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3. O ESTADO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

3.1 O ESTADO

Com o intuito de abreviar a longa discussão que poderia ser empreendida sobre este tópico, serão apreciadas somente as principais teorias do Estado moderno, separadas a partir da definição enciclopédica fornecida por Norberto Bobbio. Segundo este autor184, o conceito de governo está associado à idéia de Estado, que

atua através dos órgãos que compõem o governo para, através do seu poder, tutelar os interesses públicos da sociedade. Logo, como será esclarecido adiante, falar de Estado é falar de poder, e o poder político pode ser assim definido:

Na hipótese hobbesiana que serve de fundamento à teoria moderna do Estado, a passagem do Estado de natureza ao Estado civil, ou da anarhcía à archía, do Estado apolítico ao Estado político, ocorre quando os indivíduos renunciam ao direito de usar cada um a própria força, que os tornava iguais no estado de natureza, para confiar a uma única pessoa, ou a um único corpo, que doravante será o único autorizado a usar a força contra eles. Esta hipótese abstrata adquire profundidade histórica na teoria do Estado de Marx e de Engels, segundo a qual, numa sociedade dividida em classes antagônicas, as instituições políticas têm a função primordial de permitir à classe dominante manter seu domínio, alvo que não pode ser alcançado, por via do antagonismo de classes, senão mediante a organização sistemática e eficaz do monopólio da força; é por isso que cada Estado é, e não pode deixar de ser, uma ditadura. Nesse sentido tornou-se já clássica a definição de Max Weber: “Por Estado se há de entender uma empresa institucional de caráter político onde o aparelho administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a pretensão do monopólio da legítima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis” (I, 53). Essa definição tornou-se quase um lugar-comum da ciência política contemporânea. 185

Esta colocação enciclopédica sobre o Estado moderno, abarca diferentes explicações: como reflexo da dominação de uma classe sobre outra; como um consentimento dos governados em relação aos governantes; e como resultado da cessão do poder individual ao poder coletivo do Estado, através de um pacto social. Contudo, todas desembocam na identificação do Estado como um ente apartado da sociedade, com maior ou menor distanciamento desta, de acordo com uma ou outra explicação. Para o que se propõe estudar, a possibilidade do Estado ser agente das transformações, é preciso verificar qual dessas variações se alinha à necessidade de mudança.

Em oposição à abordagem contratualista tem-se a visão materialista, de Engels186, o Estado visto como expressão não de um acordo de vontades, mas como poder instituído para legitimar o interesse da classe dominante, para exercer a dominação de forma impessoal e mais eficiente. Ao mesmo tempo, o Estado moderno vai assumindo papéis mais complexos, até atingir determinada independência em relação a esse conflito de classes, coincidente com o momento em que há um equilíbrio de forças. Esta parcial independência não desfaz, nem desqualifica sua gênese de espelho dos interesses da classe economicamente dominante, daí a necessidade de considerar esse aspecto histórico subjacente à atuação do Estado.

185 BOBBIO, N. Dicionário de Política, p. 956.

186 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 190 et seq.

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Outro aspecto sobre a origem do Estado, mais especificamente sobre o caso brasileiro, que leva em conta o patrimonialismo presente em sua história, é expresso por Sérgio Buarque de Holanda:

O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição.187

Sobre esse vínculo do Estado com a classe dominante, como instrumento de dominação ou como expressão de seus interesses, tanto nas sociedades democráticas quanto nas ditatoriais, Miliband apresenta a questão de verificar se esta relação é verdadeira, se há de fato uma classe economicamente dominante, de que forma ela se efetiva e se há controle político além do econômico.

