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2. Três questões prévias: Toponímia, Fontes escritas e História de África

2.1. Toponímia

2.1.5. Nomes orientais: Gadir, Hispalis, Hispania

maiorem Timaeus Cotinusam aput eos vocitatam ait; nostri Tarteson appellant, Poeni Gadir, ita Punica lingua saepem significante.

Plin. N.H. IV, 120*

Este texto de Plínio é um testemunho extraordinário sobre a variação de nomes e, sobretudo, de interpretações. Atendendo às palavras deste autor, temos três nomes para uma mesma ilha: Cotinoussa, Tartessos e Gadir. De acordo com o que vimos até este momento,

Cotinoussa é um nome grego que significa "ilha [?] das oliveiras silvestres" (Sanmartín, 1994,

p. 234), enquanto que, para o segundo se propôs, como também acabámos de ver, uma origem indígena. Por fim, Gadir sobressai como o nome oriental de uma fundação associada por Possidónio (Str. III, 5.5*) aos tírios.

Importa destacar, em primeiro lugar, os nomes Gadir*, Gades ou Gadis dos textos romanos e Γάδειρα* (com variante em Γέδειρα) dos textos gregos. Para Estêvão de Bizâncio (s.v. Γάδειρα*), o nome designa a ilha (νῆσος) e a cidade (πόλις). Uma das referências mais

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A presença de /ἀ/ é, para Van Windekens, copulativa. O termo, por seu turno, teria uma variante em -αρος. García y Bellido (1948, p. 90), assinala a lagoa Erebeia e o santuário consagrado a uma divindade infernal, ambos mencionados por Avieno (O.M. 229-244).

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antigas pertence à obra de Heródoto (IV, 8*), identificando-se em fontes posteriores pela sua importância na cosmovisão do Mediterrâneo e do Atlântico na Antiguidade (cf. Besnier, 1918, s.v. Gadir).

Γάδειρα é uma versão grega de um nome semita (gdr), embora esta base não seja um "lexema autónomo en feno-púnico" (Sanmartín, 1994, p. 234). Este autor considera que o topónimo é um híbrido feno-aramaico formado, aparentemente, no séc. VIII a.C., conectando- se com o árabe ğazīra (i.e., "ilha"; ibid., p. 235; Marti - Aguilar, 2007, p. 481). A versão latina, por seu turno, seria posterior e resultaria da vocalização do nome transmitido nas amoedações gaditanas (hdr, 'gdr), cujo significado é "muro" (Sanmartín, 1994, p. 235). Esta ligação parece conferir algum sentido à afirmação de Plínio sobre o significado do topónimo na língua cartaginesa (IV, 120*).

Esta proposta conduz a pensar que o nome de Gadir surge num momento posterior às primeiras instalações orientais no Ocidente, nomeadamente El Carambolo e, eventualmente, à própria fundação da cidade. Por esta razão, foi um dos pontos de apoio para demonstrar a equivalência entre Gadir e Tartessos (Martí-Aguilar, 2007) em vários testemunhos escritos (cf. Alvar, 1989), o que se enquadra nas leituras, antes apresentadas, sobre o nome de Taršiš. Veremos as repercussões destas considerações no Cap. 4, onde se discute esta relação.

Outro topónimo de origem semita parece ser Hispalis. No citado trabalho de J. Sanmartín, é um exemplo da falta de plausibilidade pragmática, na medida em que a etimologia pode ser explicada através da presença de /'y/ ("península", "ilha", "costa"), associada a ṣpn/ ṣpl (Norte; cf. Cunchillos, 2000, p. 218). Os trabalhos posteriormente realizados nesta área constaram que a actual Sevilha se encontrava no final de um braço de mar (fig. 1.8.1; Arteaga, Schulz & Roos, 1995; Escacena, 2001, pp. 74-76; Escacena, Fernández & Rodríguez, 2007, etc.), demonstrando assim que não parece haver qualquer incongruência no nome de Hispalis. Por seu turno, A. Correa (2000) propôs a existência de um nome híbrido que fundia um His- tartéssico e um Baal fenício, que resultaria na posterior latinização em -pal. Esta relação etimológica foi, igualmente, considerada para a interpretação de Balsa (Correa, 2000; Maia & Silva, 2004, p. 176; v. infra, 5.3.5.1).

A presença de ṣpn no nome Hispania (I)spani/a) parece também atestar uma possível origem fenícia de um nome utilizado pelos autores Romanos e que conviveu com a designação grega I)bhri/a42. A formação do nome é semelhante a Hispalis, atendendo a esta leitura (Cunchillos, 2000, passim), uma vez que apresenta também o 'y inicial (i.e., "ilha",

42 I)spani/a: Pap. Art. IV, 4 - 5*; Str. III, 4.9; St. Byz., s.v. I)spani/a; Hispania: Mela, I, 3.4, etc.; Plin., N.H. III, 1; César, B.G. I,1, etc.

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"Península"), ao qual se junta ṣpn. Esta sequência consonântica aplica-se também ao Monte

Saphon (infra, 5.2.3), concordando em termos de significado associado ao Norte. Para

Cunchillos (ibid., p. 220), a composição do nome ('y - ṣpān - ya) pode ser explicada a partir da língua fenícia, identificando-se também nos textos hebraicos do AT. A desinência -ya, por seu turno, é comum em Grego e Latim para designar uma região (ibid., p. 221; v. I)bhri/a;

Ταρτησσία).

A desinência -ya pode também ser uma terminação para um ofício em ugarítico, enquanto que o elemento spān/ spy pode remeter para o trabalho de metais. Assim, a tradução por "ilha/ costa dos metais" ou "onde se trabalham metais" seria uma alternativa a "ilha/ costa do Norte" ou "ilha/ costa dos coelhos", ao mesmo tempo que se enquadraria na proposta de leitura de Taršiš através da raiz ršš, "fundição" ou "mina" (Solá Solé, 1957, pp. 32-35), como se apontou para o caso daquele topónimo/ corónimo (Cunchillos, 2000, p. 224). Apesar do interesse destas propostas, fica por explicar a inexistência deste corónimo no AT, em prol do uso de Taršiš como possível referência do Ocidente, admitindo que este último nome pode referir-se a uma região (cf. infra).

Acrescentar-se-iam outros exemplos que não serão aqui discutidos, não por serem menos interessantes, mas porque estão fora da área estudada nesta dissertação (Abdera, Cartagena, Ebusus, Sexi, etc.). Apesar de se conhecer melhor a língua que deu origem a estes topónimos, parece evidente que apresentam os mesmos problemas que os restantes quando se pretende utilizá-los como ferramenta de análise para a construção identitária de uma comunidade. Por outras palavras, a língua que lhes deu origem pode ser falada por comunidades que adquirem, em novos contextos sociais e culturais, novas formas de auto- representação. E estas, por sua vez, assistem a inúmeras transformações.

Em todo o caso, estes dois últimos nomes, Hispalis e Hispania, foram transmitidos em períodos tardios e é arriscado recuá-los demasiado no tempo. Neste sentido, a conclusão de Cunchillos é bastante eloquente: "pero la prueba sólo podrá establecerse el día que se encuentre el testimonio epigráfico que designe a una parte de lo que hoy llamamos España como > ṣpny [...]" (2000, p. 225).