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Capítulo 1 – O enquadramento da mídia do estilo chavista de governar

1.1.1. Veja: Deslegitimando o chavismo

Em termos de uso do espaço informativo e interpretativo para impor sua condição de julgadora, Veja superou os demais impressos com seu rol de leviandades e ultrajes disparados contra Chávez. A respeito da interferência opinativa nos enunciados informativos e interpretativos, Resende e Ramalho (2006, p. 106) avaliam que os modos de representação dos atores sociais são indícios de partidarismos ideológicos. É difícil considerar um texto de Veja como reportagem ou notícia isentos. A constante interferência do enunciador transforma qualquer texto da revista em artigo, pois está eivado de opiniões. Em Veja, não somente os interlocutores produzem opinião, mas os próprios enunciadores também assumem essa condição de expressar suas convicções em textos que normalmente se caracterizariam apenas como notícias ou reportagens. Ao finalizar os textos, o enunciador se manifesta avaliando uma dada situação do sujeito- presidente, faz alguma previsão, compara o Outro-presidente e seu país ao presidente brasileiro e ao Brasil, instiga o leitor a uma tomada de posição ou emite um juízo de valor, inclusive empregando a primeira pessoa, do singular ou do plural, em um texto cuja praxe profissional requer o uso da terceira pessoa. Exemplos de expressões encontradas em diversas edições: “Somos todos cucarachas”; “Senhores, façam suas apostas”; “Só faltava essa. Com as finanças da América Latina no fio da navalha...”;

“Dois dos países mais pobres do hemisfério, que agora deverão canalizar parcelas bem maiores de seu escasso dinheiro para financiar essa guerra estúpida”; “O que resta, como consolo, é assistir à desgraça dos ricos e poderosos”.

Desde 2000, Veja cuidou de destroçar a figura do presidente Chávez. Não existiu meio-termo, tampouco espaço para interlocutores simpáticos à causa chavista. Chávez era o “clone de Fidel” (“O clone do totalitarismo”, 4/5/05) e uma irônica “versão tropical de Kadafi” (“Democracia, pero no mucho”, 17/5/00). Cogitado como o novo patrono dos povos terceiro-mundistas, “Chávez foi catalogado como a reencarnação de Fidel Castro” (Cavarozzi, 2010, p. 30). Em sua mais destacada fotografia, Chávez se encontrava com a faixa presidencial sobre um uniforme militar do tempo de Simón Bolívar e um cetro às mãos, figurativizando14 a pose de um monarca absolutista. A decisão de expor Chávez desse modo partiu do enunciador. O efeito de sentido dessa figura resultou de um contrato de veridicção, ou seja, o contrato comunicacional que apresenta essa construção de discurso – nesse caso, não-verbal – como verdadeira.

Em “O dono de tudo” (9/8/00), Chávez foi figurativizado como um imperador, pois seus adereços, tais como a faixa e o brasão presidenciais, o medalhão, o espadim e as luvas brancas, lembram outros líderes políticos autoritários usando indumentárias semelhantes (Figura 6). Todo esse conjunto constrói os sentidos do poder e exibicionismo, respeito e medo. De acordo com McCombs (2009, p. 144), “os atributos de um objeto funcionam como argumentos marcantes para sua saliência”, enquadrando-o tematicamente

e tornando-o visível. Pode-se dizer também que, pelo contrato comunicacional, o enunciador mapeia os valores a serem perseguidos pelo enunciatário, segundo o agendamento midiático. Prado (2009) afirma que a mídia faz o enunciatário saber para fazer e ser. O agendamento pressupõe a ação do enunciador em duas dimensões: realçando o objeto e realçando o atributo. Em primeiro lugar ele direciona a atenção do

14 Para Algirdas Greimas (“Da imperfeição”, 2002, p. 74), figuratividade “é a tela do parecer cuja virtude

consiste em entreabrir, em deixar entrever, graças ou por causa de sua imperfeição, como que uma possibilidade de além (do) sentido”.

enunciatário para um objeto realçado que receberá um status de valor, seja este promotor ou detrator, construído com polaridade positiva ou negativa. Em um segundo momento, o enunciador transmite esse destaque do objeto, tentando modalizar o enunciatário em relação ao que pensar, já que se torna uma tarefa difícil induzir a como

pensar.

