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O dever de informar previsto no Art 10 do Código de Defesa do Consumidor

2.1 A Política Nacional de Defesa do Consumidor

2.1.2 Do direito à informação

2.1.2.3 O dever de informar previsto no Art 10 do Código de Defesa do Consumidor

Por sua vez, o art. 10 do CDC77 ao mesmo tempo que veda a circulação de produtos e serviços que se sabe ou deveria saber apresentam alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança do consumidor, reconhece os riscos inerentes a produção massificada e apresenta instrumentos aptos a minimizar os possíveis danos.

Os desafios contidos no dispositivo estão em compreender o que vem a ser um produto ou serviço com alto grau de nocividade e periculosidade que sabe ou deveria saber.

Para Zelmo Denari78, “a palavra alto também descreve qualidades sensíveis, e por isso está afetada da imprecisão que contagia todo comando normativo”, e, valendo-se dos conhecimentos de Genaro Carriò, menciona que

77“Art. 10 O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

§ 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. § 2° Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.

§ 3° Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.”

78 In GRINOVER, Ada Pelegrini et al (coords.) Código de Defesa do Consumidor comentado pelos

sempre que isso ocorrer, ou seja, sempre que nos defrontarmos com normas jurídicas que não determinam toda a conduta, pois ostentam uma textura aberta e trabalham com símbolos próprios da zona da penumbra, não será possível remediar o indeterminismo, e o intérprete deverá decidir sobre sua responsabilidade.

Assim, a avaliação relacionada ao alto grau de periculosidade do produto ou serviço, estará sempre sujeita à análise do caso concreto. O fornecedor sempre será responsável pela avaliação preliminar relacionada à adequação do produto ou serviço.

O artigo 10 do CDC estabelece o amplo dever de conhecimento do fornecedor, por ser ele o detentor e conhecedor de todos os aspectos técnicos e científicos relacionados ao produto ou serviço, portanto, caberá a ele realizar todos os testes e pesquisas antes da inserção do produto ou serviço no mercado.

Mesmo nos casos onde há ausência de certeza científica quanto à periculosidade de um produto, esta não será suficiente para eximir o fornecedor da responsabilidade. Neste caso, o fornecedor "deveria saber", devendo-se assegurar- se do potencial de riscos apresentados pelo produto antes de introduzi-lo no mercado, devendo ser considerado o ciclo de vida completo do produto ou do serviço, no desenvolvimento das especificações do projeto79, vez que sempre caberá ao fornecedor provar a segurança do produto ou do serviço.

De certo que a lei não exige que os produtos tenham uma segurança absoluta, no entanto, o que se pretende proteger é a segurança legitimamente esperada, ou seja, o que se espera é que todas as técnicas científicas existentes tenham sido utilizadas tanto na concepção quanto na fabricação e montagem do produto ou serviço, de modo que não possam existir questionamentos que venham colocar em dúvida a segurança ou adequação do produto lançado.

79 Nesse sentido, a Comissão de Estudo Especial de Recall de Produto, ao elaborar um projeto com diretrizes para fornecedores, recomenda que "os fornecedores detenham entendimento e conhecimento claro de como um bem de consumo pode ser utilizado de maneira não prevista ou apresentar potenciais falhas de montagem e é recomendado que os fornecedores efetuem ajustes apropriados aos projetos dos produtos. Recomenda ainda que o fornecedor deve estabelecer mecanismo para receber retornos do mercado com relação ao uso indevido de seus produtos ou similares, de modo que possa identificar padrões repetitivos passíveis de ajustes.” (CCE ABNT/INMETRO-158)

Em outras palavras, o CDC reconhece a existência de riscos extrínsecos ocasionados pela utilização de produtos ou serviços em decorrência de falhas nos processos de criação ou concepção, produção ou comercialização. Nestes casos, nas palavras de Antonio Herman de Vasconcelos Benjamin80, serão considerados produtos com periculosidade adquirida:

Em matéria de proteção da saúde e segurança dos consumidores vige a noção geral da expectativa legítima. Isto é, a ideia de que os produtos e serviços colocados no mercado devem atender as expectativas de segurança que deles legitimamente se espera. As expectativas são legítimas quando, confrontados com o estágio técnico e as condições econômicas da época, mostram-se plausíveis, justificadas e reais. É basicamente o desvio deste parâmetro que transforma a periculosidade inerente de produto ou serviço em periculosidade adquirida.

Diante da concepção da periculosidade adquirida considerar-se-á que há defeito do produto ou serviço. De modo que um produto ou serviço será considerando defeituoso quando não fornecer a segurança que o consumidor normalmente espera, frustrando a legítima expectativa. Nestas situações, se estará diante da possibilidade da ocorrência de risco ser potencialmente experimentado pelo consumidor, que, caso venha a materializar-se, resultará em um acidente de consumo81.

Claudia Lima Marques82sustenta que o CDC impõe ao fornecedor um dever de qualidade dos produtos ou serviços que disponibiliza ao mercado. A teoria da

80 BENJAMIN, Antonio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de

Direito do Consumidor. 5 ed. São Paulo: RT, 2013, p. 156.

