• Nenhum resultado encontrado

6.5 SABERES NECESSÁRIOS À DOCÊNCIA ANUNCIADOS NO PROJETO

6.5.2 Necessidade de saber interdisciplinar, trabalho colaborativo e dialógico

A concepção do Pibid/UFPE também congregou olhares para a construção da perspectiva da docência como um trabalho que, não se encerrando em conhecimentos e competências específicas de um saber disciplinar, entendeu como pontos fundamentais

princípios e valores que fundamentam a formação inicial de professores de forma interdisciplinar.73

A forma interdisciplinar está em várias passagens da proposta do Pibid/UFPE. Vale lembrar que a instituição lançou também dois subprojetos especificamente com tais características (Quadro 11). O primeiro deles era composto pelas áreas de Física e Matemática e do segundo participavam Artes Plásticas, Artes Visuais e Matemática. Mas, quase todos os subprojetos tomaram a expressão para descrever as diferentes maneiras pelas quais as áreas do conhecimento puderam se articular. Como foi o caso do subprojeto de Biologia, que teve entre suas pretensões:

[...] a bra nger diversa s fa ceta s de á rea s que dia loga m com a Biologia , a exemplo da física, da química, da geografia, da filosofia, peças únicas do “quebra -cabeça” do mundo, ma s necessá ria s à a quisiçã o de conhecimentos a o explora rmos diversos a mbientes de a prendiza gem: exposições, fá brica s, esta ções de tra ta mento de á gua e esgoto, etc., no incentivo à s a tivida des científica s (PIBID/UFPE, 2013, p. 12).

A interdisciplinaridade, a partir do trecho acima, foi assimilada enquanto capacidade de fazer dialogar saberes de diferentes áreas para entendimento de objetos do saber, constituindo, portanto, um instrumento poderoso para uma compreensão de sociedade apoiada na concepção de que um único campo disciplinar é limitado o suficiente para ofertar elementos de aproximação com o complexo quebra-cabeça da realidade social, bem como para fazer o aluno da educação básica compreendê-la.

Outro entendimento que temos da proposta de aprendizagem da docência por meio da abordagem interdisciplinar foi que os conteúdos do conhecimento escolar estiveram tomados enquanto artefatos culturais necessariamente problematizáveis, vistos em uma perspectiva transversal do saber, ou pelo menos olhados numa perspectiva transversal, relacionando um campo disciplinar ao outro. Isso não significa, em nosso entendimento, negação ou menosprezo pelas peculiaridades de cada campo disciplinar, mas pontuação acerca do que as une ou as diferenciam, no propósito de articulá-las, ou seja, observar o conhecimento enquanto um artefato de múltiplos olhares (construí-lo e reconstruí-lo). Afinal, como adverte Santomé (1998), não será possível um diálogo interdisciplinar entre disciplinas débeis.

73 Há vá ria s definições a cerca da interdisciplina rida de, dentre a s qua is desta co a s ideia s d e a utores bra sileiros/a s, como Fa zenda (1999 e 2001); D´Ambrosio (2002) e Mora es (2008) e da litera tura interna ciona l, a exemplo de Nicolescu, 1999, Sa ntomé, 1998. Pa ra Fa zenda (2001, p. 23), o termo interdisciplina rida de se compõe do prefixo inter que designa reciprocida de, intera çã o, do sufixo dade (dá qua lida de ou modo de ser) que se justa põe ao substa ntivo disciplina cuja uma de seus significa dos é o de episteme.

A proposta revelou a crença na necessidad e de pensamentos e formas de abordagens abrangentes diante dos saberes escolares. Esse comportamento diante do conhecimento vai na direção de perceber a complexidade da realidade social vivida pelos sujeitos da aprendizagem na escola e, assim, os estimular a irem construindo conhecimentos que também considerem essa amplitude do saber. Isso nos leva a conjecturar uma possibilidade de apropriação crítica do que seja ensinar, mas também do que seja o currículo escolar que, parece, estaria baseado na integração entre diferentes campos do conhecimento que, consequentemente, podem ou tem potencialidade para tal, ensejar novas abordagens pedagógicas por partes dos futuros professores.

Foi projetado que a formação no Pibid/UFPE contemplasse situações críticas e reflexivas como meio para traçar novas ações (criativas) que estivessem imbuídas da abordagem interdisciplinar, em que um dado conhecimento pudesse dialogar com outras formas de conhecimento e, ao mesmo tempo, promover o encontro entre as diversas áreas do conhecimento escolar. No que foi projetado para o Pibid/UFPE, observa-se que desde o início da atuação do programa, os estudantes seriam estimulados à elaboração de atividades práticas, de campo, experimentais e em laboratórios, pautadas em tais concepções do saber. O conhecimento foi visto a partir deste laço complexo de saberes que não se constrói de forma automática, requerendo olhar interdisciplinar para a criação de estratégia para superação dos problemas identificados na abordagem do conhecimento. Isso é dito no projeto por meio dos seguintes excertos destacados:

Estimula r a tivida des prá tica s, de ca mpo, experimenta is e em la bora tórios pa utadas na concepçã o de conhecimento interdisciplinar. [...]. Ela bora r estra tégia s didá ticas inova dora s e de caráter interdisciplinar que a uxiliem na supera çã o da s dificulda des identifica da s na rea liza çã o do dia gnóstico rea liza do inicia lmente. [...]. Incentivar a cria çã o de ma teria is didá ticos que estimulem prá tica s peda gógica s inova dora s e

interdisciplinares (PIBID/UFPE, 2013, p. 3).

