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O MÉTODO PORTUGUÊS-CASTILHO PELO OLHAR DOS INSPETORES

Tempo e espaço de ensino: o traçado do currículo (inspeção às escolas em

O MÉTODO PORTUGUÊS-CASTILHO PELO OLHAR DOS INSPETORES

O Comissário de Estudos reservou um item específico intitulado “Método português e de leitura repentina”. Consistia ele - como já elucida o título - em um parecer circunstanciado sobre a aplicação do Método de ensino das primeiras letras desenvolvido por José Feliciano de Castilho em algumas escolas e o resultado decorrente desse procedimento. Teria sido o próprio rei quem - por portaria expedida pelo Conselho Superior de Instrução

Pública - ordenara que do Relatório constasse parecer a respeito das vantagens do método

de Leitura Repentina. O relator explica que, para proceder a tal investigação com o devido rigor, dirigiu-se a professores de escolas públicas e particulares, obtendo, no final, 96 respostas, das quais 18 referiam-se a classes de ensino feminino. Pela leitura dos documentos, que teriam sido arquivados na Comissão de Estudos, algumas deduções faziam- se já cabíveis: 71 reprovavam o método (dentre um total de 96); 6 aprovavam-no, sendo que,

160 “O ensino de doutrina cristã nas escolas primárias e as explicações que o acompanham, é feito em tempo

no qual a mocidade, por falta de habilitações, por carecer ainda de suficiente desenvolvimento intelectual e pela multiplicidade das matérias de que se ocupa a instrução primária, nada aproveita. Este ensino reduz-se então, para a mocidade, a um ato puramente mecânico; a tomar de cor algumas fórmulas, cujo sentido ignora, e algumas chamadas explicações que não compreende.” (José Maria d’Almeida e Araújo Corrêa de LACERDA, Relatório do Commissário dos Estudos do districto de Lisboa pertencente ao anno de 1854,1855, 1856, p. 7)

161 Id. Ibid., p. 7.

162 José Maria d’Almeida e Araújo Corrêa de LACERDA, Relatório do Commissário dos Estudos do

354 desses, 4 o praticavam sem alterações, 1 com alterações e o outro aprovava sem, entretanto, praticá-lo; 19 desconheciam por completo o método; 16, dentre os 71 que reprovavam o método, haviam-no ensaiado.

A rejeição ao Método Português-Castilho viria então acompanhada por variadas razões, arroladas a seguir como decorrentes das justificativas apresentadas pelos professores:

1) Dificuldade, em Lisboa, de os alunos começarem o curso regular na idade apropriada. Isso dificultaria quaisquer processos de ensino simultâneo. A polêmica em torno da adoção da metodologia desenvolvida por Castilho vinha, nesse caso, mais uma vez, acoplada à idéia de um outro modelo de aula a referenciar a atuação do professor. Parecia mesmo que o que então se buscava era o ensino coletivo simultâneo. A esse respeito, o

Relatório explicitava o seguinte:

“O método português, para produzir as vantagens que promete, requer essencialmente que o ensino seja comum; mas, como pela razão dada não o pode ser, torna-se impraticável ou inútil. Os arbítrios empregados diversamente por diversos professores para atenuar os inconvenientes da irregularidade das matrículas (irregularidade, aliás, invencível, porquanto a não se permitir, ficariam de pronto desertas as escolas, mormente fora das grandes cidades) sendo de fácil e proveitosa adoção, quando os professores empregam o método simultâneo individual, contrariam

diretamente o da leitura repentina, porque o tornam mais moroso e menos eficaz.”163

2) Haveria descaso pelo estilo individual dos professores, como comenta o trecho abaixo transcrito:

