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2.5. EMOÇÕES E SIGNIFICADOS NO AMBIENTE DE LOJA

2.5.1 A NATUREZA DOS PROCESSOS AFETIVOS E COGNITIVOS E DA INTEGRAÇÃO ENTRE ELES

Os mecanismos psicológicos internos que levam ao comportamento humano (do qual o comportamento de compra dos clientes na loja é um caso particular) vêm sendo classificados tradicionalmente pela literatura no campo da Psicologia em três grandes grupos distintos de mecanismos (BITNER, 1992, p. 60), a saber:

 Os fisiológicos (automáticos e que ocorreriam sem intervenção consciente da mente);

 Os afetivos (também denominados de emocionais, que ocorreriam, segundo muitos autores, sem que haja necessariamente uma avaliação racional da situação ou dos estímulos sensoriais que os ocasionaram); e

 Os cognitivos (em que o lado racional da mente se manifesta, classificando, organizando e por fim atribuindo significados particulares aos estímulos trazidos pelo processo anterior da percepção).

Em função dos objetivos do nosso estudo, vamos nos concentrar sobre os dois últimos mecanismos: os afetivos e os cognitivos.

Até o início dos anos 80, esses dois processos eram tomados como tendo dinâmicas e mesmo bases fisiológicas separadas e, como tal, estudados também separadamente. A partir de então, uma série de teóricos do campo veio questionando a real divisão entre esses processos (baseando-se principalmente em novos avanços no conhecimento do funcionamento cerebral), pondo em dúvida e juntando um grande volume de argumentos e estudos que apontam para a existência de uma enorme interdependência (e até integração) entre estes processos. Os processos cognitivos (processando elaboradamente as informações trazidas pelos sentidos para a formação de significados) e os afetivos (produzindo avaliações ou resultados emocionais a respeito dos mesmos estímulos) fariam parte de uma única entidade ou processo de atividade mental.

Storbeck e Clore (2007, p. 1213, tradução nossa) revisam a contribuição de vários autores sobre a integração entre os processos afetivos e cognitivos e resumem sua posição na seguinte afirmação: “Os conceitos de “cognição” e “emoção” são no final

simples abstrações para dois aspectos da atividade do cérebro em funcionamento”.

Há, portanto, unidade e inter-relacionamento entre os processos afetivos e cognitivos, e isso é embasado pelo estudo do cérebro, que revela não haver nenhuma base óbvia de separação física (com base na fisiologia) entre os dois fenômenos antes tidos como separados.

Duncan e Barret (2007, p. 1184-1211) chegam inclusive a incluir o afeto como apenas um aspecto dentro de um processo cognitivo mais amplo, justificando tal idéia por meio de bases neurobiológicas que expõem a estreita inter-relação entre a cognição e o afeto. Segundo eles, cognições podem disparar sentimentos e comportamentos afetivos e (do outro lado), os processos afetivos podem influenciar processos cognitivos como os da atenção e da memória. Admitem, no entanto, que ainda há no campo da Psicologia uma persistência da idéia (pelo menos para efeito da descrição dos processos mentais internos como fenômenos) de que existiriam dois componentes diferentes nesses processos (novamente, cognição e afeto):

“A moderna ciência psicológica não mais os encara [afeto e cognição] como forças que se opõem na mente humana, mas continua ancorada na suposição que “pensar” (raciocinar sobre um objeto e categorizar ou deliberar sobre ele) seria um tipo de atividade psicológica fundamentalmente diferente que atribuir afeto (construir um estado para representar como o objeto afeta você).” (DUNCAN; BARRET, 2007, p. 1184, tradução nossa)

Para efeito de uma melhor categorização ou descrição desses fenômenos (ou dois lados de um único mais complexo), Duncan e Barret (2007, p. 1185-1186) definem:  Cognição – seriam todos os processos pelos quais os inputs sensoriais são

transformados, reduzidos, elaborados, armazenados, recuperados e usados; e  Afeto – no sentido geral, o termo seria usado para se referir a qualquer estado

que representa como um objeto ou situação impacta uma pessoa. E numa definição mais recente e estrita, “afeto básico” (no original, core affect) seria um estado psicológico básico que pode ser descrito (e está disponível para a consciência) por meio de duas propriedades psicológicas: valência hedônica (prazer X desprazer) e excitação (ativação X dormência, algo como passividade), e se caracteriza pela seqüência constante de alterações nos estados neurofisiológicos do indivíduo, representando ainda a relação direta do indivíduo com o fluxo da modificação dos eventos. De certa forma, o afeto básico seria um indicador neurofisiológico da relação do indivíduo com o ambiente em um dado instante de tempo. Quando um objeto, evento ou estímulo altera o estado interno de um indivíduo, diz-se que ele tem um significado afetivo (gera emoções).