O enunciador de Veja chamou de ‘raivosos’ os discursos de Chávez contra a globalização, o capitalismo e o empresariado. O presidente foi ressaltado negativamente, pois trazia como consequência dessa atitude de governo a fuga dos investidores internacionais. Com isso, o enunciatário foi modalizado a pensar que a culpa pela evasão de oito bilhões de dólares da economia venezuelana recairia sobre os ombros do temperamental Chávez. Diante da crise, o enunciador finalizou a narrativa ironizando a situação do país e “que, agora, retórica já não é suficiente”, escancarando a dúvida se “o presidente finalmente vai colocar a mão na massa para tirar a Venezuela do fundo do poço – ou se irá cavar mais fundo”. Para entendermos o que vem a ser essa “ironia” empregada pelo enunciador, recorremos a Fairclough (2008, pp. 152, 158-9). Ela é um princípio da “intertextualidade manifesta”, cuja dimensão amplia a compreensão da relação com o Outro, tornando-se um elemento significante para as análises de discurso. O enunciado irônico expressa atitude negativa, “seja ela de raiva, sarcasmo ou o que quer que seja”, observando “que o significado de um texto ecoado não é”, necessariamente, “o significado do produtor do texto”. Tanto se pode interpretar que Chávez cavou o poço para retirar o país da crise ou para cavar a sua própria sepultura política.

Além de expor o leitor à dúvida a respeito da capacidade administrativa de Chávez, Veja recordou que ele, “o coronel paraquedista”, liderou uma tentativa de golpe de estado contra Carlos Andrés Pérez, em 1992, e que, oito anos depois, “seu comportamento continua militarista e autoritário”. O saber da revista mostrou que tais atributos eram ruins para quem pretendia “negociar com a nova Assembleia Nacional”. Em um momento raro, o enunciador aparentemente elogia os trunfos do presidente como gestor que melhorou o superávit do orçamento fiscal e tinha na reserva dos cofres públicos bilhões do petróleo para aplicar nas políticas sociais. Os atributos reforçaram a palavra de ordem do enunciador de que Chávez objetivava “aumentar e legitimar seu domínio”. A pressuposição é outro princípio empregado por Fairclough (ibid, pp. 155- 6) para uma determinada proposição “estabelecida em uma parte do texto e então pressuposta na outra parte do mesmo”, o que reforça a modalização do saber do

enunciador. Veja apresentou aquilo que o governo pretendia realizar com os recursos advindos do petróleo ao afirmar que “algo está muito errado se mesmo num período de alta do produto a recessão bate às portas do país”, mas pressupondo que tudo isso atendia apenas o projeto obsessivo do presidente “em pavimentar o caminho para garantir sua permanência no poder até 2012”.

Para compreender de que maneira as palavras de ordem enunciadas pelas mídias convocam seus públicos, é preciso esclarecer como a cadeia significante funciona em posição de ponto nodal. Tal entendimento se revela necessário ao analisar nos textos noticiosos o que isso significa no processo de construção dos discursos referendados pelos enunciadores. Além dessas reflexões em torno do ponto nodal, pretende-se responder neste capítulo de que modo as visões midiáticas sobre a democracia, quando modalizadas pelas mídias impressas, compõem a agenda midiática.

Ao discutir as formas de abordagem do populismo e de construção do “povo” como pressuposto básico de suas características, Laclau (2010, pp. 91-161) explica que ponto nodal é o ponto de sutura, a partir do qual se estrutura um discurso, modelando o conjunto dos significantes ideologicamente predominantes, ou seja, fazendo com que a parcialidade assuma a condição de universalidade. Trata-se de um espaço vazio transposto em diversos sentidos, no qual se encarna uma totalização discursiva. Para que seja possível a esse ponto nodal suturar uma totalização, de acordo com Laclau (ibid, p. 214) “a força hegemônica deve apresentar sua própria particularidade como a encarnação de uma universalidade vazia que a transcende”.