Em seu estudo188, ao investigar as sociedades capitalistas avançadas, como EUA, França, Japão, Alemanha e outras, levando em conta os argumentos que a administração dos bens não é feita diretamente por seus proprietários, que há uma nova classe de administradores profissionais e outros argumentos do pluralismo democrático, acaba por verificar que

pode-se afirmar com segurança que existe realmente uma pluralidade de elites econômicas nas sociedades capitalistas avançadas e que, apesar das tendências à integração do capitalismo avançado, tais elites constituem grupos e interesses distintos, cuja competição afeta consideravelmente o processo político. Esse “pluralismo de elites” não impede, porém, as distintas elites da sociedade capitalista de constituir uma classe econômica dominante, caracterizada por um elevado grau de coesão e solidariedade, com interesses e objetivos comuns que transcendem bastante suas diferenças específicas e suas discordâncias.189

Seguindo na análise sobre o Estado, Miliband190 investiga qual o objetivo e o papel dos governos. Esclarece sobre a confusão que se costuma apresentar entre Estado e governo, e que este, formalmente investido, não necessariamente controla o poder

187 HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil, p. 141.

188 MILIBAND, Ralph. O Estado na Sociedade Capitalista. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. p. 36 et

seq.

189 Ibid., p. 66. 190 Ibid., p. 88 et seq.

estatal, podendo servir de simples fachada para um controle externo. A análise passa pelos períodos de crises governamentais, pelos exemplos dos Estados fascista e nazista, pela política externa dos EUA, mostrando que o interesse que sobressai, nos mais variados contextos, acaba sendo o da manutenção do capitalismo, da iniciativa privada, dos proprietários, pois os governos, em geral, atuam no sentido de assegurar os interesses empresariais. Mesmo os governos inicialmente socialistas, acabam por sucumbir à estrutura de interesses da classe dominante.

De acordo com o raciocínio de Ralph Miliband191, confirma-se o quadro de dominação exercido pela elite dirigente em relação ao restante da sociedade, mais diretamente sobre o trabalhador. Mas é preciso verificar como se legitima tal dominação em uma “democracia-pluralista”, com a aquiescência das classes subordinadas e intermediárias, “que devem ser persuadidas a aceitar a ordem social existente e a restringir suas reivindicações e aspirações aos seus limites”. O autor aponta vários fatores de legitimação da dominação, que dão molde a uma hegemonia que transcende o poder econômico e social, destacando dentre eles: o poder direto dos patrões frente aos empregados, explícito ou por influência; a organização partidária que, se não exclui a oposição, a delimita ; a propaganda, não só política, mas também a publicitária, que traz subjacente, ao lado da mensagem de consumo da mercadoria, o consumo de uma ideologia; a comunicação de massa, realizada pela mídia comprometida com a manutenção da ordem, marcadamente conservadora, sob posse da iniciativa privada em parceria com o Estado, quando este não a controla diretamente; a educação em todos os níveis, omissa ou restrita, mas sempre destinada a manter a ordem existente; e a passividade do operário, resultante de anos de dominação. Estes são os tópicos abordados por Miliband como instrumentos de legitimação da dominação, que agem interligados conforme o interesse da elite econômica.

Entretanto, o próprio Miliband reconhece, que afora as exceções ocasionais, a dominação de classe nas sociedades capitalistas

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tem sido compatível com uma ampla gama de liberdades civis e políticas e o exercício destas ajudou, sem dúvida, a mitigar a forma e o conteúdo da dominação de classe em muitas áreas da sociedade civil. O agente principal dessa mitigação tem sido o Estado, o que ajuda a explicar por que ele foi capaz de apresentar-se e por que tem sido amplamente aceito, como servidor da sociedade. De fato, essa função mitigadora não elimina a dominação de classe e até mesmo serve, em certo preço, para garanti-la. Mas isso não diminui a sua importância para as classes subordinadas.192

Esta conclusão aponta o movimento de reforma do capitalismo, pois a alternativa do outro mecanismo de manutenção do sistema, a repressão, tem se mostrado obsoleto, com resultados, algumas vezes, de reforço da oposição ao sistema. Ou seja, a necessidade de reformas cada vez mais freqüentes, vem demonstrar a inadequação do capitalismo para a sociedade, não mais se mostrando apto a esconder a contradição entre o que promete e o que efetivamente gera, indicando a necessidade de uma superação. É justamente sobre esta necessidade que os instrumentos de legitimação atuam.

