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Se nos confrontos a respeito da soma de 48 horas semanais e no embate sobre o descanso semanal a polêmica entre Afrânio Peixoto e Carvalho Neto levantou reflexões sobre os costumes brasileiros, as diferenças na compreensão do papel da política e da religião na sociedade e as formas de pensar daqueles intelectuais no Parlamento Nacional, em 1925, por meio da publicação produzida por Carvalho Neto (1926), em grande medida, permitiu-me aproximação a um olhar mais verticalizado sobre o comprometimento de Carvalho Neto em relação à educação, bem como traduzir, nos contornos desta tese, as particularidades das propostas de educação na produção intelectual daquele jurista.

Neste sentido, para além das discordâncias encontradas nos discursos empreendidos por ocasião da elaboração e aprovação do Código do Trabalho, a propositura de uma legislação que deferisse os direitos e obrigações entre patrões e trabalhadores, não previa apenas como deveriam ser as relações entre os dois grupos sociais, mas também, olhava, naquele momento, como deveria ser tratada a questão do trabalho do menor e da mulher. Carvalho Neto aprofundou o debate, ao lançar mão de referências históricas para debater o que previra o Código com a necessidade e os interesses de se propor espaço para o trabalho do menor, num momento de mudanças significativas na economia e política brasileiras.

Da mesma forma, a investigação provocada pelo Código do Trabalho também me permitiu ver como a mulher foi inserida no centro daquelas polêmicas e disputas de poder deflagradas entre Afrânio Peixoto e Carvalho Neto, ao se flagrar no embate aspectos relevantes sobre o pensamento dos intelectuais em referência à condição biológica da mulher, o que provocou, por sua vez, analisar como a ciência se cravara nas discussões e como a higiene era postulada, peremptoriamente, nas proposições sobre o desenvolvimento social e a

educação da população brasileira era cruzada com os pressupostos da eugenia, no Brasil. Os destaques dados por mim, nos termos desta Tese, permitiram, ainda, ver como Carvalho Neto fizera a relação da legislação do Código com as normas constitucionais brasileiras. Este último aspecto foi importante para analisar melhor as dificuldades enfrentadas pelo Parlamento Nacional ante as mudanças sociais, políticas e culturais ocorridas no Brasil nos dois primeiros decênios do século XX.

Como a questão da confusão de redação atinente à legislação estrangeira perpassou a polêmica do Código do Trabalho, mister se fez atentar para um diálogo no qual foi apontado o quanto as posições firmadas entre os dois intelectuais sobre este item perpassaram a longa polêmica do Parlamento Nacional, em 1925.

[...] O SR. AFONSO BERGAMINI – Por que se marcou o mínimo de um mez para o Conselho Nacional do Trabalho dar parecer e não fixou o máximo? O SR. AFRANIO PEIXOTO – Ahi está. Há uma interrupção de força motriz em uma fabrica, pede-se a recuperação de duas horas de trabalho e ha necessidade de inquérito do Conselho Nacional do Trabalho, do decreto do executivo... O SR. AFONSO BERGAMINI – Mas o mínimo foi fixado para acelerar? O SR. CARVALHO NETO – Não há nada disso; é pura fantasia. V. Ex. acompanhe a minha argumentação terra a terra, de acordo com as disposições da lei. O SR. AUGUSTO DE LIMA – Parece-me que a lei, ahí, consagrou costume existente nas grandes fabricas que teem regulamentos estabelecidos. Conheço diversos centros industriaes onde essa questão de horas de descanso está perfeita e normalmente resolvida. O SR. AFRANIO PEIXOTO – Perfeitamente resolvida e, por isso, é inútil entravar-se o assumpto com leis ociosas. O SR. CARVALHO NETO – E, nesse caso, é inútil estabelecer a legislação social? O SR. AUGUSTO DE LIMA – Inútil, não. Toda lei deve mesmo consagrar o costume. O SR. CARVALHO NETO – O ilustre Deputado pela Bahia está-me fazendo lembrar a phrase de Napoleão, quando surgiram os primeiros commentarios ao seu Codigo: “O meu código está perdido!” – porque, perdida estará também a legislação social brasileira, se for comentada pelos argumentos do nobre Deputado... O SR. AFRANIO PEIXOTO – Muito obrigado. O SR. CARVALHO NETO - .... pois que S. Ex. força visilmente os termos da lei, no que, aliás, não há injuria nenhuma, pois é o deshabito de trata-la profissionalmente que o conduz a esses enganos. O SR. AFRANIO PEIXOTO – Estou citando as evidencias. (CARVALHO NETO, 1926, p. 85).