Laclau (ibidem, pp. 134-5) menciona um caso citado por Slavoj Žižek que mostra a função do ponto nodal. Os avisos publicitários da Coca-Cola, “Coke, this is America”, não teriam o mesmo efeito se fossem enunciados como “America, this is Coke”. Para Žižek, apenas a Coca-Cola assume a posição de significante puro no qual se cristaliza a identidade norte-americana. Há centenas, talvez milhares de marcas de refrigerantes envazados nos Estados Unidos. Cada uma mantém sua parcialidade. Todavia, há uma dentre todas que se posiciona como significante hegemônico, representando a totalização discursiva de uma identidade resgatada do povo norte- americano. Os Estados Unidos não simbolizam a Coca-Cola, mas esta dá sentido ao significado de ser norte-americano. “Coca-Cola, isto é os EUA” é a palavra de ordem que funciona na posição de ponto nodal do discurso cultural, político e econômico dos Estados Unidos, é “o nome que se converte no fundamento da coisa”. Em nosso caso, é no ponto nodal que Veja suturou seu discurso com o intuito de totalizá-lo diante das

demais mídias, dando conta de que Chávez pretendia “aumentar e legitimar seu domínio”.

O enunciador indicou outro perigo para a estabilidade política no subcontinente ao denunciar que “Chávez não tem mesmo medido esforços para chegar lá” ao poder, mesmo utilizando da ferramenta democrática da eleição, a qual venceu com 60% dos votos. Contudo, para o enunciador de Veja, o estilo chavista contrariava o que ele entendia como democracia. Tal compreensão de Veja era o modo de o enunciador buscar a deslegitimação da ironizada “revolução bolivarista” que resgatava os ideais do libertador do país, Simón Bolívar (1789-1830). A revolução que promoveu aumento de salários e o enquadramento das oligarquias era considerada um discurso cuja pretensão visava o milagre populista. Laclau (Op. Cit., pp. 11, 32 e 35) inclui o populismo entre os “fenômenos políticos aberrantes”,15 “um modo de construir o político”, populismo este comumente rotulado pela mídia como qualquer movimento contrário ao entendimento que ela tenha das operações políticas e ideológicas. Assim, ao adular o cidadão com promessas de investimento em infraestrutura habitacional e acenar aos pequenos e médios empresários com a liberação de créditos, Chávez “traz dividendos eleitorais e sociais”. Isso foi percebido pelo enunciador como indício de uma maneira populista de governar. O estilo chavista, no entanto, foi reprovado por Veja, pois a economia se encontrava em “frangalhos, com retração de 7,2% no PIB”, “taxa de desemprego em 15%”, aumento da violência e corrupção, expondo o leitor à paixão do medo.

Com base em Laclau, podemos dizer que Chávez era populista. Não foi o fato de Chávez haver sido alçado à presidência pela via democrática, que suas ações e seu estilo de governar viriam a ser aceitos como parte de um regime democrático. Afinal, ele fez uso, desde o primeiro mandato, do autoritarismo para censurar a mídia que não o apoiava, perseguir o empresariado opositor, coagir o judiciário e gerir o Estado pressionando os deputados da Assembleia Nacional a elaborarem leis, sustentando-o à frente da Venezuela. Todavia, não há como negar os avanços sociais, inexistentes nos governos anteriores. O enunciador de Veja não reconheceu as mudanças que ocorreram no sistema eleitoral e as demandas que foram atendidas nas áreas da saúde e educação.

15 Entende-se o termo aberrante, neste caso, como aquilo que se desviou do ciclo normal e não como uma

anomalia monstruosa ou deformação. Aqui, o populismo é considerado como outra via, uma opção política.

Desse modo, da Venezuela chavista emergem características democrático-autoritárias, e o autoritarismo provoca o medo nos enunciadores midiáticos de maneira geral.

O medo da figura de Chávez se depreendeu dos inúmeros enunciados. Um deles alertava para o perigo de aceitá-lo, “pois o coronel representa o repúdio à democracia, que tanto custou aos brasileiros” (Veja, “O encanto do coronel”, 9/2/05). Ao encerrar o texto, o enunciador, interpretando a metáfora bíblica do milagre dos pães e peixes, opinou, de modo irônico, que “Chávez gosta tanto de pobres que seu governo cuidou de multiplicá-los na Venezuela”. Ao vaticinar o naufrágio da democracia venezuelana,

Veja (“Tarja vermelha”, 3/2/10) pela primeira e única vez “engrandeceu”, usando outra

vez de ironia, o projeto de Chávez: “A destruição da Venezuela é um projeto que tem consumido todas as energias de Hugo Chávez e seu plano de poder nacional-populista. Reconheça-se que, infelizmente, ele tem sido bem-sucedido.” O enunciador qualificou ironicamente o projeto chavista como de êxito completo ao minar e praticamente extinguir a liberdade de imprensa, deteriorando as instituições democráticas. Em momento algum Veja relatou ao leitor quem fazia parte da oposição nem as razões das cassações das redes televisivas. Carta detalhou essas questões e, ao descrever as demandas atendidas pelo governo, o enunciador dilatou sua compreensão de democracia. Em “Chávez contra Chávez” (Veja, 27/2/10) e “Ofensiva bolivariana” (23/6), o enunciador revelou os opositores do regime chavista: “a mídia e o setor privado”, “banqueiros e empresários”, inclusive antigos aliados, descontentes com a perda de privilégios.

