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2.3. O turismo como fator de mudança social

2.2.6. Mudanças socioculturais negativas

A relação entre o desenvolvimento do turismo e as mudanças socioculturais é complexa conduzindo a uma variedade de noções estereotipadas sobre o impacto do turismo, muitas vezes bastante equivocadas (Crosby 1996, Hashimoto 2014). Contudo, antes de mais, é importante referir que os efeitos socioculturais negativos resultam das relações sociais que se estabelecem entre os residentes e os turistas, durante a permanência destes últimos nos destinos turísticos. Na perspetiva de Crosby (1996), em sentido negativo, essas relações provocam a desculturação do destino, e em muitos casos fazem desaparecer a cultura da comunidade recetora e provocam a adaptação de culturas “indígenas” a costumes ocidentais; por exemplo, a desculturação pode ter lugar quando se comercializa, de forma extrema, as tradições locais, despojando-as assim do seu significado real e destruindo o seu carácter de autenticidade que em princípio atrai o visitante. Para Terrero (2014 p. 4), “Sometimes a destination is sold as a tourism product and local communities have to change their religious rituals, festivals and traditional ethnic rites to conform to tourist expectations”.13

Na mesma lógica de pensamento, Duffied e Long (1981) e Crandall (1987), afirmam que às vezes o comportamento dos anfitriões é modificado, a fim de imitar os turistas; Na maioria dos casos, os costumes e as artes têm, de facto, sofrido mudanças para agradar ao público-alvo (Graburn 1976b, McKean 1976b), que não compartilha o fundo cultural, a linguagem e os valores da comunidade tradicional. Nesta ótica,

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Às vezes, um destino é vendido como um produto turístico e as comunidades locais têm que mudar seus rituais religiosos, festas e ritos tradicionais étnicos para se conformar com a expectativa do turista (Terrero 2014, tradução do autor).

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as danças e rituais têm sido encurtados ou embelezados, e os costumes populares ou artes alteradas, falsificadas e, ocasionalmente, inventadas para o benefício dos turistas (Boortin, 1964, Graburn 1976b). Tal facto faz com que os produtos culturais percam a sua autenticidade na medida em que se moldam às expressões culturais aos gostos dos turistas (Terrero 2014). Com esta prática, as comunidades autóctones são literalmente vendidas como parte do produto turístico, e muitas vezes se espera que estejam em conformidade com a imagem da comunidade idealizada pelo turista, particularmente nas áreas rurais, onde não se espera que a modernização colida com a tranquilidade rústica (Carrol 1995). Na perspetiva de Hashimoto (2014), por causa dos processos da modernização e da globalização que tendem a padronizar a cultura económica do mundo incentivando a adoção de um modelo universal e, implicitamente, o envio de uma mensagem de que a cultura e as tradições indígenas não trazem desenvolvimento económico de uma nação, o turismo provoca mudanças no comportamento das nações subdesenvolvidas, incentivando-os a abraçar os valores “euro-americanos” e a desvalorizar a cultura e tradições indígenas. Assim, como a maioria dos turistas são provenientes dos países ocidentais, de acordo com o mesmo autor, a difusão do seu comportamento e estilo de vida em destino turístico não ocidental pode causar mudanças no comportamento dos moradores locais, que tentam adotar o modo de vida dos turistas. Nesta ótica, em alguns casos, os jovens residentes nos destinos turísticos têm sido atraídos pelos padrões de consumo e estilo de vida ocidentais como, por exemplo, a moda em detrimento dos seus valores culturais.

Greenwood (1972) e de Kadt (1979) constataram que o turismo não é um mecanismo particularmente eficaz de mobilidade social, na medida em que enquanto alguns indivíduos podem beneficiar muito com isso, os operários na indústria têm possibilidades de progresso limitado, devido a uma estrutura de emprego peculiar, atendendo ao facto de que o turismo tem uma ampla base de trabalhadores não qualificados e semiqualificados e escalões superiores limitados. Além disso, em áreas pouco desenvolvidas, os escalões superiores tendem a ser ocupados por pessoas de fora (Noronha 1977), em detrimento das populações locais e, sobretudo, das comunidades “indígenas” que em alguns casos são despojadas das suas terras pelas operadoras turísticas, privando-as

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de seus meios de subsistência e forçando-as a mudarem-se para outros lugares, muitas vezes com menos recursos, como afirma Terrero (20014 p.6),

“The indigenous groups are particularly affected by this event, as many lack formal titles, making them more vulnerable to displacement and loss of access to land. In addition, these people are discriminated against socially, politically and economically, so they are not taken into account in decision- making related to tourism development. This displacement of indigenous people may carry the devastation of their culture”. 14

De facto, a venda de terras ancestrais, de forma voluntaria ou por coerção, com a finalidade de desenvolver o turismo, provoca problemas de propriedade, realocação de terra sagrada e deslocação de populações locais (Paterson 1993, McCarthy 1994). O desenvolvimento do turismo, se não for bem projetado, pode causar choques culturais, se tivermos em conta que o turismo implica a mobilidade de turistas e de pessoas de diferentes locais para os destinos turísticos a fim de conseguirem empregos. Nesta lógica da ação, os turistas passam a interagir com os moradores e os novos residentes passam a construir com os antigos uma nova realidade demográfica da localidade, o que implica a construção de uma nova realidade sociocultural que ocasiona uma série de choques culturais e dificuldades de adaptação ao novo estilo de vida. Isto percebe-se uma vez que os trabalhadores de diferentes localidades trazem valores culturais, religiosos, estilos de vida e níveis económicos diferentes das populações locais. Neste sentido e de acordo com Terrero (2014: 6-7),

