply to practice slowly and gradually build up to the desired speed and complexity” (THOMPSON;

LEHMANN, 2004, p.153).

nenhum ensaio pode ser considerada como uma atividade reconstrutiva que envolve alto nível de processos mentais”13 (LEHMANN; McARTHUR, 2002, p.135).

Thompson e Lehmann (2004) acreditam que os músicos possam se beneficiar com a prática da leitura à primeira vista (assim como da improvisação), visto que os benefícios que o desenvolvimento da habilidade de ler à primeira vista podem proporcionar incluem a ampliação a possibilidade da capacidade musical global dos músicos

Em pesquisa com pianistas, Banton (1995) identificou que a ausência de treinamento em leitura produz uma necessidade abundante de controle e localização das mãos no teclado, dificultando a manutenção dos olhos na partitura. Infere-se, portanto, a necessidade de treinamento de localização das notas no instrumento em busca da promoção de uma autonomia visual na localização topográfica dos dedos no teclado (e na pedaleira, no caso do órgão de tubos). Não se apresentando a necessidade de olhar muitas vezes para o instrumento em busca da localização das notas no decorrer da prática da LMPV, pode-se realizar uma visualização mais eficiente da partitura ao longo da realização da tarefa.

A prática de correpetição demonstrou-se eficaz no desenvolvimento da habilidade de ler música à primeira vista (THOMPSON; LEHMANN, 2004; COSTA, 2011), todavia, experiência de correpetição e quantidade de conhecimento e aquisição de repertório demonstraram-se como fatores estatisticamente independentes. Thompson e Lehmann apontam que:

A maioria dos pianistas começa a correpetir cerca de 3 anos após começar suas aulas de piano e trabalham com instrumentistas e cantores que podem acomodar-se tecnicamente no piano. Gradualmente a correpetição torna-se mais exigente. À medida que este ciclo continua, as habilidades de leitura à primeira vista melhoram, assim como as habilidades gerais pianísticas (THOMPSON; LEHMANN, 2004, p.153)14.

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13“The ability to perform with little or no reharsal may be regarded as a reconstructive activity than involves higher-level mental processes” (LEHMANN; McARTHUR, 2002, p.135).

14 “Most pianists start accompanying about 3 years after beginning piano lessons and work with instrumentalists and singers that they can technically accommodate at the piano. Gradually, their accompanying becomes more demanding. As this cycle continues, sight-reading skills improve, as do general pianist skills (THOMPSON; LEHMANN, p.153).

1.3.1 Estratégias para o aprimoramento da leitura musical à primeira vista

Foram encontradas poucas pesquisas enfatizando aplicabilidades pedagógicas de melhora das práticas de LMPV. Sloboda (2008) sugere como estratégia efetiva para o aprimoramento dos músicos na prática da LMPV a observação de agrupamento de padrões como o compasso, por exemplo. De acordo com o autor, utilizar o compasso como unidade de performance pode ser uma estratégia satisfatória para melhorar o potencial de visualização do intérprete, visto que geralmente o compasso contempla um ponto de divisão e localização para inícios e finais de frase. Ademais, o compasso também funciona como um organizador métrico. Para Sloboda, utilizar organizadores métricos pode ser uma ferramenta eficaz na busca da incorporação de regularidade de pulso, colaborando na fluência e andadura do trecho musical a ser interpretado à primeira vista. Outras estratégias são sugeridas por Lehmann e McArthur (2002, p.147), tais como: bater com palmas o ritmo notado e marcar os tempos na partitura, praticar LMPV utilizando metrônomo ou playback simultaneamente à execução da leitura, desenhar linhas verticais na partitura demonstrando o alinhamento das notas e tocar com outros instrumentos, realizando música em conjunto.

Thompson e Lehmann (2004) apontam inúmeras sugestões de estratégias para o melhoramento da habilidade em LMPV para estudantes de música. Conforme os autores, mesmo os músicos que não tenham intensão de realizar a prática de LMPV em sua trajetória musical provavelmente beneficiar-se-ão com o desenvolvimento da habilidade, pois o estudo e a prática da LMPV podem trazer novos níveis de consciência musical e um beneficiamento na capacidade global dos estudantes. Esse beneficiamento deve-se ao fato de as habilidades desenvolvidas na prática da LMPV serem “fortemente dependentes do mesmo conhecimento e habilidades psicomotoras que sustentam uma performance bem sucedida, memorização e (até certo ponto) práticas de música em conjunto15”. Para os autores, a habilidade de ler à primeira vista instiga nos músicos a capacidade de adaptar as habilidades a um ambiente de mudança, visto que lidar com o imprevisto lhes proporciona um ambiente de desafio e, posteriormente, aprendizado.