81“Acidente de Consumo: É quando o consumidor é afetado em sua saúde, integridade corporal, física ou psicológica, bem como tem diminuído seu patrimônio em decorrência de produtos e serviços defeituosos. Fala-se também em responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço”. MARQUES, Claudia Lima. Manual de Direito do Consumidor. 2 ed. Brasília - DF: Escola Nacional de Defesa do Consumidor, 2009, passim.

82 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao

qualidade se bifurcaria, pelo sistema consumerista, na exigência de qualidade- adequação e qualidade-segurança, estabelecendo uma distinção entre vícios de qualidade por insegurança e vícios de qualidade por inadequação.

Antonio Herman de Vasconcelos Benjamin83, ao se manifestar sobre o tema, consignou que:

[...] a ratio do direito do consumidor não é eliminar toda e qualquer insegurança do mercado. Essa seria uma missão impossível. De uma maneira geral, pode-se dizer que não há produto ou serviço totalmente seguro. Constata-se que os bens de consumo têm sempre um resíduo de insegurança que pode ou não merecer a atenção do legislador. O direito, de regra, só atua quando a segurança ultrapassa o patamar da normalidade e a previsibilidade do risco, consubstanciando-se em verdadeiro defeito. Assim, todo produto ou serviço, por mais seguro e inofensivo que seja, traz sempre uma ponta de insegurança para o consumidor.

Herman Benjamin84 observa ainda que:

A análise do grau de conhecimento científico não é feita tomando por base um fornecedor em particular. Importam, ao revés, as informações científicas disponíveis no mercado. Ou seja: pouco interessa o que um determinado fornecedor sabe, mas sim o que sabe a comunidade científica. Uma das consequências que se podem daí extrair é o dever do fornecedor, em especial do fabricante, de acompanhar e controlar o comportamento de seus produtos e serviços, mesmo após a sua comercialização. E, quanto maiores os seus perigos potenciais, mais intensiva deve ser a obrigação de acompanhamento e controle.

Há produtos que trazem riscos extrínsecos, ocasionados por falhas nos processos de criação ou concepção, produção ou comercialização85; nestes casos,

83 BENJAMIN, Antonio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de

Direito do Consumidor. 5 ed. São Paulo: RT, 2013, p. 115

84 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos; OLIVEIRA, Juarez de (Coord.) Comentários ao

levando em conta mais uma vez os ensinamentos de Herman Benjamin86, serão considerados produtos com periculosidade adquirida:

Em matéria de proteção da saúde e segurança dos consumidores vige a noção geral da expectativa legítima. Isto é, a ideia de que os produtos e serviços colocados no mercado devem atender as expectativas de segurança que deles legitimamente se espera. As expectativas são legítimas quando, confrontadas com o estágio técnico e as condições econômicas da época, mostram-se plausíveis, justificadas e reais. É basicamente o desvio deste parâmetro que transforma a periculosidade inerente de produto ou serviço em periculosidade adquirida.

Assim, os produtos ou serviços colocados no mercado de consumo devem garantir ao consumidor e à sociedade que serão adequados ao uso, e que não afetarão a sua saúde e sua segurança. Por outro lado, reconhecendo o sistema de produção em massa e a possibilidade de falha na produção dos produtos ou serviços, o art. 10 do CDC busca sanar tal situação determinando que o fornecedor, ao tomar conhecimento da periculosidade que os produtos e serviços apresentam 85“Os defeitos de criação ou de concepção decorrem, como o próprio nome indica, da concepção ou idealização do produto, afetando as características gerais do bem em consequência do erro havido no momento da elaboração ou idealização do projeto, de modo que o produto não terá a virtude de evitar os riscos à saúde e segurança do consumidor ou usuário. Fábio Ulhoa Coelho esclarece que, na hipótese, “o descompasso estabelece-se entre o projeto empresarial que poderia ser elaborado com o aproveitamento de todos os recursos oferecidos pela ciência e tecnologia para a produção do bem ou serviço em questão e o projeto empresarial efetivamente desenvolvido”.

Os defeitos de produção decorrem de eventual falha inserta em determinada etapa do processo produtivo. Em regra, esclarece James Marins, ocorrem “por falha de uma determinada máquina ou de um determinado trabalhador ou setor de produção mecânico ou manual”. Acrescenta que “possuem três características que os distinguem dos demais: 1.ª não contaminam todos os exemplares: 2.ª são previsíveis, no sentido de que é possível o cálculo estatístico de sua frequência, e, por fim, 3.ª são inevitáveis, pois mostra-se impossível a eliminação absoluta dos riscos inerentes à produção industrial”.

