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4. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

4.2 RESULTADOS DO PROGRAMA

Segundo o MDS o Programa Bolsa Família339 atende 11,1 milhões de famílias residentes em todos os municípios brasileiros, apresentando importantes resultados a despeito de seu pouco tempo de existência, destacando: que efetivamente chega às famílias que dele necessitam e atendem aos critérios da lei; contribui de forma significativa para a redução da extrema pobreza e da desigualdade; e contribui para a melhoria da situação alimentar e nutricional das famílias atendidas.

São informações importantes, que devem ser confrontadas com outras fontes. De acordo com o estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)340, baseado na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) –

pesquisa criada em 1967, que passou a ser realizada anualmente em 1971 – a desigualdade no período de 2001 a 2004 caiu, por ano, uma média de 0,7 ponto percentual do índice Gi ni (indicador explicado no capítulo 2). O estudo aponta que um terço dessa queda se deve ao Bolsa Família, sendo que os outros dois terços são atribuídos à melhoria do mercado de trabalho.

Na avaliação do pesquisador Sergei Soares341, especialista em educação do IPEA,

isso representa uma queda expressiva. Ele afirma que essa queda é significativa e assinala que os 30% mais ricos da população brasileira perderam renda, ao passo que os 20% mais pobres da mesma população ganharam renda a uma taxa de quase 7% ao ano nesse período de 2001 a 2004.

Esses dados são indicativos que não há como isolar o Programa de outras iniciativas públicas e privadas. Se o Bolsa Família contribuiu com um terço para a queda na desigualdade no período pesquisado, o mercado de trabalho acabou sendo

339 MDS Brasil. Brasília: Governo Brasileiro. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/ o_programa_bolsa_familia/principais-resultados>. Acesso em: 21 mai. 2007.

340 HASHIZUME, Maurício. Placar Positivo. Revista Desafios do Desenvolvimento. Brasília, Ano 3, n. 18: p. 30-34, 2006. p. 31.

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responsável pelo outros dois terços. Entretanto, vale notar que o custo para o investimento do Programa Bolsa Família pode ser considerado baixo para o resultado que está alcançando, principalmente se considerado os cinco milhões de pessoas que saíram da condição de extrema pobreza, conforme destaca Ricardo Paes de Barros342, outro pesquisador do IPEA, que também ressalta que essa desigualdade medida é a de renda entre famílias. Esse destaque serve para mostrar o alcance do Programa, que a partir de um baixo investimento obteve um resultado expressivo, a considerar que o Bolsa Família, segundo o mesmo pesquisador, consome em torno de 0,2% a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e, como apontado anteriormente, contribuiu com um terço para a queda na desigualdade ocorrida entre 2001 e 2004.

É interessante observar que o IPEA, em nota343 de julho de 2006, sobre o estudo do

período citado, apontou que houve um crescimento de 5% na renda dos 20% mais pobres da população, ao passo que houve uma diminuição de 1% na renda dos 20% mais ricos. O IPEA entende que a PNAD é um dos retratos mais fiéis das condições de vida da população brasileira, apesar de verificado no segundo capítulo, que também é possível a utilização do índice de exclusão social como indicador sobre a desigualdade social. Outro destaque importante, diz respeito ao fato de que a melhora da distribuição de renda no Brasil, ocorrida nesse período, se deu em contrariedade ao que vem ocorrendo na maioria dos países, como está indicado no

Poverty Reduction and Growth: Virtuous and Vicious Circles344, estudo do banco

mundial sobre a redução da pobreza e crescimento, apontando que a desigualdade econômica, medida pelo índice Gini, está aumentando na maior parte dos países pesquisados. Este estudo detecta o círculo vicioso na economia latino-americano, pois reconhece o crescimento econômico como um fator importante para reduzir a pobreza, que é, ao mesmo tempo, um entrave para o crescimento. A partir dessa análise, o economista Ethan Weismam, do Banco Mundial, diz que os investimentos

342 BARROS, Ricardo Paes de. O longo desmonte da desigualdade brasileira. Suplemento Aliás do

Estado de S. Paulo, de 25 ago 2006.