No final, Duncan e Barret (2007, p. 1187) apontam que o conceito de afeto básico e o circuito neural que o operacionaliza em termos fisiológicos acabam por justificar a integração dos dois fenômenos em um mesmo processo. Esse circuito que implementa o afeto básico suporta o processamento cognitivo geral no cérebro humano, e ainda modula (serve como um seletor ou chave) para os processos sensoriais, e com isso tem um papel crucial em todos os níveis do processamento cognitivo, determinando o que as pessoas estão conscientes de, como elas usam e entendem a linguagem, e que conteúdo é codificado e recuperado da memória. Inicialmente, acreditava-se numa organização física do cérebro que respeitava a divisão cognição X afeto, de um lado centrando os processos afetivos na área subcortical do cérebro, mais precisamente nas regiões da amigdala / nucleus

e de outro lado localizando os cognitivos na área cortical frontal. Haveria ainda links (ou projeções) de controle entre várias dessas regiões.

Esquema 01 – Modelo tradicional do funcionamento do cérebro relativo ao afeto e à cognição

Fonte: adaptado de DUNCAN; BARRETT, 2007, p. 1187

No entanto, avanços relativamente recentes nas ferramentas de investigação das neurociências (como a tomada de imagens do cérebro em funcionamento) indicam que nenhuma área pode ser considerada especificamente como cognitiva ou afetiva: o afeto, por exemplo, se manifesta por uma área muito distribuída no cérebro, que inclui até áreas tradicionalmente associadas à cognição, como a anterior frontal. Além dessa constatação patente vinda da fisiologia do cérebro de que não há separação clara entre afeto e cognição em termos do seu suporte físico por meio de áreas cerebrais especializadas, outra justificativa que nos parece fundamental apresentada por Duncan e Barret (2007, p. 1196 e 1201) e citada antes de forma muito resumida, mas que retomamos agora: o afeto modula (permite / seleciona / bloqueia) o processamento sensorial, portanto qualquer processo psicológico que se baseie em informação sensorial acabará por incorporar uma qualidade afetiva. Como

conseqüência, o assim chamado afeto básico é uma parte intrínseca da experiência sensorial, não consistindo em uma função separada que é aplicada sobre as sensações depois de captadas. Ele é parte do próprio processo cognitivo, e assim influencia formas de atividade cognitiva consideradas tradicionalmente distintas das emoções, como a consciência, a linguagem, a memória, etc.

Sorbeck e Clore (2007, p. 1217 e 1221) também indicam que, além da própria estrutura cerebral, dois argumentos comumente utilizados que suportariam a independência entre afeto e cognição podem ser contestados:

 A suposta precedência da formação de avaliações afetivas (emoções) sobre a ocorrência da cognição (p. ex. a formação de um sentido ou significados em relação a um objeto ou situação) não seria válida: com base em experimentos, verifica-se que a categorização (um aspecto cognitivo) sempre ocorre antes de uma avaliação afetiva (o sistema mental como um todo precisa de um estágio que identifica objetos e situações antes de avaliá-los).

 A suposta automaticidade dos processos afetivos (que significa que tais processos não demandariam atenção para se manifestar), baseada na idéia de que os pensamentos (a cognição) podem ser mais facilmente controlados que as emoções (o afeto), também não é defensável: experimentos mostram que estímulos emocionais alteram a velocidade de execução de uma tarefa (que requer processos cognitivos) ao capturar parte da atenção destinada à tarefa. Mais uma vez, os fatos experimentais apontam para a integração entre os processos afetivos e cognitivos.

2.5.2 RELEVÂNCIA DAS EMOÇÕES E SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS À LOJA