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O Estado de S Paulo: Golpista antidemocrático

Capítulo 1 – O enquadramento da mídia do estilo chavista de governar

1.1.4. O Estado de S Paulo: Golpista antidemocrático

Em mais de um século de existência, O Estado de S. Paulo não deixou de participar dos mais importantes acontecimentos históricos do Brasil, exceto entre 1940 e 1945, quando o presidente-ditador Getúlio Vargas interveio no jornal. Conti (Op. Cit., pp. 612-5) descreve as ações da família Mesquita (desde 1891) em defesa de “convicções liberais” que retratavam “os interesses de um setor poderoso do empresariado e da classe média paulistas” e que no ambiente de trabalho, os Mesquita davam a entender que “eram superiores aos jornalistas que trabalhavam no Estado”. De alguma forma, essa característica se projetou na própria política editorial do jornal. O que se faz no jornal é tão eficaz, que passa a ser produzido por outras mídias e instituições de ensino. Isso fica esclarecido por Aluizio Maranhão (Martins, 1997, p. 7) ao apresentar as normas do manual de redação, “adotado também em outros jornais e até mesmo como livro de auxílio para o ensino do Português nas escolas”.

Nas páginas do caderno Internacional, cede-se também espaço a especialistas e seus artigos, padrão menos utilizado pela Folha. A opinião de articulistas estrangeiros recebe destaque na coluna Visão Global, na qual jornalistas correspondentes, editores, cientistas políticos, filósofos, acadêmicos, artistas, escritores, empresários, profissionais liberais e pensadores críticos da contemporaneidade se revezam diariamente. Steinberger (Op. Cit., p. 263) lembra que no jornalismo internacional “as fontes são as agências e a própria mídia”, cujo processo de filtragem se revela mais complicado, fator que prioriza o espaço midiático para especialistas estrangeiros. A alternância de articulistas é aleatória, pois quase sempre o artigo se ajusta a alguma temática agendada,

29 A respeito do orçamento participativo, ver SANTOS, Boaventura S. Democracia e participação: o caso do orçamento participativo de Porto Alegre. Porto: Afrontamento, 2002, no qual o autor discorre sobre o processo de capacitação dos cidadãos para reivindicarem as demandas necessárias junto aos poderes públicos de modo equilibrado e baseado nos recursos destinados pelo governo municipal.

evidenciando a escolha de acordo com a programação do enunciador. Os únicos que tinham coluna semanal fixa eram o jornalista norte-americano Mac Margolis (Figura 13), correspondente no Brasil da

revista Newsweek há 26 anos, e o escritor peruano Mario Vargas Llosa, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2010.

Ainda no início do primeiro mandato de Chávez, o Estadão mencionou a proposta de criação de uma organização militar para a

América Latina (“Chávez propõe uma Otan latina”, 8/4/00), a fim de proteger os países- membros contra o narcotráfico e assegurar a paz e a democracia, programa referendado pelo então presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso. No entanto, a partir de 2005, o Estadão denunciou Chávez por desprezar a alternância política no poder (“Presidente despreza alternância e quer ficar no poder até 2013”, 15/1)30 e resgatou informações do golpe fracassado liderado por ele contra o ex-presidente Carlos Andrés Pérez, em 1992. Além de golpista, a Chávez se acrescentaram outros atributos opostos à democracia: o de não apreciar eleições livres e o de ser favorável à censura da imprensa. Não obstante as notícias do mundo, o espaço destinado às temáticas da América Latina não se ampliou desde 2000. Poucos foram os momentos em que algum assunto do continente conquistou destaque. A fim de comprovar essa propensão, basta perceber as duas últimas semanas de 2010 (18 a 31/12). A média de páginas da Editoria Internacional é de apenas oito, superfície disputada por anúncios imobiliários, tal qual na Folha, ou intercalada por outras páginas contendo publicidade. Somando-se somente os enunciados, restam em média à América Latina meros 10% do total de conteúdo em relação às demais regiões do mundo. A massa mais expressiva de assuntos internacionais, de cerca de 90%, compartilha essencialmente as agendas do Oriente Médio, Europa e Estados Unidos.