“Porque desconsidera os professores, porquanto, obrigando-os a cantar, a bater palmas, e como que a fazer esgares para bem exprimir, cantando, os diferentes valores de algumas letras, etc., quando acontece que o professor é de figura desastrada, ou disforme de rosto, ou tem defeito na boca ou na toada desafina, o expõe à mofa ou ao riso dos discípulos. É certo, em todo caso, que a pouca idade ousa desenvolta o que não deve e, como vulgarmente se diz, toma confiança demasiada e inconveniente com quem com ela como que se desenlaça; e é certo igualmente que não fica fácil ao professor, que necessariamente há-de usar de tais meios para chegar ao seu fim, manter-se com a gravidade própria e indispensável de quem ensina, e educa. Observam que daqui nasceu certo ridículo, lançado porventura injustamente sobre o método português; mas que muito o prejudica porque daí vêm as iras contra ele erguidas de grande número de educadores e de pais

de família.”164

3) Considera-se que as impressões obtidas por tal método apresentariam enormes dificuldades de memorização por parte dos alunos, além do fato de a introdução de ritmos e de toadas dispersar a atenção da criança, confundindo o processo de aprendizado com um momento de entretenimento. As crianças tropeçam a cada passo e entremeiam, sem êxito, o canto com as tentativas de ler.

4) Com a alfabetização pelos procedimentos previstos por Castilho, os educandos adquiririam vícios dificilmente extirpáveis. A leitura cadenciada conduziria a criança a decorar a lição, mesmo sem dominar o processo da leitura, o que dificultaria o processo

163 Id. Ibid., p. 10.

355 posterior de proceder à leitura sem cadência. Além de problemas relativos à pronúncia, as crianças adquiriram tiques no rosto, pela contínua tentativa de imitar, entoar e cantar.

5) Além das objeções anteriores, considera-se que o método destrói a ortografia etimológica, usualmente aceita pelos literatos. A rejeição da nova ortografia decorreria do fato de sua utilização vir a contrariar o que aqui se denomina “índole da língua portuguesa, que não pode renegar as de que descende, sem que se transforme numa algaravia ininteligível”165.Tal modificação dos códigos linguísticos tradicionais agiria no sentido de

dificultar o estudo das línguas estrangeiras, além de exigir a tradução de todos os livros publicados até então em língua portuguesa.

6) O método não ensinaria a escrever, o que induzia os professores a recorrerem a outras metodologias de ensino, que, ensinando a escrita, se sobrepusessem ao modelo de Castilho, o que por sua vez produziria o que se caracterizava aqui como nefasto sincretismo.

7) Os alunos desse método não teriam qualquer tipo de destaque nos exames de instrução primária.

8) Pondera-se, ainda, o aumento das despesas do Estado e dos particulares, dificultando a “instrução geral que, aliás, em proveito comum, deve facilitar-se quanto for possível”166.

Apesar de todas essas dificuldades assinaladas pelo corpo docente, o Comissário de Estudos do Distrito de Lisboa, José Maria d’Almeida e Araújo Corrêa de Lacerda defende o Método Português-Castilho, identificando-o como um instrumento alternativo adequado para proceder a uma melhoria real no ensino da leitura. Convencido de que as inovações produzidas pelo poeta Castilho representariam vantagens significativas para o domínio da habilidade da leitura, o relator conclui, contrariando todos os pareceres expressos pelo vestígios da sala de aula, que “não se apresentam razões bastantes nas quais haja de fundamentar-se a condenação do método português, como há quem pretenda; mas que tampouco por hora se dão as que se precisam para haver de ser adotado exclusivamente, como seu ilustre autor parece desde já desejar”167. A proposta do Comissário de Estudos é a

165José Maria d’Almeida e Araíjo Corrêa de LACERDA,Relatório do Commissário dos Estudos do districto

de Lisboa pertencente ao anno de 1854, 1855, 1856, p. 11.

166 José Maria d’ Almeida e Araújo Corrêa de LACERDA, Relatório do Commissário dos Estudos do

districto de Lisboa pertencente ao anno de 1854, 1855, 1856, p. 11. Na sequência, continua o texto: “Os exercícios a que este método obriga os professores e alunos, tornam indispensáveis para as escolas vários utensílios, que devem ser prontificados pelo Estado, pois que seria injusto impor esse ônus aos professores tão mesquinhamente remunerados; e trazem a necessidade para os alunos de compêndios uniformes, porquanto, se não o forem, não pode o método praticar-se.” (Id. Ibid., p. 11) Na hipótese de o Estado arcar com as despesas de material, os custos da instrução primária cresceriam sobremaneira. Na hipótese de os estudantes custearem seu próprio material, estes persistiriam sem aprender nada, por não possuírem, em sua grande maioria, meios efetivos de adquirirem os compêndios.