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15 “[…] they are heavily reliant on the same knowledge and psychomotor skills that underpin successful performance, memorization, and (to an extent) ensemble playing” (THOMPSON; LEHMANN, 2004, p.157).

Tornar-se o mais familiarizado possível com o estilo musical do repertório que se pretende realizar as tarefas de LMPV pode ser uma estratégia benéfica para potencializar as habilidades no desenvolvimento da execução, pois o amplo conhecimento do estilo a ser interpretado é fundamental para a execução proficiente de uma performance à prima vista (THOMPSON; LEHMANN, 2004; SLOBODA, 2008). Thompson e Lehmann (2004, p.154) sugerem aos estudantes que a audição de gravações assim como a leitura de partituras são maneiras eficazes de aquisição de conhecimento de repertório musical. Uma recomendação que os autores fazem é que os estudantes devam fazer perguntas sobre o conteúdo musical que estão ouvindo, com o intuito de ampliar sua acuidade no conhecimento estilístico de variados repertórios musicais. Outro fator importante relatado pelos autores é o domínio das sequências motoras para a execução de padrões específicos, estimulando que os estudantes construam seus exercícios de estudo:

Embora existam muitos livros de exercícios técnicos disponíveis, pode ser mais benéfico criar o seu próprio. Isso requer não só tocar um(ns) exercício(s) até atingir um alto nível de competência, mas também analisar a música para extrair os aspectos mais relevantes dela. Isso [...] é uma boa maneira de expandir a base de conhecimento (THOMPSON; LEHMANN, p.154)16.

Outrossim, os autores sugerem exercícios de visualização concentrada de partituras para posterior escrita em pauta dos elementos da partitura que os estudantes recordarem. Por fim, sugerem que os músicos ao realizarem uma atividade de desenvolvimento de LMPV devam escolher o andamento de acordo com as suas possibilidades de realização das partes mais difíceis, cuidando para não irem mais rápido do que o andamento possível naquele setor da peça.

1.3.2 Autorregulação na leitura musical à primeira vista

Em pesquisa sobre LMPV realizada com organistas (ROCHA, 2013), constatou-se que o uso de mecanismos para autocontrole das interpretações são

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16“While there are many books of technical exercises available, it can be more beneficial to create your own. This requires not only playing the exercise(s) until you achieve a high level of competence, but also analyzing the music to extract the most relevant aspects from it. This, again, is a good way to expand the knowledge base (THOMPSON; LEHMANN, 2004, p.154).

ferramentas eficazes como estratégias de autoavaliação para o desenvolvimento de práticas de melhoramento em LMPV. A utilização de gravações em áudio e/ou vídeo das próprias práticas de LMPV dos praticantes pode ser uma ferramenta útil para identificação dos tipos de erros cometidos ao longo da performance. Gravar a si, de preferência aliado a relatos escritos da própria performance, demonstra-se uma importante ferramenta de análise do autorrendimento no decorrer da tarefa de LMPV (DANIEL, 2001; THOMPSON; LEHMANN, 2004; ROCHA, 2013). Ademais, é importante que os estudantes desenvolvam as suas próprias estratégias em busca de uma eficaz construção de conhecimento das habilidades musicais necessárias à tarefa de ler à primeira vista. De acordo com JФrgensen (2004, p.87), referente à prática musical individual, “todo o praticante – do estudante ao músico profissional – deve ter um completo conhecimento do seu repertório de estratégias e deve poder controlar, regular e explorar esse repertório”17. De acordo com o educador Antoni Zabala:

A reflexão sobre a própria atividade permite que se tome consciência da atuação. Como também sabemos, não basta repetir um exercício sem mais nem menos. Para poder melhorá-lo devemos ser capazes de refletir sobre a maneira de realizá-lo e sobre quais são as condições ideais de seu uso.

Quer dizer, é imprescindível poder conhecer as chaves do conteúdo para poder melhorar sua utilização (ZABALA, 1998, p.45).

Destarte, ao identificar os tipos de erros cometidos nas execuções das leituras através da autoanálise, os músicos podem conscientizar-se dos equívocos aos quais são mais propensos a cometer e desenvolver estratégias que contemplem o aprimoramento das habilidades técnicas que possuem mais fragilidades (THOMPSON; LEHMANN, 2004, p.115).

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17 “Every practitioner – from the student to the professional musician – must have a thorough knowledge of his or her repertory of strategies and must be able to control, regulate, and exploit this repertory” (JФRGENSEN, 2004, p.87).