30 Chávez se afastou do poder para se tratar em Cuba de um tumor pélvico, entre 27/11/12 e 18/2/13. Em

consequência do agravamento da doença, ele não tomou posse em 10/1/13, cabendo ao vice-presidente Nicolás Maduro assumir o executivo venezuelano. Em seu primeiro discurso, Maduro agradeceu à presidente Dilma Rousseff o apoio do governo brasileiro à posse provisória do vice-presidente. Chávez morreu em Caracas, em 5/3/13, e “Dilma diz que Chávez deixará vazio na América Latina” (Folha, 6/3/13). O articulista da Folha, Bernardo Mello Franco afirmou que “Chávez era o aliado que ofuscava Lula”.

Esse microperíodo analisado é uma mostra fiel ao padrão observado ao longo de 2010 e similar ao corpus selecionado e verificado em 2000 e 2005. Em quatorze dias, o venezuelano Hugo Chávez se projetou na agenda do Estadão como a locomotiva à frente de outros presidentes e ex-ditadores noticiados, maioria enquadrada negativamente, como Manuel Zelaya (Honduras), Jorge Videla (Argentina), os irmãos Raúl e Fidel Castro (Cuba), René Préval (Haiti) e Evo Morales (Bolívia), e outros positivamente, como Felipe Calderón (México), Álvaro Uribe e Juan Manuel Santos (Colômbia). Quando se tratava de se posicionar em relação ao regime chavista, o

Estadão selecionou articulistas para criticá-lo.

A reportagem “Em meio a pacote, Assembleia chavista aprova lei que facilita estatizar bancos” (18/12) não tem assinatura, pois foi editada na redação, baseada em despachos enviados pelas agências Reuters e EFE (Figura 14). Ao lado desta narrativa há a análise da situação na Venezuela (“Uma forma de contornar a perda da maioria”) redigida pelo correspondente Roberto Lameirinhas. Ao centro, a imagem de dois deputados chavistas, destacando-se uma deputada vestindo um blazer e uma boina vermelhos. O uso da cor vermelha identificava os correligionários do presidente, e a boina era semelhante à usada por ele quando vestia algum uniforme militar. As boinas de Chávez e da parlamentar lembravam outra boina famosa, a de Che Guevara, registrada pelas lentes do fotógrafo Alberto Korda. Qualquer coisa referente a Che não se ajusta à política editorial defendida pelo Estadão. De acordo com McCombs (Op. Cit., p. 63), “esta mescla da análise histórica com as explicações da opinião pública oferece uma rica promessa teórica” para a compreensão das práticas políticas.

A figura de Chávez foi construída com características depreciativas, cujos atributos corroboravam os riscos à democracia liberal. O enunciador não o considerava democrata, mas autoritário, expropriador, nacionalista, socialista, populista e centralizador do poder. Ao pretender governar sob decretos, o presidente venezuelano sedimentou “o seu projeto de ‘socialismo do século 21’, mesmo que dê impacto negativo”, caminho dito contrário à democracia liberal. Para o Estadão, essa democracia

tinha de ser valorizada a qualquer custo e desqualificar as ações de Chávez era a sua estratégia.

A totalização discursiva efetivada a partir da palavra de ordem produz certos efeitos ideológicos, como o de camuflar determinadas situações, passionalizando o discurso do medo e a favor da democracia. Segundo Prado (2011), “um partido político pode reverter sua imagem de partido perigoso”, como fez o Partido dos Trabalhadores (PT), “a partir de uma palavra de ordem como ‘a esperança vence o medo’”. Outro modo dessa ênfase concedida à palavra de ordem é enaltecendo o discurso de um interlocutor, mesmo em um enunciado opinativo, como o artigo publicado pelo Estadão do professor Carlos Alberto di Franco.31 Nele, o enunciador exaltou o discurso favorável à liberdade de expressão, imprensa e democracia, feito pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, ao encerrar o Seminário Internacional de Liberdade de Expressão. Da fala de Britto, Franco destacou palavras de ordem que valorizavam a democracia enquanto fundamento da própria liberdade de expressão e imprensa. O ministro culpou juízes de instâncias inferiores ao STF por prejudicarem o “livre exercício do jornalismo”, restringindo a liberdade de expressão. Para ele, “a liberdade de imprensa ocupa, na Constituição, este pedestal de irmã siamesa da democracia”. Britto se mostrou a favor do controle da imprensa, “mas não pelo Estado”, pois é o autocontrole da mídia que amadurece a democracia. Esse policiamento, segundo Franco, deveria acontecer como iniciativa da mídia, a fim de evitar que a censura volte a ser empregada pelo Estado como “ferramenta autoritária”, tal qual a usada pela ditadura militar (1964-85). Para ressaltar seu saber, o enunciador afirma que “o Brasil não quer isso”, posicionando-se na contramão de qualquer tipo de controle e regulação do Estado com a intenção de se tornar “um projeto único de poder”. No momento em que a “exaltação da democracia” se torna a palavra de ordem, aquilo que era uma demanda particular alcança a hegemonia, totalizando o discurso midiático. Para tanto, é preciso que os públicos aceitem a totalização efetivada a partir da palavra de ordem, fazendo com que múltiplas diferenças sejam aplacadas pela lógica equivalencial, hegemonizando esse discurso. É o significante que se despoja de suas particularidades e conquista a universalidade.