167José Maria d’almeida e Araújo Corrêa de LACERDA, Relatório do Commissário dos Estudos do districto

de Lisboa pertencente ao anno de 1854, 1855, 1856, p. 12. Consoante a orientação do Comissário de Estudos de Lisboa, o Relatório anual do ano letivo concernente a 1854-55 proferido pelo Conselho Superior de Instrução Pública professava a seguinte sugestão: “O resumo histórico dos fatos e o resultado dos ensaios deste método, por diferentes pontos do país (...) são concordes, pela maior parte, em o condenar; e, pelos últimos Relatórios chegados ao Conselho, se reconhece que tem sido abandonado por grande número de professores que o tinham ensaiado. (...) Apesar de tudo isto, não se atreve o Conselho a formar sobre ele juízo cabal e seguro, e quer ainda conceder ao tempo o que razoavelmente se lhe não pode negar: tendo em atenção o império do hábito dos métodos antigos, a relutância do povo contra tudo o que é inovação e, mais que tudo, a animadversão que suscitara a indiscrição de querer impor este método à maneira de alcorão, fundando a sua

356 de que, por todas as razões que, por um lado, favorecem, e, por outro, depreciam o Método Português, continuasse a haver um “ensaio” sobre a aplicação do mesmo método, de modo a que a análise pudesse vir a se apurar, aliada a um aperfeiçoamento da reflexão prática e teórica dos professores, que, a propósito do tema, não pareciam ter razão.

Preocupado com os níveis elevadíssimos de abandono escolar, o Relatório de Correa de Lacerda, no final do ano 1855, sugere procedimentos considerados necessários para diminuir esses níveis de evasão, o qual, em grande parte dos casos, derivava mais da família e das opções dos pais pelo trabalho das crianças do que da própria vontade das crianças. As escolas primárias, para se tornarem verdadeiramente atraentes, deveriam, por seu turno, ser providas com equipamentos, mobiliários e utensílios adequados, de maneira a permitir uma vida escolar estruturada em termos de exercícios e de lições - sem que, para tanto, faltassem quadro e tabelas para tabuadas, papel, tintas e penas. Sugere-se, ainda, o auxílio pecuniário a todos os professores que tivessem consigo um número superior a 100 discípulos. Reconhecia-se, entretanto, ser a pobreza uma grande propulsora da permanência da ignorância, o que o relator dirá nos seguintes termos:

“Ainda não é qual devia ser, e muito convém que se torne, a frequência das escolas de instrução primária. Os obstáculos que se têm oposto a que se aumente e vá crescendo em proporção lisongeira para as necessidades sociais, a frequência dessas escolas subsistem e perduram com pequena alteração; é nas classes da camada inferior da sociedade, as quais contudo tiram mais imediato proveito desta instrução, que se encontra maior resistência. Os pais carecem dos serviços que seus filhos podem prestar-lhes, e segundo lhos podem prestar, logo desde a puerícia, e não duvidam deixar os filhos na total carência de instrução, contanto que, por tal motivo, não padeçam mínimo incômodo. Esta causa poderosíssima nas povoações rurais não é menos eficaz na capital. Daqui procede não mandarem os filhos à escola ou não os mandarem senão por mui limitado espaço de tempo em cada dia, e sempre sem regularidade na frequência. Além desta, ainda há outra causa, geralmente alegada, a saber, a pobreza, que não consente ao operário, ao artista e a um sem conto de pais de família, cercear o minguado produto do seu trabalho para haverem quantia destinada à compra dos compêndios, tabuadas, papel, pena, etc., de que seus filhos precisam absolutamente: quanto ganham ainda não chega, e eu duvido, para satisfazer às urgentes necessidades da família. Há ainda uma terceira causa, que deve tomar-se em muita conta, e é o desleixo dos pais; desleixo comumente culpável, mas também às vezes involuntário; porque, forçados a sair de casa ao amanhecer, e não raro para larga distância ou a entregar-se a trabalho que lhe absorve todo o dia e cuidado, descuram completamente o ensino e a educação

dos filhos.”168