Antes de aprofundar o tema da passionalização do medo, será importante discutir o que são as paixões e como elas aparecem na mídia. Luiz Mello (2005, p. 49) entende as paixões como “estados de alma” resultantes da tentativa de relação entre sujeitos e objetos-valores. Ao entrar em conexão, as paixões geram “conflitos”, “situações de cumplicidade”, “de benevolência”, entre outras. A tentativa de conjunção entre o sujeito-mídia e os presidentes, entre o Mesmo-mídia e o Outro-governo, configura os percursos que retratam a possibilidade da expectativa e a sensatez da prudência; a convicção pela confiança e pela segurança; a aproximação pela simpatia, afeto, fascínio e aceitação; ou o distanciamento pelo medo e pela rejeição. Todorov (2010, p. 12) define a paixão como a “atitude social dominante” que impregna “tanto as decisões governamentais quantos as reações dos indivíduos”. Transportando esse conceito para o universo midiático, pode-se afirmar que as paixões na mídia são

expressas pelo discurso nos enunciados e repassam uma ideologia de um saber, um querer para um fazer.

Ao construir nas narrativas a discordância com as ações do Outro-presidente, o enunciador busca, junto ao enunciatário, advogar uma visão específica de democracia. Sua ideologia se encarna no saber que ele transmite ao enunciatário. O enunciado narrativiza uma figura do Outro-presidente de forma passionalizada em torno do medo. É preciso temer os presidentes autoritários que ameaçam a “liberdade”. Steinberger (2005, p. 57) afirma que “o medo é, de início, o principal produto da indústria cultural”. Como a mídia faz parte da indústria cultural, o medo se impregna na ideologia que confirma os discursos. No caso da Venezuela, o enunciador fez o leitor crer que o chavismo se relaciona ao autoritarismo e a atitudes antidemocráticas.

Diana Barros (2007, p. 18) propõe o exame do percurso passional em dois níveis: aquele que relaciona o enunciador e o leitor, e aquele que ocorre entre os sujeitos envolvidos na narrativa jornalística, modalizados nos enunciados. A modalização dos percursos passionais verificados nos discursos midiáticos, de acordo com Barros (1994, p. 46), “produz efeitos de sentido”: o poder, o saber, o querer e o dever, enquanto dispositivos modais do ser e do fazer, reforçam o imaginário do sujeito-enunciatário ao caracterizar passionalmente o Outro. Ao construir os discursos relativos à violência que atinge a classe média, Veja associa a criminalidade urbana à pobreza na periferia (“Cicatriz da alma”, 25/7/12). O seguinte trecho desta reportagem destaca a posição do enunciador: “O assassinato é um delito relacionado à pobreza não porque a miséria leve ao crime, mas porque, nos locais onde a pobreza impera – e o poder público está ausente ou desorganizado –, costuma-se instalar uma cultura que os especialistas chamam de ‘resolução violenta dos conflitos’.” Ou seja, para o enunciador há uma relação entre a periferia das favelas e a insegurança, a violência. Expressões como “famílias desestruturadas”, “jovens menos educados”, “jovens com menos opções de lazer” e “jovens com mais acesso a drogas e álcool” caracterizam o Outro como o diferente do idealizado no imaginário midiático. Em momento algum, o enunciador de Veja afirma que a classe média apresenta semelhantes problemas de desestruturação familiar e acesso a entorpecentes e bebidas alcoólicas. Ele também não explica quais são as formas de lazer da periferia que contrastam com as da classe média. Desse modo, o enunciador constrói a alteridade das diferenças que segregam periferia pobre da classe média.

