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3 O RECALL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

3.1 O termo Recall

No Brasil, o termo recall pode ser empregado em duas situações distintas, ou seja, como instrumento de defesa do consumidor e como instrumento político.

O recall, como instrumento de luta do eleitorado contra a corrupção política, teve sua origem na Suíça, onde adotando as doutrinas de J. J. Rousseau, alguns cantões suíços se consideraram no direito de promover a dissolução de corpo legislativo por eleição popular. Tornou-se conhecido, nos Estados Unidos durante a era do populismo, nas duas últimas décadas do século XIX, quando, em 1903, Los Angeles adotou o recall para seus cargos municipais em 1903. O Estado de Oregon foi o seguinte a empregá-lo, em 190691.

91Nesse sentido,ver ABDULMASSIH, Chedid Georges.O Recall como instrumento das relações de

consumo. (Dissertação) Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.

Vânia Siciliano Aieta92 lembra que:

A tradução literal de recall é chamar de volta.

Consiste o recall, em termos práticos, em oferecer ao eleitorado a oportunidade de "chamar de volta" (destituir) a autoridade cujo comportamento é considerado inadequado - por corrupção, inépcia, omissão, violência etc.

Nos Estados Unidos, aliás, uma noção pitoresca do recall foi perpetuada pelo presidente Woodrow Wilson, para quem esse instituto é a "espingarda atrás da porta", para lembrar aos eleitos o que deles esperam os eleitores.

Maria Helena Diniz93, em sua obra Dicionário Jurídico, define a palavra recall como:

RECALL: 1. Termo inglês. Revogação. 2. Ciência política de direito comparado. a) remédio outorgado aos eleitores dos EUA para que por meio de uma eleição especial, votem na substituição de um titular de poderes do Estado, antes do término do prazo para o qual foi eleito, em razão de prática de ato censurável, revogando assim, seu mandato (Othon Sidou); b) revogação de mandato de funcionários eletivos outorgado pelo povo; c) meio usual nos EUA pelo qual o eleitorado pode obrigar magistrado a aplicar norma inconstitucional, por haver decidido pela sua constitucionalidade; d) voto destituinte, muito usado nos Estados Unidos, se o governante, na esfera municipal, estadual ou federal não cumprir seus deveres, os eleitores, pela maioria, poderão destituí-lo do cargo.

RECALL JUDICIAL: História do Direito. Instituto que nos EUA, foi preconizado por Roosevelt, em 1912, para que as decisões de juízes e tribunais, negando a aplicação de uma lei inconstitucional, fossem anuladas pelo voto da maioria dos eleitores. Com essa anulação a lei passaria a ser constitucional e aplicada (Dalmo de Abreu Dalari).

origem na Suíça, onde é chamado de abberufungsrecht, tendo se tornado mais conhecido a partir de sua introdução na Carta de Los Angeles, em 1903, fazendo parte do programa do movimento

progressivo da Campanha pela presidência de Theodore Roosevelt em 1912.

92 AIETA, Vânia Siciliano, O Recall e o Voto Destituinte. Revista de Direito Constitucional e

Internacional. v. 40, Jul / 2002, p. 157.

Nota-se que o primeiro significado dado ao termo recall é de um instrumento de luta contra corrupção política, pelo qual o eleitorado goza da faculdade de revogar o mandato outorgado a titulares de órgãos representativos antes designados.

O recall é um termo comumente utilizado pela sociedade como instrumento de defesa do consumidor. Não está literalmente expresso na legislação brasileira, mas, como a acepção da palavra é “chamar de volta”, e seu conceito já exerce a função de chamamento dos consumidores na Europa e nos Estados Unidos, os fornecedores de produtos, especialmente as montadoras de veículos, passaram a utilizá-lo para notificar os consumidores a respeito de bens adquiridos que deveriam ser reapresentados para serem substituídos.

Para Rodolfo Alberto Rizzoto94:

O principal responsável pela instituição do recall na indústria automobilística foi o advogado americano Ralph Nader. Ao descobrir, nos anos 60, que um modelo da General Motors – GM, o Corvair, apresentava vários defeitos de fabricação que o tornavam perigosamente instável, Nader denunciou a empresa e depois lançou um livro denominado “Perigoso a qualquer velocidade”, relatando os problemas do denominado carro e o risco que seus proprietários corriam.