Pode-se notar, no meio dos impropérios, que a disputa de campo era uma das prerrogativas usadas por Carvalho Neto (1926), pois, ao afirmar por várias vezes que seu opositor nos assuntos concernentes ao Código do Trabalho não tinha habilidade no trato com a lei, significa dizer que ele estava arando em terra alheia.

Contudo, Afrânio Peixoto não deixava por menos, ao emendar, ironicamente, nos seus discursos, a lembrança dos dotes literários de Carvalho Neto. Retomo, neste caso, o fato de

estar a falar de dois intelectuais que possivelmente disputaram, no contexto do Código do Trabalho, um lugar no campo literário, político e intelectual. O reconhecimento que Carvalho Neto já experimentava em 1926, provavelmente não o colocaria na mesma posição de Afrânio Peixoto, que já era consagrado pela crítica nacional e exercia, em grande medida, um poder simbólico no campo intelectual brasileiro.

No entanto, no campo político e do direito, Carvalho Neto já havia agregado à sua carreira um quantum de capital científico e cultural expressivo, responsável pelo poder simbólico que exercera no Parlamento. A capacidade intelectual de Carvalho Neto, no sentido de versar a doutrina do Direito com profundidade no exercício da hermenêutica e transitar com a mesma disciplina, dedicação e ímpeto nos campos da arte, literatura e ciências, garantiu àquele intelectual um “lugar memória” para a História dos Intelectuais do Brasil, durante a primeira metade do século XX.

Estes indícios da trajetória de Carvalho Neto me impeliram a compreender o lugar de intelectual daquele escritor, jornalista, jurista, magistrado, orador, professor e político, conforme o que se é possível apreender a partir dos estudos de Sirinelli (2003), Bourdieu (2004) e Miceli (2001). Os dois primeiros autores auxiliam o historiador na apropriação dos significados e problematização do conceito de intelectual do ponto de vista teórico. Já Miceli (2001), obriga o pesquisador a aprofundar seu conhecimento sobre o que podemos considerar como intelectual a partir do próprio movimento da vida brasileira. Penso que esta triangulação conduz a uma percepção e apropriação possível para realização de uma apreensão razoável sobre o assunto.

Nas fronteiras da análise do Código do Trabalho (1926), em que pese Carvalho Neto não haver publicado, ainda, trabalho de repercussão, já se havia estabelecido, em certa medida, como referência pelos seus discursos em instituições literárias e por ser reconhecido pelo grau de capital cultural já alçado naquela época.

A polêmica entre aquele intelectual e Afrânio Peixoto, impele-me a uma provocação: se, a partir dela, não estaríamos, possivelmente, diante da problemática dos “(res)sentimentos e memória” tratados na obra de Bresciani (2001), quando a autora problematiza o conceito no âmbito da produção de identidades denominadas “inconclusas” no Brasil do século XX, onde estiveram localizadas as várias concepções sobre a configuração de uma “raça”.

As questões por mim expostas fazem sentido ao analisar os discursos de Carvalho Neto e Afrânio Peixoto, em 1925, pois eles mobilizaram os sentimentos sociais, políticos e culturais do Brasil daquela época, que transcendem nas continuidades e descontinuidades da História.

Assim, no quesito sobre a idade mínima de se admitir menor no campo de trabalho, Afrânio Peixoto discordara quanto ao dispositivo da lei sobre o limite dos 14 anos. Para ele, a rigorosidade da lei estabeleceria a relação entre o “ócio” e a “vadiagem”. Os pontos de discordâncias, no limite desta análise, tornaram possível aproximação entre o aprofundamento da polêmica publicada por Carvalho Neto (1926) e os problemas da educação na infância no Brasil, investigado pela historiografia da educação.

Nos discursos de Afrânio Peixoto e Carvalho Neto foi possível lembrar que o assunto referente à educação da infância já havia sido levado ao Parlamento Nacional por Carvalho Neto, quando apresentara o projeto n. 480, na sessão de 14 de outubro de 1921, o projeto de criação de classes e escolas para as crianças anormais58.

Nestes termos, Carvalho Neto (1926) se refere à questão do limite da idade e elenca as divergências de Afrânio Peixoto.