As paixões são definidas por Barros (Op. Cit., p. 47) como “efeitos de sentido de qualificações modais que modificam o sujeito de estado”. Essas mudanças podem saltar de estados de tensão e disforia para os de relaxamento e euforia. As paixões se organizam em universos axiomáticos negativos ou positivos, construídas como modelos para aceitar e imitar ou rejeitar e criticar, prescrevendo os fazeres persuasivo, do enunciador, e interpretativo, do enunciatário (Piris, 2010, p. 1). Para o enunciador de

Veja a vitória de Chávez com 60% dos votos do eleitorado referendou o “projeto político de longuíssimo prazo”, fato contrário ao modelo democrático e que deveria induzir o enunciatário ao medo desse estilo de governar. O enunciador modalizou expressões que asseguravam o projeto de perpetuação de Chávez no poder e incitavam o medo: “Chávez preocupou-se obsessivamente em pavimentar o caminho para garantir sua permanência no poder até 2012”; “Convocou dois plebiscitos e duas eleições, sempre com o objetivo de aumentar e legitimar seu domínio”; “Os partidos governistas conseguiram formar a maioria na casa, mas não chegaram aos sonhados dois terços, soma que permitiria a Chávez governar sem a necessidade de se sentar à mesa com a oposição”. Se Chávez desafiava a alternância democrática, sua permanência na presidência venezuelana se tornava um risco, pois estimularia a outros governantes vizinhos a desejarem a prorrogação no poder.

O que determinou a alteridade foi o modo como Veja construiu a narrativa. O enunciado parecia mais um artigo do que uma reportagem. O artigo é opinativo porque os pontos de vista do enunciador se reproduzem ao longo do texto. A reportagem necessita do emprego das falas dos interlocutores, ou fontes consultadas, sejam elas indivíduos ou documentos. Veja apresentou apenas um interlocutor favorável a Chávez, Antonio Herrera, vice-presidente da Câmara Americana de Comércio da Venezuela, que concordou em apertar a mão estendida pelo presidente venezuelano. Todavia, o enunciador modalizou seu saber, pressupondo que, apesar do “aceno, Chávez está muito longe de conquistar o empresariado, seu principal, mas não único, desafeto”. Nesta mesma edição, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi capa de Veja, na qual se narra a crise institucional mesclada aos tremores da economia mundial que tinham atravessado a fronteira brasileira. O enunciador tratou as medidas e ações do governo brasileiro como “positivas”, o que não ocorreu em relação a Chávez. Para o enunciador, no Brasil, o abalo econômico teve origem externa e a crise política foi obra das operações da oposição. Por outro lado, Veja considerou que os problemas da Venezuela decorreram da política bolivariana de Chávez.

Um box anexo à página sobre Chávez expunha a foto de uma paramilitar mercenária convocando os colombianos ao combate contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Tratava-se de uma propaganda de fazendeiros colombianos tentando solucionar o problema da violência no país contra a guerrilha de esquerda. A arma da garota-propaganda estava apontada contra o

venezuelano Chávez, acima, em outra foto (Figura 7). Esse conjunto gráfico das duas páginas casadas figurativizava a sanção determinada pelo enunciador para Chávez: sua eliminação.

Outras caracterizações semelhantes às descritas da reportagem anterior estão no texto “Democracia não é com ele” (6/10/2010) (Figura 8). Afirmando que Chávez não simpatizava com a democracia, o enunciador citou diversas expressões que validavam a palavra de ordem em prol do liberalismo16 democrático: “Chávez reage da mesma maneira”, ou seja, ele se recusou a reconhecer a vitória da oposição; “ele (Chávez) deu peso desproporcional aos votos”, isto é, o presidente modificou as regras eleitorais, determinando que os votos para seu partido tivessem peso superior aos concedidos a quaisquer opositores; “nem que para isso seja necessário comprar o juiz, mudar as regras e bater nos adversários”, “métodos como esses [...] são invejados por radicais brasileiros”.

16Segundo Norberto Bobbio (“Liberalismo e democracia”, 1988, p. 7), enquanto o liberalismo é uma

“concepção de Estado, na qual o Estado tem poderes e funções limitadas”, democracia é “uma das várias formas de governo, em particular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de todos, ou melhor, da maior parte”. De acordo com Paulo Bonavides (“Do Estado liberal ao Estado social”, 2001, p. 43), nos últimos dois séculos, às propostas do liberalismo, seguiu-se a emergência da democracia, “do governo de uma classe, ao governo de todas as classes”. Verificando a expansão do