Não bastasse a censura imposta à mídia opositora, o pacote de medidas aprovado pelos deputados venezuelanos resgata a Lei Habilitante, “que dará poderes a Chávez”.

31 FRANCO, Carlos A. Plenitude de liberdade de imprensa. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 mai.

Com tais poderes, Chávez sedimentaria e fortaleceria o seu projeto socialista bolivariano. Ou seja, para o enunciador, Chávez se dispunha a fazer de tudo sem pensar nas consequências. O enunciador do Estadão construiu seu texto a partir de um contrato comunicacional entre ele e o enunciatário, propondo-lhe uma modalização. Tais enunciados apresentam “uma proposição performativa do tipo imperativo” que, conforme Prado (2011), justifica suas declarações, ancorando-as em recursos extras, tais como infográficos e tabelas. Para mostrar ao enunciatário que esse governo era antidemocrático, o enunciador destacou, em um quadro, os prejuízos causados por Chávez desde que assumiu a presidência: regulamentação e monitoramento das comunicações; cassação de concessões de emissoras de rádio e televisão; proibição de financiamento estrangeiro para ONGs e partidos políticos; redução da autonomia das universidades; intervenção nos bancos e punição aos dissidentes do partido governista. Para mencionar como essas novas regulamentações funcionavam na prática, o enunciador enfatizou que “o governo já controla cerca de um terço do sistema bancário”, esclarecendo mais adiante que “Chávez ameaçou nacionalizar qualquer banco, grande ou pequeno, que não cooperar com o governo no fornecimento de crédito imobiliário para os pobres com taxas de juros baixas”. O enunciador explicou o porquê da vontade governista em facilitar o crédito: o governo pretendia “acabar com o déficit de quase dois milhões de casas no país”.

Mouffe (Op. Cit., p. 33) afirma que a maior necessidade “é de uma hegemonia de valores democráticos” e não a de um Estado autoritário. Ela alerta para o risco que isso pode causar: "As relações de autoridade e de poder não podem desaparecer completamente e é importante abandonar o mito de uma sociedade transparente, reconciliada consigo própria, porque esse tipo de fantasia conduz ao totalitarismo." Entenda-se aqui, sob o ponto de vista de Mouffe, como a totalização discursiva. O permanente combate da mídia às instituições, sob o pretexto de cumprir com o papel de fiscal dos poderes públicos constituídos, corrobora a fundamentação da própria democracia protegida por ela. Todavia, ao se omitir de sua função, a mídia expõe as falhas e mazelas da democracia, que podem servir de pretexto para outras forças preencherem o ponto vazio. Tais forças, sejam elas autoritárias, populistas, tiranas, ou centralizadoras, podem fazer emergir um big brother como fundamento de um Estado policial em vez de aceitar o princípio ético do liberalismo que, segundo Mouffe (ibid, p. 140), é o fundamento que garante aos indivíduos o direito à organização de “suas vidas

como desejam, de escolherem as suas próprias finalidades e de realizá-las como julgarem melhor”, base imprescindível de uma democracia pluralista.