343 WEISSHEIMER, M. A. Bolsa Família, p. 84. e HASHIZUME, M. Placar positivo. Revista Desafios

do Desenvolvimento. p. 31.

344 PERRY, Guillermo E. et al. Poverty Reduction and Growth: Virtuous and Vicious Circles. Disponível em: <http://www.obancomundial.org/contents/_downloadblob.php?cod_blob=1738> Acesso em: 14 jun. 2007.

devem ser direcionados para as condições básicas, a fim de romper esse ciclo, que são a infra-estrutura e as políticas sociais. “Ele citou o Bolsa Família como um dos melhores programas em implementação na região por condicionar a liberação de dinheiro a ações nas áreas de educação e saúde”345.

Estudo divulgado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) detectou um expressivo impacto do aumento do salário mínimo e do Bolsa Família sobre a desigualdade social. Outro estudo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que a desigualdade social atingiu o menor nível desde o Censo realizado em 1960.346

Com a finalidade de avaliar o fenômeno347 da recente diminuição da desigualdade, o IPEA convidou um grupo formado pelos principais especialistas brasileiros no tema desigualdade, pesquisadores dos vários centros de pesquisa existentes, como Cedeplar, IBGE, universidades federais e estaduais, IBMEC e outros, e pediu que discutissem propostas e políticas para reforçar a atual tendência de diminuição da desigualdade. A partir da contribuição desse grupo, foi apresentado um texto a um

Comitê Internacional de Alto Nível, formado por outros estudiosos do Brasil e

estrangeiros, de outros centros de pesquisa nacionais e internacionais. Esse Comitê acabou por concluir que mesmo diante de um crescimento econômico modesto do PIB e da diminuição de 0,8% da renda per capita, no período pesquisado pelas PNADs de 2001 a 2004, a desigualdade diminuiu 2% (na realidade 2,1%). E, alertam, que com a continuidade desse ritmo, apesar de alto nos últimos anos, seriam necessários mais vinte anos para o Brasil alcançar os países com grau de desenvolvimento semelhante. Concluem, também, que “parte das políticas públicas deveria se posicionar para agir diretamente sobre a desigualdade de resultados, por meio de um sistema tributário mais justo socialmente e/ou de um sistema de transferências que privilegie os mais pobres”348.

345 WEISSHEIMER, M. A. Bolsa Família, p. 83. 346 Ibid., p. 83-84.

347 Ibid., p. 85-87. 348 Ibid., p. 89.

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A conclusão é a indicação para que as políticas públicas atuem na igualdade de resultados, que como vimos no primeiro capítulo, possui efeitos e pressupostos bem distintos da igualdade de oportunidades.

Da análise do comitê mencionado é possível extrair duas constatações: primeira, que a desigualdade brasileira é comparativamente maior que a de outros países com nível semelhante de desenvolvimento (o que os indicadores já haviam apontado) e mais persistente, pois mesmo com a manutenção de um ritmo expressivo de diminuição, o país ainda demoraria muitos anos para alcançar o patamar de outros países; segunda, tem-se mais um exemplo (ao lado dos outros citados nos capítulos anteriores) do equívoco da tese liberal, de que o crescimento econômico seria a solução para a pobreza, tanto porque nos períodos de crescimento, como pôde ser observado nas estatísticas apresentadas, a desigualdade aumentou, quanto porque, mesmo sem crescimento, com expansão das políticas públicas sociais, obteve-se uma diminuição da desigualdade, pequena, mas que confirma a necessidade de uma mudança de rumo.