Por fim, os chamados defeitos (ou vícios de qualidade por insegurança) de comercialização ou de informação decorrem de publicidade, apresentação e informações insuficientes ou inadequadas. Para constatação desta espécie de defeito, é importante realizar interpretação sistemática da Lei 8.078/1990 que, em diversos dispositivos, trata do dever de informação e da publicidade (art. 6.º, 8.º, 9.º e 37), com especial relevo para os riscos à saúde ou segurança dos consumidores.” BESSA, Leonardo Roscoe. Responsabilidade pelo Fato do Produto: Questões Polêmicas. Revista Direito do

Consumidor, v. 89, 2013, p. 141.

86 BENJAMIN, Antonio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de

após a colocação dos mesmos no mercado de consumo, deverão comunicar às autoridades competentes e aos consumidores.

Institui-se, portanto, uma obrigação pós-contratual de os fornecedores adotarem o procedimento de chamamento de consumidores, estabelecendo um dever de prevenção para evitar eventuais danos.

Ocorrendo o dano, ou seja, o acidente de consumo, nos termos dispostos no art. 12 do CDC87, o fornecedor, independentemente da existência de culpa, será responsável pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e seus riscos. São considerados defeituosos os produtos que não oferecem a segurança que dele legitimamente se espera, levando em conta circunstâncias relevantes como o uso e os riscos que razoavelmente dele se espera.

Vinicius Simony Zwarg88 comenta que a dúvida mais recorrente é se a sanção deve ser aplicada pelo Estado ao fornecedor que introduziu no mercado de consumo um produto que sabe ou deveria saber ser possuidor de altos graus de nocividade e periculosidade, mesmo que tenha realizado tempestivamente o recall.

87Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação.

88 In CALDEIRA, Patrícia; MEIRA, Fabíola; SODRÉ, Marcelo Gomes (Coords.) Comentários ao

Cabe buscar aos comentários de Afrânio Affonso Ferreira Neto e Marcelo Dória89, para tentar dirimir tal questionamento, os quais inclusive alinham-se com decisões exaradas pelo judiciário90:

parece axiomático que promover um recall espontaneamente não significa confessar transgressão ao art. 10, caput, da Lei 8.078/1990, principalmente quando não há notícia prévia de efetivo acidente envolvendo o produto em questão. Trata-se de situação prevista em lei, que permite ao fornecedor reparar imperfeição que não sabia e não tinha condições de saber quando introduziu o produto no mercado. É necessário, destarte, que se investigue as causas que levaram à imperfeição, tendo como parâmetro as práticas usuais do mercado.

Estas condutas, de recriminação do recall, indubitavelmente acabam por prejudicar os próprios consumidores, pois igualam o fornecedor que busca a melhoria intensa de seus produtos, avaliando-os mesmo após a introdução no mercado e reconhecendo a possibilidade de erro, daquele que considera a relação de consumo acabada quando efetuada a venda e não arca com o ônus, de imagem e financeiro, que uma campanha de recall acarreta

No mais, cabe notar que de modo diverso dos artigos 8º e 9º do CDC, que dispõem respectivamente sobre as informações que devem ser prestadas pelos fornecedores quando da introdução no mercado de produtos e serviços com riscos normais e previsíveis ou nocivos ou perigosos à saúde e segurança do consumidor,

89FERREIRA NETO, Afranio Affonso; DÓRIA, Marcelo. Recall e a Defesa dos Consumidores. Revista

do Instituto dos Advogados de São Paulo. v. 24, Jul / 2009, p. 9.

90O TJSP já decidiu em mais de uma oportunidade que a realização de recall espontâneo não pode ser sancionada pelos órgãos administrativos. O relator, Des. Rebouças de Carvalho, já consignou que inexiste infração administrativa no caso de recall realizado voluntariamente, que não decorre de fiscalização ou atuação de qualquer autoridade competente, pois “não se pode exigir do fornecedor do produto ou serviço mais cuidado em relação à segurança do que a legislação aplicável determina”. TJSP, Ap 915.231.5/9-00, 9.ª Câm. de Direito Público, j. 26.08.2009, rel. Rebouças de Carvalho. No mesmo sentido, também já se posicionou a 5.ª Câm. de Direito Público do TJSP: “Direito do consumidor e administrativo – Procon – Ação anulatória – Relação de consumo – Processo administrativo – Multa – Cumprimento das normas brasileiras de segurança – Recall espontâneo – Ilegalidade – Inexistência – Não se pode exigir do fornecedor do produto ou serviço mais cuidado em relação à segurança do que a legislação aplicável determina, pois o CDC (LGL\1990\40) refere-se a vício que se „sabe‟ ou „deveria‟ saber, e não „poderia‟ (art. 10, caput) – Recall ou chamamento dos consumidores realizado voluntariamente, não decorrente de fiscalização ou autuação de qualquer autoridade competente, de acordo com os §§ 1.º e 2.º do CDC (LGL\1990\40) – Infração administrativa inexistente – Dá-se provimento ao recurso” (TJSP, Ap 681.974-5/0-00, 5.ª Câm. Direito Público, j. 13.03.2008, rel. Des. Xavier de Aquino).

o artigo 10 institui o dever de cautela ao fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente a sua introdução no mercado, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, devendo comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários, estabelecendo o instituto do recall.