E, no entanto, elas não podem obscurecer a discrepância que existe entre promessa e perfomance. Não podem obscurecer o fato de que, embora se trate de sociedades ricas, continuam a existir dentro delas vastas áreas de amarga pobreza; que as provisões coletivas que fazem para a saúde, o bem-estar, a educação, habitação, o meio social, não correspondem à necessidade; que o ethos igualitário que elas são impelidas a proclamar é desmentido pelos privilégios e as desigualdades que contém; que a estrutura de suas “relações industriais” continua a ser a de dominação e sujeição e que o sistema político de que eles se vangloriam constitui uma versão corrupta e mutilada de uma ordem verdadeiramente democrática.193

A visão marxista de Miliband, malgrado apresentar dados contundentes sobre a realidade social, e de grande importância para a apreensão da história do desenvolvimento capitalista, não se mostra suficiente para explicar os desdobramentos ocorridos no período mais recente . Tampouco oferece novas informações para a possibilidade de uma transformação social, a considerar que o vínculo das idéias dominantes com a classe dominante tornou-se lugar comum, de acordo com Douglas Rae, cuja obra foi analisada no primeiro capítulo.

192 MILIBAND, R. O Estado na Sociedade Capitalista. p. 322. 193 Ibid., p. 326.

Sob a leitura de Gianfranco Poggi194, é reconhecida a gênese do Estado na institucionalização do poder político – em última instância representando o poder da força física, coerção e violência. O autor aponta a natureza do Estado moderno a partir dos elementos que o definem: organização do poder político de acordo com um conjunto de interesses e propósitos; secularização e separação entre Estado e sociedade civil; controle coercitivo da população; soberania, o controle dos recursos não é dividido com nenhuma outra entidade; territorialidade, até onde se estende esse controle, tanto geograficamente como pelo direito; centralização do poder. Essas são as características do Estado moderno, cujo adjetivo pode ser considerado um pleonasmo, uma vez que não as encontramos em nenhuma outra entidade política a não ser no próprio Estado da fase moderna da história da Europa. Entretanto, Poggi constata que o Estado contemporâneo se distingue de suas características iniciais, enfatizando o crescimento e a diversificação da atuação estatal, assumindo importantes papéis na economia e na sociedade, mesmo nas democracias liberais. Aliás, o autor mostra uma evolução195 da institucionalização do

poder político na figura do Estado, através da busca de soluções para o problema da racionalidade de suas atividades, em quatro passos sucessivos e substitutivos, considerando a insuficiência do passo anterior: primariamente, associado à época absolutista, o direito surge como principal expressão da soberania e da racionalidade, contudo esta configuração veio a mostrar-se suscetível a pressões particulares, não fazendo valer a postulada validade universal; em seguida, vários corpos sociais disputando uma eleição mostrou-se o meio mais racional, mas gerou uma cidadania restrita e privilegiou o grupo dominante, com agências manipulando a opinião pública; posteriormente, viu-se na democratização da participação e na necessidade de avaliar a capacidade do Estado em responder às múltiplas demandas sociais a melhor forma de exercício da atividade estatal, cujo ponto fraco é justamente o mesmo que o apontado para o welfare state, a multiplicidade de interesses e a escassez de recursos para atender a todos, dificultando a implantação de uma política pública coerente; a quarta etapa representa um retorno ao Iluminismo, a tecnocracia das ciências sociais determina nte do processo político, o que deixa de lado o grande público e pode acobertar preferências controversas.

194 POGGI, Gianfranco. The State – Its nature, development and prospects. Stanford, California: Stanford University Press, 1990. p. 3 et seq.