A princípio, a descrição dos desdobramentos legais, suas causas e consequências, bem como a explicação em números dos beneficiados das ações governamentais chavistas, dão a entender que o enunciador compartilhava desse processo político em desenvolvimento na Venezuela. Todavia, o texto do articulista Lameirinhas, já mencionado, elucidou a posição do enunciador: “A ofensiva parlamentar do presidente venezuelano, Hugo Chávez, concretiza os temores manifestados pelos analistas do país logo após as eleições legislativas de 26 de setembro, que tiraram dele a maioria de dois terços na Assembleia Nacional.” Por mais que Chávez atendesse as demandas populares e tentasse resolver as diferenças brutais entre as classes econômicas, qualquer coisa que ele fizesse seria considerada “temerosa”. E o enunciador tinha o respaldo da análise dos políticos de oposição a Chávez. Além disso, em uma democracia, o derrotado deve respeitar a escolha das urnas, o que não ocorreu na Venezuela, pois Chávez diminuiu o peso de voto dos deputados da oposição. A partir da interferência do executivo sobre os demais poderes, os direitos individuais e a preferência da maior parte dos eleitores deixaram de ser respeitados. Esse “golpe chavista” em pequena escala contrariou o ponto de vista de eleições limpas, advogado por O’Donnell (Op. Cit., p. 33). A ausência de liberdade e a manipulação do pleito obstruíram a concretização da vontade da maioria. Na maior parte dos casos, os eleitores jamais conhecerão quem teve mais ou menos votos. No caso de Chávez foi pior. Os eleitores tiveram ciência da derrota dos candidatos do partido do presidente. Mesmo assim, diante de todos, ao ressuscitar a Lei Habilitante, dispositivo criado em 1961 pelo então presidente Rómulo Betancourt (1959-64), Chávez conferiu a si próprio o direito de governar por decreto durante um ano.

Na falta de um correspondente no país vizinho, o enunciador do Estadão escolheu produzir um discurso esclarecendo a situação política na Venezuela. Essa particularidade dos fazeres jornalísticos indica, segundo Shoemaker e Vos (Op. Cit., p. 93), “como a política de um editor de publicação pode se fazer presente nas páginas de um jornal sem que o repórter esteja consciente dessa intervenção”. Desse modo, os enunciados produzidos pelo diário constroem colunas como sustentáculos da sociedade livre em oposição àqueles pretensos governantes que desrespeitam a vontade da maioria.

1.2. Mídias exaltam a democracia

Se para a Folha, Estadão e Veja, o governo chavista usou do expediente democrático da eleição para se projetar como líder autoritário, para Carta, Chávez não foi percebido como antidemocrático, pois atendeu as demandas e ampliou as relações políticas no país e no subcontinente. De acordo com a Folha, Estadão e Veja, Chávez se configurou no Outro-temível, o modelo não desejado no Brasil; Carta, por outro lado, projetou-o como o Outro-admissível, que se transformou em figura idealizada.

Em Veja, o enunciador sanciona com agressividade os presidentes que não se ajustam ao ideal democrático da revista. Às vezes, o enunciador usa interlocutores de prestígio para reforçar sua posição contra o Outro-presidente. A mídia constrói uma figura tematizada a partir de certos discursos, nos quais vigoram determinados regimes de verdade. Todavia, na maior parte dos enunciados, as críticas e destaques para ações antidemocráticas são providas de juízos valorativos que determinam um saber diante do enunciatário. No Estadão, os articulistas emitem seus pareceres a respeito dos temas agendados e os interlocutores das matérias são destacados pelo enunciador, manifestando seus pontos de vista. Em Veja, verificou-se um saber que induzia o leitor a um conhecimento idealizado pelo enunciador tal qual ocorria com o Estadão. A diferença era que o Estadão primeiramente expôs os projetos de Chávez ao leitor, os resultados deles diante dos cidadãos, para só depois fazer ressalvas. Veja apresentou os projetos de governo de Chávez já de modo negativo e crítico. Para o enunciador, existia uma má-intenção em cada ato do presidente venezuelano. A conclusão das matérias se manifestava em forma de um parecer, uma opinião e um juízo sobre o assunto, ou o personagem discutido, a qual se ajustava às convicções do enunciador.

Para a Folha e o Estadão, a democracia sustenta a liberdade de expressão e a livre economia de mercado, oferecendo segurança e defendendo eleições livres, honestas e universais e a constante alternância político-partidária nos governos, combatendo o autoritarismo de governantes que possam vir a conduzir as instituições ao esfacelamento. A todos esses itens descritos, some-se uma ênfase de Veja aos direitos e liberdades individuais, os quais ela não detalha. O enfoque de Veja visou muito mais criticar o presidente Hugo Chávez. Ela usou esse recurso, mostrando aquilo que não era democracia para reforçar seu ponto de vista liberal-democrático. Apesar de enaltecer os projetos chavistas, Carta não se absteve de tecer críticas às tendências antidemocráticas e autoritárias do venezuelano, na última edição pesquisada, em decorrência da

aprovação de leis que lhe concederam plenos poderes acima do legislativo e do judiciário. O enunciador de Carta entende a democracia como o direito a seguir qualquer vertente política ou filosófica, menos, é claro, o autoritarismo, o fascismo. O Quadro 2, abaixo, resume os modos como as medias descreveram a figura do presidente Chávez. Para a maioria das mídias, Chávez era a expressão da antidemocracia e do autoritarismo.