Sistema tiza çã o de prá tica s peda gógica s (a ula s, excursões didá tica s, socia liza çã o de experiência s) referencia da s na articulação interdisciplinar entre as diversas áreas

do conhecimento (PIBID/UFPE, 2013, p. 7, grifos nossos).

A perspectiva do Pibid/UFPE com relação ao trabalho interdisciplinar reclamou ações colaborativas entre os vários sujeitos participantes dos vários subprojetos (leiam-se áreas do conhecimento) que abarcaram o projeto institucional. Se, historicamente, a formação docente tem se centrado na transmissão de mono saberes, para não incorrer no mesmo padrão, a UFPE visou como estratégia a:

Cria çã o de uma pá gina do PIBID/UFPE pa ra divulga çã o de informa ções e experiência s, como um espaço para estreitar as relações entre pibidianos de

diversos campos e áreas, bem como com o público em gera l (PIBID/ UFPE, 2013,

p. 4, grifo nosso).

Observamos como um desafio às posturas já constituídas, tendo por horizonte a possibilidade da formação de um novo profissional com tais atributos interdisciplinares. Como alertou D’Ambrosio (2002), os professores normalmente ficam confortáveis em suas gaiolas epistemológicas e/ou disciplinares, um conforto difícil de se abrir mão.

Um trabalho interdisciplinar, conforme Fazenda (1999, p. 77), “[...] pressupõe inicialmente um ato de perceber-se interdisciplinar. Esse processo é lento, exige cuidado, critério e paciência”. Mas a UFPE talvez tenha pensado nisso quando em sua proposta apresentou a necessidade em verificar se, em seu futuro exercício, os egressos do Pibid realizariam “práticas pedagógicas interdisciplinares e inovadoras, bem como aproveitariam os recursos (físicos, didáticos e tecnológicos) existentes na escola em atuação a favor da qualificação dos processos de aprendizagem de seus alunos” (PIBID/UFPE, 2013, p. 8). Em seu escopo geral, o Pibid em seus relatórios corrobora o desenvolvimento de atividades práticas, de campo, experimentais e em laboratórios pautadas na concepção de conhecimento interdisciplinar, o que não significa dizer que os estudantes considerem tal momento representativo, nem que todos os subprojetos tenham se engajado nesta tarefa (PIBID/UFPE, 2018).

Sentimos a necessidade aqui de explicitar um pouco mais a concepção de diálogo e do trabalho coletivo que perpassou as perspectivas de ações dos envolvidos com o Pibid/UFPE, mas principalmente dos licenciandos. Isso porque eles teriam sido desafiados a atuar, propor, criar atividades pedagógicas na escola. No entanto, essas atividades não foram pensadas unicamente sob o viés de um trabalho solitário e sim coletivo, para um grupo de pessoas que ora auxiliou o licenciando/a na apreensão do contexto escolar e de seus alunos (da educação básica), ora acompanhou, ajudou, interferiu e revisou os pontos inicialmente apresentados por eles conjuntamente dos formadores universitários, em proposta de trabalho relacional. Freire já tratava dessas questões ao discutir sua concepção de diálogo ao longo de suas obras. Em Pedagogia do Oprimido, essa concepção pode ser dita da seguinte forma:

A pa la vra viva é diá logo existencia l. Expressa e ela bora o mundo, em comunica ção e cola bora çã o. O diá logo a utêntico – reconhecimento do outro e reconhecimento de si, no outro – é decisã o e compromisso de cola bora r na construçã o do mundo comum. Nã o há consciência s va zia s; por isto os homens nã o se huma niza m, senão huma niza ndo o mundo (FREIRE, 1987, p. 11).

A partir desta concepção, entendemos que professores da escola de educação básica (supervisores), professores universitários (coordenadores) e estudantes da licenciatura participantes do Pibid (pibidianos) poderiam desenvolver um ato de pensamento e ação mediante os diversos mecanismos de interação estabelecidos pelo Pibid/UFPE, fazendo com que a perspectiva esperada e emergida daí, fosse d e trabalhos colaborativos entre todos. Não importa se no momento de aula houvesse somente um licenciando de iniciação à docência em sala desenvolvendo a atividade. Todo o processo de planejamento para estar ali, no ato de aula, seria de relação entre os estudantes e os formadores, entre os estudantes e os demais sujeitos na escola, para viabilizar ações educativas, de uma forma geral. Entendemos também que esta concepção de formação na interação com formadores experientes é terreno fértil para a construção de um saber sobre a abordagem interdisciplinar do conhecimento.