[...] Poucos assunptos, entre nós, se acham sobejamente versados como este, em que do jurista ao escritor, do medico ao pedagogista, das cathedras acadêmicas á tribuna do parlamento, vai toda uma serie de exaustivos conhecimentos, que tanto alevantam os méritos da cultura scientifica no Brasil. Com a mais exígua e dsvaliosa das colaborações (não apoiados

geraes) com que me ra permitido ingressar entre quantos se empenham,

nessa cruzada da infância, dous pequenos marcos assignalei, que logo esquecidos ficaram, nos trabalhos parlamentares desta Casa. Um deles, pela primeira vez, ao que me consta, aventado decisivamente no Congresso, foi o da infância anormal, dos menores retardados. Jaz, infelizmente, sepultado em uma das Commissões e queira Deus que alguém, algum dia, pela magia do prestigio, que me faleceu, possa animá-lo, dar-lhe existência da lei. O outro foi propugnando pela legislação da infância operaria, que agora vejo traduzida no projecto n. 265, de 1923. Quero significar, em aludindo a estes factos, Sr. Presidente, que já adiantei idéas sobre o assumpto, de tal sorte que se fora possível regimentalmente rever, neste último tramite da votação, o Código do Trabalho, eu me não alheiaria de colaborar, bem que francamente, nessa revisão com uns pequenos toques, a meu ver convinháveis. Confiando da longanimidade dos colegas me exculpem da canceira desta digressão, refluo á critica do nobre Sr. Afranio Peixoto. (CARVALHO NETO, 1926, p. 90-91).

Ao criticar o Código, Afrânio Peixoto, no entanto, afirma que “a minha tristeza é esta: uma comissão de homens competentes ter deixado passar um código imperfeito, quando podia melhorar”. (PEIXOTO apud CARVALHO NETO, 1926, p. 91).

Estava em polêmica, neste caso, que as empresas não poderiam admitir menores de 14 anos. Afrânio Peixoto entendeu que este fato deixaria brechas para o ócio e a vadiagem, como foi dito anteriormente, porque a medida proibitiva provocaria mais problemas em relação ao ______________

ócio, porque não existiam escolas capazes de acolher a criança pobre. Carvalho Neto contra- argumentara dizendo que o erro visto por Afrânio Peixoto não procedia.

[...] O SR. CARVALHO NETO – Diz o nobre Deputado: “Até os 14 annos não podem absolutamente trabalhar”. O SR. AFRANIO PEIXOTO – Diz a lei. O SR. CARVALHO NETO – V. Ex. verá que não é bem assim que a lei diz. Prossegue o meu nobre colega: “Como não existem escolas bastantes, ainda nas capitães, para os receber, nem caixas escolares que lhe deem roupas e merenda, etc, quando as escolas existam”. O SR. AFRANIO PEIXOTO – Que acontece? Vão para a vadiagem, para a mendicidade. O SR. CARVALHO NETO – Antes de mais, expurgar nesta afirmativa categórica este absolutamente, que esta muito absoluto... Basta, num relance de olhos, ler o paragrapho único do art. 9.º e para logo se depara a primeira exceção ao que se disse ser absoluto. É só ver: Art. 9.º “É prohibido ás empresas compreendidas no art. 1.º da presente lei admitirem a seu serviço menores de 14 annos”. O SR. AFRANIO PEIXOTO – “É prohibido”, é absoluto. O SR. CARVALHO NETO – V. Ex. vai ver que não é absoluto. Dentro da lei só há relatividade. Vem em seguida a restricção. “Paragrapho único. Esta proibição não atinge a aprendizagem nas escolas profissionaes mantidas pelos Governos da União, dos Estados ou dos Municipios ou por esses governos fiscalizadas”. O SR. AFRANIO PEIXOTO – É outra coisa. Aprendizagem não é trabalho. O SR. CARVALHO NETO – Ahi está a primeira exceção ao “absoluto” de V. Ex. O SR. AFRANIO PEIXOTO – Escola não é officina. Quem confunde aprendizado com escola... O SR. CARVALHO NETO – Não estou confundindo... [...] Vou mostrar a V. Ex. a exegese da lei, que tudo esclarece, já no fundo, já na forma. (CARVALHO NETO, 1926, p. 92-93).

A polêmica, entretanto, abrira outra reflexão sobre os conceitos de “aprendizado”59 e “escola”, porque Afrânio Peixoto declarara em seu discurso que “o aprendizado morreu no século XVIII. Não há mais aprendizado”. Em notas longas de rodapé, todavia, Carvalho recorrera a estudos sobre os conceitos de aprendizagem, aprendizado e aprender, e para contestar a afirmação de Afrânio Peixoto de que o aprendizado não morrera, fizera uma citação a Ruy Barbosa.