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Gianfranco Poggi conclui pela superação dos problemas indicados, em mais uma tentativa na conformação do Estado, sem rejeitar a necessidade dessa instituição, preferindo, ao contrário, “enfatizar a reativação da esfera pública, o encorajamento do debate aberto sobre os objetivos públicos, incentiva ndo a consciência, o envolvimento e a articulação dos cidadãos”196, afinal o Estado:

As to political power itself, it is among other things a vital social resource, which needs to be better employed, not disposed of – not that it could be, anyway. One necessary (though not sufficient) condition of its political processes, concerned with deciding the rightful goals and the proper modalities of public existence.197

Pode-se verificar, mesmo diante da assunção da origem do Estado vinculado à forma jurídica burguesa198, a dificuldade em descartar sua atuação institucional, sendo mais apropriado redefinir seus objetivos dentro de regras democráticas, que contemplem a complexidade das relações sociais, que reconheça o conflito de classes e busque maior equilíbrio no lugar da dominação. O problema é desbancar a ideologia liberal burguesa do papel dominante, sem que a oposição assuma esse posto, o que – como foi visto no primeiro capítulo, quando observado que a substituição de um grupo por outro não gera igualdade –, implica superar o embate entre direita e esquerda. Sobre essa necessidade é interessante observar o estudo de Adam Przeworski.

O artigo199 de Przeworski objetiva comparar as abordagens do marxismo e da teoria

da escolha racional sobre as ciências sociais. Inicialmente, adverte que aquelas diferenças anteriormente existentes já não podem ser claramente estabelecidas na atualidade, como a do comportamento individual ser reflexo da posição de classe para o marxismo, enquanto os burgueses consideravam-no uma ação racional. Vale lembrar que Przeworski trata como sinônimos os termos “abordagem da escolha racional”, “individualismo metodológico” e “economia neoclássica”.

196 POGGI, G. The State – Its nature, development and prospects, p. 194. 197 Ibid., p. 196.

198 PACHUKANIS, Eugeny Bronislanovich. A Teoria Geral do Direito e o Marxismo. Rio de Janeiro: Renovar, 1989.

199 PRZEWORSKI, Adam. Marxismo e Escolha Racional. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo: ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, n. 6, vol. 3: p. 5-25, fev. 1988. p. 5-6.

O autor divide sua análise em quatro tópicos, resumindo os pontos falhos de cada teoria, como segue.

Teoria da Ação

A grande crítica do individualismo metodológico recai na necessidade de separar as afirmações sobre indivíduos e coletividade. O desafio é “explicar a história em termos de ações de indivíduos racionais e voltados para a realização de objetivos”200.

As objeções marxistas ao individualismo metodológico enquadram-se em três categorias básicas:

As preferências não são universais nem estáveis, mas contingentes a condições, portanto, alteram-se historicamente; o interesse próprio é uma caracterização inadequada das preferências, pelo menos para algumas pessoas; e sob determinadas condições a ação “racional” não é possível, mesmo que os indivíduos sejam “racionais”.201

Sobre a primeira objeção, Adam Przeworski lembra que “a crença de que as preferências se formam historicamente e a de que pessoas agem racionalmente com base nas preferências que têm não são contraditórias”202. A segunda objeção acaba por fortalecer a metodologia do individualismo metodológico, considerando que descarta todas as complicações que impedem respostas a questões centrais, pois o pressuposto do interesse pessoal é mais facilmente rejeitável do que substituível203.

A terceira objeção também não contradiz que ações individualmente racionais sejam possíveis204.

200 PRZEWORSKI, A. Marxismo e Escolha Racional, p. 8. 201 Ibid., p. 8.

202 Ibid., p. 10. 203 Ibid., p. 11. 204 Ibid., p. 13.

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Atores coletivos

Se por um lado a marcha da classe trabalhadora através da história soa ingênua, por outro a idéia de que a sociedade é uma coleção de indivíduos não diferenciados e não relacionados se mostra implausível.205

O conflito de classes

Partindo da idéia de Gramsci, da sociedade como um todo dependente do capital, o que possibilita a hegemonia da burguesia, Przeworski a chama de “dependência estrutural perante o capital”. Este autor entende que não há sempre duas classes prontas e acabadas em conflito, mas várias classes com interesses contrários cujas condições materiais estão sob a contingência das decisões tomadas privadamente pelos proprietários da riqueza206. Entretanto, considerada a validade da concepção marxista do jogo de soma zero (um perde para outro ganhar) entre capitalistas e trabalhadores numa visão estática, dinamicamente os trabalhadores podem firmar compromissos com os capitalistas, os primeiros concordando com o lucro, e portanto com a propriedade privada, e os segundos investindo e consentindo no regime democrático, ambos elevando seus ganhos com o tempo, fundados em um modelo da escolha racional. Considerados o dilema do prisioneiro, o problema do carona e o

custo da transição, mesmo sendo o socialismo teoricamente melhor para a classe

trabalhadora, esta preferiria a contenção salarial para a continuidade do investimento capitalista.207