A forma como o Pibid/UFPE pensou essa questão nos colocou diante da suposição de que se tentou desenvolver disposições para que os sujeitos pensassem colaborativa e dialogicamente. Esperou-se que esses diferentes atores sociais que compuseram os diferentes subprojetos oferecessem seus pontos de vista quando em conjunto, constituindo-se assim em espaço de crescimento profissional tanto individual quanto coletivo, pois se tornaria espaço de abertura na experiência de aprender com o outro.

Pensar em um viés colaborativo poderia sugerir a intenção de fornecer aos estudantes a noção de responsabilidade diante do trabalho e dos companheiros de atividade, tendo em vista a resolução de atividades em comum. Poderia também motivar os sujeitos à criação de práticas diferenciadas, sobretudo, dados os incentivos originários do ambiente coletivo, do diálogo e dos esforços para a superação de conflitos, com vistas à promoção do companheiro. Nesse modelo, foi proposto o interesse pela escuta cuidadosa, pelo envolvimento emocional, pelos propósitos compartilhados, pela apropriação mútua, pela responsabilidade de cada um pelo bem comum e pelos processos contínuos de resolução de conflitos e tensões.

No que concerne à intenção de instituição de ato colaborativo na relação entre escola básica e universidade, foi imperiosa, entre outros aspectos, que fosse prevista, como de fato foi, de cessão de um tempo-espaço no qual os sujeitos (formadores e formandos) se articulassem, socializassem, experienciassem os conhecimentos, as dúvidas, tecessem reflexões sobre as práticas desenvolvidas e suas implicações. Ou seja, o planejar juntos, articular o trabalho de um ao do outro, afrontando os desafios que se colocam na cotidianidade da atividade (PIBID/UFPE, 2014; 2015; 2016; 2018).

Nos relatórios institucionais do Pibid/UFPE, observamos tal processo quando anunciam:

Os licencia ndos fora m leva dos a problema tiza r a rea lida de escola r por meio da mobiliza çã o cria tiva e do desloca mento frente a os modos de vida e a çã o da s escola s ca mpo. As a ções envolvera m a s prá tica s docentes, em que os bolsista s foram incentiva dos a desenvolver a ca pa cidade de observa ção, a nálise e crítica na tomada de decisões que envolvem soluções de situa ções própria s do cotidia no escola r, por meio de: diálogo entre gestores, supervisores e coordenadores de área;

participação dos bolsistas [licenciando] na formação continuada, reuniões

peda gógica s e orga niza çã o do tra ba lho peda gógico escola r (PIBID/UFPE, 2016, p. 9, grifo nosso).

Existiu um entendimento de que os licenciandos foram incentivados a conhecerem a realidade escolar, adentrar as práticas docentes e desenvolver atividades diversas a partir de imersão na realidade. Inferimos que o contato com os formadores foi frequente, de modo que formador e formando teriam acabado por interagir e que isso resultou na transformação da compreensão da realidade escolar, não só para o sujeito participante em formação inicial, mas também para os professores supervisores. Pois, como assinalam os relatórios, os licenciandos de iniciação à docência contribuíram pra com a formação continuada dos formadores. A referência frequente nos documentos à existência de reuniões também denotou este clima de troca e parceria.

Entendemos, com base no pensamento freireano, que as dinâmicas formativas do programa e suas ações requereu um diálogo intersubjetivo entre os participantes, por meio do qual foi possível expressar suas compreensões com os meios de que dispunham. A justo título, Freire (1987, p. 10) diria que “o homem só se expressa convenientemente quando colabora com todos na construção do mundo comum – só se humaniza no processo dialógico de humanização do mundo”. A concepção extraída do projeto Pibid/UFPE e dos relatórios é de que nas relações os indivíduos foram concebendo planos, estratégias e ações que respondiam as demandas das atividades formativas, em conformidade com as diretrizes nacionais do Pibid. É como se os membros tivessem sido motivados a colaborar para a elaboração/ação dos percursos de formação docente e de melhoria das intervenções nas escolas-campo.

O diálogo foi entendido enquanto um saber necessário aos estudantes da licenciatura porque se esperou deles esse encontro com a realidade escolar, com as necessidades educativas dos alunos da educação básica, tendo em vista um planejamento coerente, criticamente pensado, olhado por sujeitos singulares e que, por isso, críticos das posições do grupo, nele inserido os formadores. O Pibid/UFPE nos pareceu um espaço de formação onde foi possível o encontro entre homens e mulheres dispostos a aprenderem a ser professores junto aos que já são e, para isso precisaram se abrir para juntos criarem mecanismos que promovessem o grupo a realizar as ações – decorrendo em aprendizagens.

Na próxima categoria, vamos analisar o que se esperava enquanto postura comunicativa

(socializadora): ampliação da produção e socialização do conhecimento a ser desenvolvida

pelos estudantes de licenciatura participantes. Este elemento orientador e organizador da análise foi concebido por ter sido ressaltado nas diretrizes e documentos locais analisados (Projeto e relatórios).