“Attitude of locals towards tourism development can go through stages of Euphoria, where visitors are very welcome, through apathy, irritation and potentially antagonism, when anti-tourist attitudes begin growing among local people”. (...). “Tourists that usually don’t know all the habits of the local

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"De facto, os grupos indígenas são especialmente afetados por este evento, já que muitos não têm títulos formais, tornando-os mais vulneráveis ao deslocamento e perda do acesso á terra. Além disso, essas pessoas são discriminadas socialmente, politicamente e economicamente, pelo que eles não são tidos em conta na tomada de decisões sobre o desenvolvimento do turismo" (Terrero 2014 tradução do autor).

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culture behave the way they would in their countries, which can cause irritation in local people who are not used to it.”15

O turismo encoraja ainda vários tipos de desvios sociais como a mudança no uso da língua (Brougham e Butler 1977), o roubo (Noronha 1979, Cohen 1983c), a prostituição (Jones 1978, Cohen 1982b, Wahnschafft 1982), o crescimento do alcoolismo, a criminalidade e os jogos de azar (Young 1973, Graburn 1983, O'Grady 1990). Estes desvios sociais têm a tendência de aumentar nas comunidades de destino turístico com o crescimento do turismo de massa. Neste sentido, tem-se constatado que a presença de um grande número de turistas com enormes quantidades de dinheiro para gastar, e muitas vezes carregando objetos de valor como câmaras e jóias, aumenta a atração para os criminosos, causando desta maneira uma série de mudanças negativas no comportamento social da comunidade recetora (UNEP, in Terrero 2014).

Por sua vez, Boissevain (1979), observou que o desenvolvimento do turismo produz mudanças na divisão diária de tempo entre trabalho e lazer para os trabalhadores na indústria, afetando desta forma a vida da família. Isto provoca mudanças no tamanho e nas características demográficas da população anfitriã (Crandall 1987); bem como uma alteração da estrutura da comunidade (Duffield e Long 1981) pelo aumento da mobilidade das mulheres e dos jovens adultos (Mason 1990, Ratz 2002). Estas transformações sociais foram descritas anteriormente neste trabalho como mudanças socioculturais positivas, todavia, elas podem também ser consideradas como negativas. Noronha (1977) e Boissevain e Sarracino- Inglot (1979) sustentam que a mudança, que ocorre no seio familiar e na estrutura da comunidade, não provoca efeitos só na divisão do trabalho dentro da família, mas também na condição das mulheres em relação as suas famílias e maridos, e no controlo dos pais sobre os filhos. Neste sentido, a alteração da estrutura da comunidade, ocasionalmente leva ao aumento de conflitos e desvio dentro da família. Ainda sobre as mudanças no seio familiar e na estratificação social da comunidade, Hashimoto (2014), observou que

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"A atitude dos moradores locais para com o desenvolvimento do turismo podem passar por fases de euforia, onde os visitantes são muito bem-vindos, por apatia, irritação e potencialmente antagonismo, quando as atitudes anti- turísticas começarem a crescer entre a população local. Os turistas normalmente não conhecem todos os hábitos da cultura local se comportam da forma que fariam em seus países, o que pode causar irritação em pessoas locais que não estão habituados a ela" (Terrero 2014, tradução do autor).

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existem empresas de turismo que têm preferência pela população feminina para trabalhar na indústria do turismo, tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento. Embora este fenómeno possa ser justificado como positivo para o fortalecimento feminino por meio do desenvolvimento do turismo, ele pode ser considerado também como um agente de mudança na estrutura familiar e no equilíbrio do poder nas estruturas sociais. No entanto, quando adquirem o emprego na indústria do turismo, as mulheres começam a ganhar salário e, por vezes, os seus rendimentos são superiores ao salário dos homens. Neste sentido, as oportunidades de emprego para homens e mulheres locais pode ameaçar a autoridade dos chefes, idosos e homens mais velhos que tradicionalmente ocupam posições influentes na sociedade (Harrison 1992a). De acordo com McCarthy (1994) não é apenas a autonomia económica que resulta na mudança social. “Perder” as mulheres para o emprego em turismo significa que a responsabilidade da família para tarefas domésticas, que costumavam ser responsabilidade das mulheres, tem de ser reatribuída. A prática de uma semana de trabalho das nove às cinco, de 40 horas delineadas por turnos, é estranha para muitas sociedades não-ocidentais. Trabalhando em tal sistema impede que muitos trabalhadores locais participem de obrigações sociais, rituais religiosos e festivais, que são a base de muitas sociedades. Isto pode conduzir a uma perturbação da vida comum (McCarthy 1994).

O turismo traz mudanças socioculturais positivas e também negativas sobre o património cultural edificado, através da demolição dos edifícios arquitetónicos de estilo antigo quando não têm a capacidade suficiente para fornecer a acomodação para o número crescente de turistas, para dar espaço a novas e grandes casas de hóspedes ou casas familiares com capacidade e fornecimento de instalações turísticas apropriadas (Ratz 2002). Em suma, em função das mudanças que provoca no seio da cultura material e espiritual das comunidades recetoras, o turismo tem sido frequentemente apresentado como um dos principais destruidores dos costumes e das artes locais (Forster 1964).