É importante frisar que a conclusão349 sobre as causas mais imediatas da queda da

desigualdade não tem como fundamento somente o Programa Bolsa Família, pois o grupo a alcançou após ter analisado que a diminuição aferida provém de fatores variados na melhoria da rede de proteção social. Além das transferências de renda governamentais, melhorou também a distribuição dos rendimentos do trabalho, proveniente da redução da desigualdade educacional entre os trabalhadores e da menor segmentação no mercado de trabalho entre as cidades médias do interior e as das capitais e entre as áreas rurais e urbanas. Ao lado dessa melhoria da distribuição de renda do trabalho, contribuíram também para a queda da desigualdade, a diminuição da discriminação por raça e a queda da taxa de desemprego. O Comitê Internacional de Alto Nível confirma, portanto, aquilo que ora está sendo verificado nessa dissertação: não há uma resposta, mas um conjunto de medidas, que devem levar em conta a experiência e os resultados obtidos, e, fundamentalmente, a premência de seguir o caminho, já estabelecido em nossa Constituição Federal, em direção à diminuição da desigualdade. A alternativa mais

plausível para a consecução dessa orientação, aponta para a implementação de diversas políticas públicas sociais, todas integradas num plano nacional deliberadamente voltado para esse fim, mesmo que falar em fim nesse tão embrionário início seja algo precipitado.

Segundo a pesquisa350 realizada pelo Núcleo de Pesquisas Sociais da Universidade Federal Fluminense, a pedido do MDS, o Programa recebeu uma avaliação positiva da parte de uma ampla maioria de seus beneficiários. Foram criados dois grupos, um denominado “experimental”, que respondeu a um total de 3 mil questionários, e outro denominado “grupo de controle”, que respondeu aos mil questionários restantes, sendo que o grupo experimental era composto por famílias que tinham mais de 12 meses de vinculação ao Programa, enquanto o grupo de controle era formado por famílias com no máximo 3 meses de inclusão no Bolsa Família. Nessa mesma pesquisa pode-se confirmar que o Programa atinge o grupo que historicamente mais precisa do benefício. Comparando-se o perfil dos entrevistados com o verificado pelo Censo de 2000 para o conjunto da população do Brasil, é constatado que os brancos estão sub-representados no Bolsa Família, pois representam 53,74% da população nacional e equivalem a 32,5% dos beneficiários do Programa; enquanto os pardos e negros estão super-representados, representando respectivamente 38,4% e 6,21% da população e 48,4% e 16,8% dos beneficiários. Os pesquisadores manifestam que este estudo mostra o acerto do Bolsa Família quanto ao critério de seleção dos beneficiários, “na medida em que, como vários estudos têm apontado, a proporção de pobres no Brasil é muito mais elevada entre os pardos e pretos do que entre os brancos”. Quanto ao sexo dos entrevistados de acordo com a situação profissional, o item mais encontrado foi “dona-de-casa”, com 37,5%. Outra informação expressiva é que os autônomos e trabalhadores por conta própria superaram os assalariados na amostra. Além disso, foi encontrado pequeno percentual de aposentados (4,4%). A renda familiar no último mês nos domicílios pesquisados, concentrou-se na faixa de 1 a 3 salários mínimos (56,8%). A qua ntidade de famílias com até um salário mínimo de renda foi bastante elevada, perfazendo 41,8% da população entrevistada. Por outro lado, o percentual de beneficiários em famílias com mais de três salários mínimos de renda

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mensal foi ínfimo (1,4%). De acordo com os pesquisadores, estes resultados demonstram que o Bolsa Família está concedendo benefícios de forma coerente com a sua finalidade. “Ou seja, de fato, são os brasileiros de renda mais baixa que estão sendo os principais beneficiados”351.

Outro dado importante fornecido pela pesquisa352 é sobre o gasto com alimentação como principal prioridade dos beneficiários do Programa (76,4%), ficando a segunda prioridade no gasto com material escolar (11,1%), com a ressalva de que a pesquisa foi realizada no início do ano letivo. Reforçando esta prioridade com alimentação foi verificado que, em mais de 80% dos casos, os alimentos acabaram antes de haver condições para novas compras. Houve também melhoria tanto na quantidade de alimentos consumidos (59,2% responderam de forma positiva) como em relação à variedade (73,3% disseram ter havido um aumento de variedade).