Para resumir, até mesmo os autores que se mostram céticos em relação ao ponto de partida individualista estão de acordo em que é na análise do conflito de classes que a força da perspectiva da escolha racional se torna mais evidente.208

205 PRZEWORSKI, A. Marxismo e Escolha Racional, p. 13-16. 206 Ibid., p. 16-17.

207 Ibid., p. 17-18. 208 Ibid., p. 19.

A análise do equilíbrio

Przeworski reconhece o uso do cálculo estratégico, a teoria dos jogos, como uma teoria formal do conflito. Observa que tanto o marxismo como a economia neoclássica têm como objeto de análise o modelo de economia competitiva, sendo nesta o equilíbrio que buscam. Entretanto, as duas correntes utilizam modelos de monopólio e de duopólio, situação em que “o instrumento técnico da teoria dos jogos é quase inutilizável para todas as situações que envolvam menos que muitos, mas sempre mais que dois atores”209.

O que é evidente é que as análises formais que se apóiam na teoria dos jogos permanecerão não convincentes enquanto os conceitos de equilíbrio que empregam não forem descritivos de condições históricas específicas. Suspeito, assim, que o individualismo metodológico irá obrigar a que nos tornemos mais cautelosos e mais explícitos ao analisar situações estratégicas, sobretudo as alianças de classe e aparelhos de estado.210

Sobre o desafio específico apresentado ao marxismo pela abordagem da escolha racional, Adam Przeworski destaca:

Ver quem pode aprender o que de quem. Boa parte da discussão é inconclusiva, mas uma questão geral emerge: a crítica do marxismo feita pelo individualismo metodológico é irrefutável e salutar, mas os pressupostos ontológicos da abordagem da escolha racional – especificamente o pressuposto de “indivíduos” não diferenciados, imutáveis e dissociados – são insustentáveis. Assim, ao passo que qualquer teoria da história precisa de microfundamentos, a teoria da ação individual tem que conter mais informação contextual do que admite o atual paradigma da escolha racional.211

O que se busca enfatizar é a insuficiência de uma ou de outra teoria para explicar a atual complexidade das relações sociais, sugerindo a necessidade de buscar novas alternativas para a compreensão dos problemas que se apresentam. Por fim, qualquer que seja a via a se formar, tem o Estado, como confirmado também por este autor, papel estratégico numa economia capitalista.

209 PRZEWORSKI, A. Marxismo e Escolha Racional, p. 20. 210 Ibid., p. 21.

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A presente discussão vem apontando para a importância da atuação estatal. Contudo, em determinado momento da produção científica, apresenta -se a dúvida: a argumentação é fruto da crença em determinado ponto de vista ou resultado de uma análise teórica menos parcial, fundado no convencimento lógico, conforme a premissa alvo da diminuição da desigualdade, mesmo levando em conta que, em todo caso, está subjacente a convicção pessoal do autor. Para sanar esta dúvida, faz-se necessário perscrutar mais profundamente as indagações apresentadas. Com essa finalidade é pertinente adentrar no tema políticas públicas, buscando avaliar o Estado em sua atuação, observando os exemplos históricos dos resultados alcançados pelos diversos Estados, conduzidos pelo caminho liberal ou pelo caminho da regulação, da maior intervenção estatal, ambos capitalistas.

Resta saber se no caso do Estado brasileiro, historicamente comprometido com os interesses da elite dominante, moldado sob um capitalismo dependente, é possível, sob uma evolução movida pela pressão dos diversos grupos sociais, romper com esse compromisso e transformar a atuação estatal para que repercuta positivamente no interesse da maioria da população. Parte-se da premissa da afirmação dessa