O termo recall passou a despertar a atenção da opinião pública brasileira principalmente a partir de 1997, quando foram realizadas várias convocações. Curiosamente, algumas montadoras passaram a disputar a primazia do recall no País. A Ford revelou que o primeiro teria sido o seu, em 1968, com o Ford Corcel. A Volkswagen, em 1998, comemorou os 10 (dez) anos de recall do Santana, realizado em 1988. A General Motors mencionou o seu

recall de caminhões, feito nos anos 60 e há registro da convocação,

em 1983, de 60.000 (sessenta mil) proprietários de Chevettes, produzidos entre 1º e 12 de março de 1982, por problemas de freios.

Considerando o eufemismo 95 utlizado na época, a inxistência de regulamentação e a disputa entre as montadoras pela primazia do recall, resta

94 RIZZOTTO, Rodolfo Alberto. Recall

– 4 Milhões de Carros com Defeito de Fábrica. RDE Empreendimentos Publicitários, 2003.

evidenciado que os anúncios eram realizados de modo a não causar alarme à sociedade e também tinham por finalidade minorar os possíveis prejuízos à marca ou à imagem das empresas

Apesar de o termo recall não estar expressamente previsto na legislação brasileira, o seu conceito, qual seja, chamar de volta os produtos e serviços defeituosos colocados no mercado, é explicitado pelo disposto no artigo 10 § 1º do CDC e, como bem observado por Chedid Georges Abdulmassih96, “[…] os fundamentos do recall na Constituição Federal de 1988, são os mesmos fundamentos constitucionais do próprio Código de Defesa do Consumidor, visto que o recall é um dos instrumentos utilizados pelo Código, como meio de implementação de suas normas”, vez que tem por finalidade preservar a dignidade da pessoa humana por meio da adoção de mecanismos de prevenção e proteção da saúde e segurança dos consumidores.

O único dispositivo que apresentava uma redação próxima ao instituto do recall era a do artigo 11 do projeto do CDC, que sofreu veto presidencial, com a seguinte redação:

O produto ou serviço que, mesmo adequadamente utilizado ou fruído, apresente alto grau de nocividade ou periculosidade será retirado imediatamente do mercado pelo fornecedor, sempre às suas expensas, sem prejuízo da responsabilidade pela reparação de eventuais danos.

E as razões do veto presidencial apontaram que:

O dispositivo é contrário ao interesse público, pois, ao determinar a retirada do mercado, de produtos e serviços que apresentem alto grau de nocividade e periculosidade, mesmo quando adequadamente utilizados, impossibilita a produção e o comércio de

95 Nesse sentido, observa o seguinte anúncio publicado no Jornal O Estado de São Paulo, em 29 de Dezembro de 1999.

96 ABDULMASSIH, Chedid Georges.O Recall como instrumento das relações de consumo. (Dissertação) Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005, p. 23.

bens indispensáveis à vida moderna (como: materiais radioativos, eletricidade, produtos químicos e outros), cabendo a tais produtos e serviços a adoção de cuidados especiais, a serem disciplinados em legislação específica.97

Para Zelmo Denari98

parecem procedentes as razões do veto. O art. 10 disciplina exaustivamente a matéria ao proibir que se coloquem no mercado de consumo bens ou serviços que apresentem alto grau de periculosidade. A retirada do produto do mercado, portanto, está implícita como sanção, confiada ao prudente arbítrio da autoridade administrativa ou ao juiz, cabendo a ambos, quando necessário, explicitar o modus operandi

Rizzato Nunes99assevera que “a redação do artigo era mesmo contraditória e dispensável, porquanto os demais artigos – com características apontadas – suprem a intenção normativa e, também, de certa forma, as próprias razões do veto”

Chedid Georges Abdulmassih100 manifesta discordância ao veto oposto ao artigo 11 do projeto do CDC por entender que o veto teria afastado a única previsão legal de retirada do mercado dos produtos e serviços que apresentassem riscos adquiridos, e não daqueles riscos inerentes (são por ausência de informação), que, prossegue ele, se digam podem e devem ser evitados por meio de simples informação acerca de sua natureza por parte dos fornecedores.

.

97 BRASIL. Veto Presidencial Lei n. 8.078. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/vep664-L8078-90.htm. Acesso em 19/11/2014.

98 In GRINOVER, Ada Pelegrini et al (coords.) Código de Defesa do Consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. 10 ed. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 189.