Melhoria, não menos importante , foi percebida no crédito e na auto-estima dos beneficiários, de acordo com a resposta dos próprios entrevistados. Um expressivo percentual (41,6%) afirmou que a maneira como suas famílias passaram a ser tratadas no local de moradia mudou para melhor após o ingresso no Programa. Este dado mostra a relevância desse sentimento para melhorar a sociabilidade local e fortalecer a auto-estima dos próprios núcleos familiares, um elemento fundamental para a construção de estratégias voltadas para a saída da situação de extrema pobreza. A relação com os comerciantes locais também melhorou, repercutindo na melhoria do crédito, o que implica numa possibilidade concreta de melhoria da qualidade de vida dessas famílias.353

Vale lembrar que o resultado dessa pesquisa contradiz aquilo que comumente é associado a uma política pública focalizada, pois, em vez de afetar negativamente a auto-estima, o Programa teve efeito inverso. Esta observação talvez esteja relacionada à condição da saída da extrema miséria, o que mostra a gravidade da situação do país e a importância de uma política social, mesmo tida como focalizada.

351 WEISSHEIMER, M. A. Bolsa Família, p. 94. 352 Ibid., p. 94-96.

Em relação à avaliação feita pelos próprios beneficiários é apresentado o seguinte panorama:

A avaliação satisfatória chegou a 88,7% dos entrevistados, somando aqueles que qualificaram o programa como “bom” (49,9%) e os que disseram que ele é “ótimo” (38,8%). Apenas 9,8% dos pesquisados avaliaram o programa como “regular”, enquanto um número ínfimo optou por avaliá-lo como “ruim” (0,9%) ou “péssimo” (0,7%).354

As Primeiras Análises da PNAD 2006355, que abordam demografia, educação,

trabalho, previdência, desigualdade de renda e pobreza, indicam uma continuidade no movimento de diminuição da desigualdade. De forma geral é mostrada uma perspectiva otimista, com destaque para uma mudança na estrutura social e um sentido para a inclusão social. Quanto ao impacto nesses aspectos foram detectadas as seguintes alterações: uma expressiva diminuição da taxa de fecundidade; um novo arranjo familiar com aumento nos casais sem filhos e das famílias unipessoais; enorme salto das mulheres na participação do mercado de trabalho; a reversão do fluxo migratório tradicional para os grandes centros; e o crescimento na geração de empregos com aumento dos postos formais. Sobre a inclusão social,

entendida como o acesso a bens e serviços tidos como socialmente necessários, revela uma melhora. Porém, dadas as distâncias históricas, ainda não foi possível vislumbrar mudanças que aproximem o país dos países de elevado bem-estar social.356

Comparação abordada no capítulo anterior, que vem corroborar o acerto do ponto de vista que vem sendo defendido sobre a necessidade de uma política deliberada para a diminuição da desigualdade.

Especificamente sobre o Bolsa Família, foram novamente constatados resultados positivos relacionados à taxa de atividade:

354 WEISSHEIMER, M. A. Bolsa Família, p. 99.

355 POCHMANN, Marcio et. al., PNAD 2006 Primeiras Análises – Demografia, educação, trabalho,

previdência, desigualdade de renda e pobreza. Brasília: IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada, 2007. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf_release/18Pnad_Primeiras_Analises_2006.pdf> Acesso em: 30 nov. 2007.

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Caiu de 62,9% para 62,4% entre 2001 e 2006, refletindo um movimento positivo, dado o bom momento do mercado de trabalho. Acredita-se que houve um relaxamento da restrição orçamentária familiar, permitindo que alguns de seus membros tenham se retirado do mercado de trabalho e voltado a exercer suas atividades preferenciais (estudo, por exemplo). Além disso, a queda foi concentrada nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o que permite conjecturar que possa ter sido em parte um efeito colateral do programa bolsa família, que teria possibilitado o abandono de atividades bastante precárias, antes imperativas por questões de sobrevivência.357

Há ainda outros resultados associados à estrutura de políticas sociais integradas, da qual o Programa Bolsa Família faz parte. Contudo, além de apontar os resultados, é válido verificar quais são os limites de um programa de transferência de renda como o Bolsa Família, sujeitando-o a um balanço crítico.