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O Lançamento de Ofício e o IPTU

2.4 LANÇAMENTO DO IPTU

2.4.3 O Lançamento de Ofício e o IPTU

A Constituição Federal outorgou aos Municípios competência para instituir imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. Contudo, para que o Município possa exercer essa competência, duas providências são fundamentais: a primeira está relacionada com a autorização legislativa para instituir o tributo, isto é, o imposto somente pode ser exigido dos contribuintes se previamente instituído em lei local; a segunda providência indispensável consiste na constituição do crédito tributário, ou seja, constituir as condições necessárias para provar o seu direito. A exata noção de crédito tributária é melhor compreendida a partir da lição de Fabretti (1998, p.117), que ao comentar o art. 142 do CTN, esclarece:

Para que seja possível a cobrança do crédito tributário, é necessária a comprovação de sua existência. Todo aquele que é credor, que tem direito a receber uma obrigação, deve possuir provas da sua existência de seu direito. Geralmente, essa prova faz-se por meio de um título ou documento. Em relação ao crédito tributário, idêntica situação acontece com o Estado: a partir do momento em que o sujeito passivo realiza o fato gerador da obrigação tributária, o Poder Público aplica a lei exigindo o crédito correspondente à obrigação. Para tanto, a obrigação do contribuinte e o respectivo direito do Estado devem ser documentados.

A documentação da existência da dívida tributária é realizada por um ato administrativo de constituição do crédito tributário denominado lançamento. Denota- se que para o Município exigir o IPTU dos proprietários, titulares do domínio útil e dos possuidores a qualquer título de imóveis localizados na sua zona urbana, deve ser efetuado o lançamento.

Tradicionalmente, o lançamento do IPTU é feito de ofício pela Autoridade Administrativa, ou seja, a Administração Municipal verifica a ocorrência do fato gerador, identifica o contribuinte, calcula o montante do tributo devido e emite a notificação do lançamento, entregando-a ao contribuinte. O cálculo e o lançamento do imposto são feitos pela autoridade administrativa competente, com base nos dados constantes do cadastro imobiliário e da planta de valores. Portanto, no lançamento de ofício, o cadastro imobiliário e a planta de valores são considerados elementos essenciais para a constituição do crédito tributário do IPTU.

O cadastro imobiliário contém o registro de todos os dados necessários para a correta identificação do contribuinte e do imóvel tributado. Assim, para atender a finalidade de lançamento do imposto, o cadastro imobiliário deve ser completo e permanentemente atualizado.

A planta de valores fixa os valores médios unitários de metro quadrado de terreno e de construção, para logradouros, quadras, zonas ou bairros, da área alcançada pela tributação, para a finalidade de apurar a base de cálculo do imposto. Os valores de metro quadrado, fixados na planta de valores variam em face do zoneamento e da existência ou não de equipamentos urbanos e serviços públicos tais como: iluminação pública, rede de telefone, pavimentação, serviço de limpeza pública e coleta de lixo, transporte coletivo, etc. Esses fatores determinam a valorização ou desvalorização dos imóveis e consequentemente aumentam ou diminuem a base de cálculo do imposto. Por esta razão, sempre que houver alteração em quaisquer desses elementos a planta de valores deve ser atualizada. A planta de valores é fixada em lei e qualquer alteração nos seus elementos, que possam modificar a base de cálculo do imposto, só podem ser consideradas no lançamento com a prévia autorização da Câmara de Vereadores.

Com base nos dados cadastrais do imóvel e na planta de valores, a autoridade administrativa apura a base de cálculo pelo valor médio, permitindo-lhe dessa forma, avaliar a propriedade imobiliária de milhares de contribuintes. De acordo com Baleeiro (2001), esse modo de executar a lei tributária, que possibilita a

aplicação da lei em massa, é chamado pelos germânicos de modo de pensar tipificante, como uma técnica que torna a lei exeqüível. O princípio que a rege é o da praticidade, nome que designa, a totalidade das condições que garantem uma execução legal, eficiente e econômica.