Mídias impressas Como Chávez foi construído

Folha de S.Paulo Antidemocrático, utopista, comunista

O Estado de S. Paulo Autoritário, golpista

Veja Antidemocrático, autoritário, mal-intencionado

Carta Capital Modelo de liderança política

Quadro 2

Não obstante as particularidades de cada veículo de mídia analisado, todos convocam o leitor por meio da palavra de ordem “democracia”, que totaliza o discurso das mídias brasileiras quando se trata de agendar em seus enunciados as narrativas a respeito das figuras – autoritário, antidemocrático, referencial de liderança – do presidente venezuelano. As críticas ao governo de Chávez mostram a intolerância das mídias para com qualquer tentativa de ações contrárias à compreensão que eles têm de democracia e ao que julgam ser um modelo ideal para os países hispânicos e o Brasil. A tradição liberal, que busca a garantia das leis, da propriedade e das liberdades também se encontra em todo o corpus pesquisado. Folha, Estadão e Veja acusaram Chávez de desrespeitar os direitos individuais, amordaçando o parlamento, confiscando empresas e fazendas, e perseguindo opositores ao regime. Carta enalteceu as obras sociais de Chávez, mas também se preocupou quando o presidente não reconheceu a vontade da maioria dos eleitores, desejosos de substituir os parlamentares da Assembleia Nacional, o que faz eco a Norberto Bobbio (1988, p. 60), que critica a desconsideração dos Estados pelos interesses coletivos.

O objeto é enquadrado pela saliência dos atributos. Ao se tornar visível, o enquadramento chama a atenção “para as perspectivas dominantes destas imagens que não apenas sugerem o que é relevante e irrelevante”, mas pode “estruturar e organizar o pensamento” (McCombs, Op. Cit., p. 140). Trata-se da ferramenta modalizadora das palavras de ordem e seus pontos nodais. É pela palavra de ordem que a mídia sutura o

ponto nodal e “que certa totalização imaginária se configura e se mostra como uma verdade discursiva que explica parte do real” (Prado, 2011). No ponto nodal se totalizaram os discursos enaltecendo a democracia e depreciando o chavismo, em acordo com cada interpretação midiática. Tais diferenças determinam a alteridade crítica, na qual se configura o Outro, amigo distante, adversário ou inimigo. Apenas

Carta conferiu a Chávez atributos positivos ou, pelo menos, moderados. São moderados porque, em certas edições, não existe um posicionamento definido em prol de Chávez.

Carta não disse que Chávez era apenas um referencial, mas que poderia se tornar modelo para o Brasil. Tudo dependia do sucesso dos projetos em andamento na ocasião.

Veja, Folha e Estadão tiveram em comum o combate à legitimação de Chávez no poder, considerado “protótipo do comunismo” e a necessidade de enaltecer a democracia como “bandeira ideológica” (Quadro 3).

Variáveis Veja Carta Capital Folha de

S.Paulo

O Estado de S. Paulo

Atributos Depreciativos Moderados ou

positivos Depreciativos Depreciativos

Palavras de ordem Combater a legitimação do domínio de Chávez e enfatizar a valorização da democracia

Chávez pode ser modelo para o Brasil Bandeira ideológica da democracia e combate ao comunismo chavista Desqualificar as ações de Chávez, exaltando a democracia Estilo Populista e antidemocrático Atende às demandas e autoritário Populista, autoritário Populista, antidemocrático Medo Ameaça à democracia Subjetivo, indefinido Ameaça à democracia e às liberdades Projeto único de poder Quadro 3

Imaginemos três veículos impressos, cada um com seus interesses centrados nas políticas editoriais dos enunciadores, ou preocupados em impor suas particularidades. Ao primeiro, chamaremos Amarelo, o segundo é o Bege e o terceiro se apresenta como o Cinza. Enquanto o Amarelo ressalta a livre iniciativa econômica, o Bege destaca a

manutenção do sufrágio universal e o Cinza defende a irrestrita liberdade de expressão. O Amarelo concorda com uma economia livre da burocracia estatal e com menos