99 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Direito Material (art. 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000, p. 141-143.

100ABDULMASSIH, Chedid Georges.O Recall como instrumento das relações de consumo. (Dissertação) Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005, p. 84 e seg.

Assim, apesar de o CDC em nenhum momento fazer menção ao termo recall, os doutrinadores e os órgãos públicos se encarregaram de afirmar que o artigo 10 do CDC disciplina o recall consignando que o fornecedor tem o dever não apenas de informar, conforme disciplinado no § 1º, do artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor, mas também de recolher ou reparar o produto ou serviço que, após a sua introdução no mercado de consumo apresentou algum potencial de nocividade, além da legitimamente esperada à saúde e segurança dos consumidores.101

O dicionário Houaiss102 define o recall de forma restrita, conceituando-o como “chamada pública dos compradores de um determinado produto, para que se faça sua substituição, caso seja constatado pelo fabricante, um defeito ou contaminação desse produto.

A Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça103 define recall como “a forma pela qual um fornecedor vem a público informar que seu produto ou serviço apresenta riscos aos consumidores. Ao mesmo tempo, recolhe produtos, esclarece fatos e apresenta soluções”.

Para o PROCON-SP104,

Recall é o procedimento, previsto em lei, e a ser adotado pelos

fornecedores como forma de alertar consumidores, indicando para a necessidade de chamar de volta o consumidor, tendo em vista

101 Nesse sentido Chedid Georges Abdulmassih observa

“a obrigatoriedade de chamar os consumidores para substituição, reembolso, conserto ou a retirada do produto – a qual a nosso ver deve ser suprida com a análise sistemática da lei, interpretando conjuntamente com diversos outros dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relacionados à matéria”. O recall como instrumento

das relações de consumo. Dissertação de Mestrado, São Paulo, PUC, 2005, p. 93.

102 HOUAISS, Antonio e VILLAR, Mauro de Sales. Minidicionário Houaiss de língua portuguesa. 3 ed. Ver.e aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, verbete Recall.

103 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor. (SNDC). http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={F84114A3-05C7-41AC-BA85-

936DBE737A1F}&BrowserType=NN&LangID=pt-br&params=itemID%3D{07CC8CDB-9312-41E7- A097-E28028802305}%3B&UIPartUID={2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26}. Acesso em 12/11/2014.

104 SÃO PAULO. PROCON. http://www.procon.sp.gov.br/recall.asp.Disponível em: Acesso em 12/11/2014.

problemas verificados em produtos ou serviços colocados no mercado evitando assim a ocorrência de um acidente de consumo.

A instituição ainda destaca que:

o Recall tem como objetivo básico proteger e preservar a vida, saúde, integridade e segurança do consumidor e visa a retirada do mercado, reparação do defeito ou a recompra de produtos ou serviços pelo fornecedor.

Nelson Nery Junior105 sintetiza o conceito como sendo

o ato pelo qual o fornecedor informa o consumidor a respeito do defeito do produto que tem potencialidade para causar danos ou prejuízo à sua saúde ou à sua segurança. Pelo recall fornecedor chama de volta o produto (nocivo ou perigoso) para a correção do risco que apresenta. Esta correção pode se dar pela substituição total ou parcial do produto (peças, acessórios, etc.).

Como visto, o recall como instrumento de proteção do consumidor está disciplinado pelo § 1º do art. 10 do CDC. Para Zelmo Denari,106

O § 1º do art. 10 regula a seguinte hipótese: após a colocação do produto ou serviço no mercado de consumo, o fornecedor toma conhecimento do real nível de nocividade ou periculosidade, em decorrência de fato desconhecido à época do fornecimento. O dispositivo determina que o fornecedor, além de alertar os consumidores, através de anúncios publicitários, comunique o ato, imediatamente, às autoridades competentes. Essa última prescrição normativa é de extrema utilidade.

105 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Leis Civis Comentadas, 2 ed. ver., atual e ampl. São Paulo: RT, 2010, p. 275.

106 In GRINOVER, Ada Pelegrini et al (coords.) Código de Defesa do Consumidor comentado pelos

Logo, o parágrafo 1º do artigo 10 da Lei 8.078/90 tutela um dever de prevenção, isto é, atribui ao fornecedor o dever de informar os consumidores e autoridades competentes, da nocividade ou periculosidade existente no produto colocado ou do serviço prestado no mercado de consumo.