A legitimidade da técnica da praticidade no lançamento do IPTU divide a doutrina e a jurisprudência. Na doutrina, a corrente favorável à sua utilização defende, sobretudo, que “a Fazenda Pública não dispõe de recursos, pessoal e aparato necessário a uma exaustiva e esgotante investigação do caso isolado, mas mesmo assim tem o dever de aplicar a lei” (ISENSEE, 1976 apud BALEEIRO; BALEEIRO, 2001, p.249). Contrariamente à prática da simplificação, Derzi (1988) apresenta como objeções ao uso dessa técnica, a ofensa a princípios constitucionais tais como: princípio da igualdade e da capacidade contributiva.

Na jurisprudência, a técnica de aplicação da lei em massa é analisada à luz dos princípios constitucionais tributários, sobretudo, o da legalidade e o da anterioridade, segundo os quais qualquer modificação na base de cálculo do tributo só pode ser feita mediante lei, publicada no exercício anterior ao da aplicação. Com esse entendimento em 1979, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n° 87.763-1, em que foi relator o Ministro Moreira Alves, e decidiu que as plantas e pautas de valores para fins do IPTU são contrárias à Constituição Federal, se não aprovadas por lei, admitindo somente a atualização monetária do valor venal, com base em índice oficial de correção monetária. o posicionamento do STF, é esclarecido por Aliomar Baleeiro quando assevera que:

(...) a polêmica central enfocada pelos tribunais superiores apresenta-se quando a Fazenda Pública Municipal não procede à avaliação individual, conforme art. 142 do CTN, passando as plantas de valores a atuar como presunções. Em lugar de servirem apenas de parâmetros e orientações para avaliação em cada caso isolado, tornam-se as plantas de valores a única avaliação feita BALEEIRO, 2001, p.250)

Além de afrontar princípios constitucionais tributários como o da igualdade, da capacidade contributiva e da justiça fiscal, a técnica da praticidade adotada no lançamento de ofício do IPTU, pode ser um dos fatores que contribuem para a não exploração total da capacidade contributiva dos municípios, por diversas razões, tais como: a impossibilidade da Fazenda Pública manter o cadastro imobiliário e a planta de valores permanentemente atualizados; os dados constantes do cadastro são insuficientes, por não refletirem as diferenças individuais relevantes que devem ser

consideradas na apuração do valor venal, dentre as quais destaca-se a funcionalidade, o conforto ambiental e projeto arquitetônico. Esses fatores, se não refletirem a realidade do imóvel ou forem ignorados no lançamento, importam prejuízo para a Fazenda Pública que deixa de exercer com efetividade o seu poder- dever de tributar.

Ademais, a falta de atualização do cadastro imobiliário e da planta de valores, invariavelmente, pode ocasionar erro na determinação do valor do imposto ou na identificação do sujeito passivo. Essas situações quando contrárias ao interesse do contribuinte ensejam a impugnação do lançamento, podendo resultar no cancelamento do crédito tributário por nulidade do ato administrativo.19

Nesse contexto, Baleeiro (2001, p.252) adverte que “os tributos cobrados em massa, que dependem da apuração complexa de valores, não podem depender de lançamento de ofício”. Misabel Derzi (1988) e Elizabeth Carrazza (2001) também defendem a alteração da modalidade do lançamento do IPTU e concordam que o lançamento do imposto pode ser feito por homologação. Destaca-se que essa modalidade de lançamento tem sido adotada pelo legislador para outros tributos como o imposto de renda, o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços e imposto sobre serviços de qualquer natureza. Conforme anteriormente observado, o lançamento por homologação, conhecido na doutrina também como autolançamento, ocorre quando a legislação tributária atribui ao contribuinte o dever de apurar o valor do tributo e antecipar o seu pagamento, para posterior exame e, se for o caso, homologação da autoridade administrativa.

No lançamento do IPTU, a administração municipal deve observar alguns preceitos e cuidados jurídicos para que o imposto possa atender sua dupla finalidade, como instrumento de aplicação da função social do Estado: garantir a função social da propriedade e assegurar os recursos necessários para que o governo municipal possa prestar os serviços públicos e demais encargos requeridos pela sociedade.

A instituição e cobrança do referido tributo, embora possa parecer simples, demanda cuidados que devem ser observados pela administração municipal para

19 Segundo Meirelles (1999), ato nulo é o que nasce afetado de vício insanável por ausência ou defeito substancial em seus elementos constitutivos ou no procedimento formativo.

evitar vícios que propiciem impugnações judiciais anulatórias do lançamento do imposto ocasionando graves prejuízos na arrecadação tributária.

Ressalta-se que qualquer alteração na base de cálculo do IPTU, além da simples atualização monetária, deve ser feita através de lei, seguindo-se o princípio constitucional da legalidade, consagrado no artigo 150 da Constituição Federal. Nesse sentido tem sido a orientação do STF, conforme se verifica:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PREQUESTIONAMENTO – AUMENTO DE TRIBUTO – DECRETO. Mostra-se objeto de debate e decisão prévios, tema alusivo ao aumento de tributo via decreto quando conste do acórdão proferido a exigibilidade de lei. TRIBUTO – REAJUSTE X AUMENTO – DECRETO X LEI. Se de um lado é certo assentar-se que simples atualização do tributo, tendo em conta a aspiral inflacionária, independe de lei, isto considerado o valor venal do imóvel (IPTU), de outro não menos correto é que, em se tratando de verdadeiro aumento, o decreto não é veículo próprio a implementá-lo. A teor do disposto no inciso I, do artigo 150 da Constituição Federal, a via própria ao aumento de tributo é a lei em sentido formal e material (STF, 2ª T, AGRRE-176.870/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, 12/03/96).

Nessa linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal também segue o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que em reiteradas decisões, tem se posicionado no sentido de que é vedado aos Municípios atualizarem o IPTU por decreto além dos parâmetros meramente inflacionários, conforme Súmula 160 daquela Corte Superior.

No que se refere ao aumento da base de cálculo do imposto, há ainda que se observar o princípio da anterioridade, delineado no art. 150, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal, sob pena de ser declarada a inconstitucionalidade do imposto. Nesse sentido tem se posicionado a Suprema Corte do Brasil:

TRIBUTÁRIO. IPTU. AUMENTO DA RESPECTIVA BASE DE CÁLCULO MEDIANTE APLICAÇÃO DE ÍNDICES GENÉRICOS DE VALORIZAÇÃO, APLICÁVEIS POR LOGRADOUROS, DITADOS POR LEI. – Caso em que o instrumento normativo não poderia ser aplicado no mesmo exercício em que foi publicado, sem ofensa ao princípio da anterioridade. Acórdão que, para contornar o óbice constitucional, entendeu haverem os referidos índices sido estabelecidos por meio de ato regulamentar, com o que não evitou o vício da inconstitucionalidade que, nesse caso, residiria em violação ao princípio da anterioridade. - Somente por via de lei, no sentido formal, publicada no exercício financeiro anterior, é permitido aumentar tributo, como tal, havendo de ser considerada a iniciativa de modificar a base de cálculo do IPTU, por meio de aplicação de tabelas genéricas de valorização de imóveis, relativamente a cada logradouro, que torna o tributo mais oneroso. Recurso extraordinário conhecido e provido (STF, !ª T., RE-182191/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, 07/11/95).

Portanto, o lançamento do IPTU, de ofício pela Administração Municipal requer a observância dos princípios constitucionais tributários. Contudo, a questão não é somente essa, pois as oscilações de ordem econômica e financeira que freqüentemente ocorrem no País refletem diretamente no valor dos imóveis, ou seja, no valor de mercado da propriedade, que, segundo o art. 33 do CTN é a base de cálculo do IPTU. A doutrina não diverge quanto à definição do valor venal do imóvel como sendo o valor de mercado para venda à vista. Para Baleeiro (2001, p.249), “o valor de mercado é aquele que o imóvel alcançará para a compra e venda à vista, segundo as condições usuais do mercado de imóveis”. Segundo Barreto (1998, p.242), “o valor venal do imóvel para efeitos de tributação é o ‘valor provável’ que o imóvel atingiria, diante de transação à vista e de mercado imobiliário estável”.

Denota-se que para assegurar a efetividade do imposto e o seu real valor para efeitos de lançamento, os Municípios devem anualmente: a) promover a atualização do cadastro imobiliário fiscal, através do recadastramento imobiliário; e b) aprovar, através de lei, nova planta de valores com as alterações em razão da oscilação do mercado imobiliário e de outros fatores que, uma vez ocorridos, possam modificar o valor do metro quadrado dos imóveis.