[...] E quem primeiro vem á fala, porque primus inter pares, é Ruy Barbosa, que, em 1882, escrevia: – “I Crear, ou auxiliar, no município e nos mais importantes das províncias, escolas profissionaes e escolas especiaes, OU DE APRENDIZADO, destinadas, as primeiras a dar instrucção yechnica que mais interesse ás industrias dominantes, ou que convenha crear, e desenvolver, e as segundas ao ensino practico das artes e officios de mais imediato proveito para a população e para o Estado, conforme as necessidades e condições das localidades. Reforma do Ensino Primário” (Parecer e Projecto, p. 377). (CARVALHO NETO, 1926, p. 102, grifo do autor).

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Sobre o projeto do Código do Trabalho, que abordara as exceções, segundo Carvalho Neto, aventava que no seu art. 13, entre os 12 e 14 anos, “poderá o menor ser excepcionalmente admitido ao trabalho, si o inspector do trabalho verificar: a) o estado de extrema necessidade da família; b) capacidade physica do menor para o trabalho; c) habilitação do menor pela escola primaria” (CARVALHO NETO, 1926, p. 102-103). Porém, a “mania da imitação”, levantada por Afrânio Peixoto, entrava no debate e as velhas discussões eram retomadas. Em realidade, a “copia da lei” foi um dos pontos das críticas nas quais Afrânio Peixoto insistira e percorrera a longevidade do processo da polêmica.

[...] O SR. AFRANIO PEIXOTO – É a copia da lei franceza. O SR. CARVALHO NETO – não é copia! O SR. AFRANIO PEIXOTO – É o defeito de toda essa lei. O SR. CARVALHO NETO – Foi estabelecido na convenção de Whashington. O SR. AUGUSTO DE LIMA – Muito bem. É um princípio por assim dizer universal. O SR. AFRANIO PEIXOTO – O nobre Deputado quer universalidade com climas diferentes, legislando para povos diversos! O SR. AUGUSTO DE LIMA – São bases geraes. O SR. CARVALHO NETO – E o ilustre Deputado quer ver como não é cópia da legislação francesa? Ella estabelece 13 annos e nós estabelecemos 14. O SR. AFRANIO PEIXOTO – A nossa lei é principalmente defeituosa, porque imita o que se adoptou para outros povos. As leis devem ser a consagração dos costumes. A ethnographia brasileira não se ajusta a isso que V. Ex. defende. O SR, CARVALHO NETO - Responderei ponto por ponto a todas estas objecções, de quitiloquês, que se chocam de continuo na própria logica de V. Ex. (CARVALHO NETO, 1926, p. 108-109).

Advertindo, também, que a idade de 14 anos não se constituía em novidade, Carvalho Neto lembrou aos colegas da sessão parlamentar a existência de lei municipal elaborada para o Rio de Janeiro, em 1917, por meio da qual já se estabelecia a idade mínima de 14 anos para admissão ao trabalho.

[...] Pois bem, ouça-se o que informa com a sua indiscutível competência o Sr. Evaristo de Moraes: “É verdade que existe legislação municipal a respeito consistente no decreto numero 1.801, de 11 de agosto de 1917, o qual com rara felicidade varias medidas favoráveis á infância e á adolescência proletária. Assim é que se permite, nas oficinas e fabricas do Districto Federal, a ocupação de menores que hajam completado 14 annos, mediante as condições de sanidade e capacidade physica, de saber ler, escrever e contar, de vaccinação e revacinação”. Uma situação jurídica prevalecente até pouco tempo na Capital da República, não inovada, não preterida no systema do novo Codigo. (CARVALHO NETO, 1926, p. 109).

Ao citar a Conferência de Washington como uma das referências para se adotar a idade limite de 14 anos para o acesso ao trabalho, nos termos da lei, Carvalho Neto dissera

que a propositura do Código estabelecera diálogo com aquela convenção internacional, ficando assim definido o art. 2º. Da lei brasileira, porém, Afrânio Peixoto redarguira veementemente.

“Art. 2º. As creanças de menos de 14 annos não podem ser empregadas nem trabalhar nos estabelecimentos industriaes públicos ou privados, com exceção daqueles em que só serão empregados os membros de uma mesma família”. O SR. AFRANIO PEIXOTO – Nunca foi executado isso, é letra morta. O SR. CARVALHO NETO – Porque se não executam as leis, vamos deixar que continue a preponderar a logica de certos patrões, como tem preponderado escancaradamente no Districto Federal?! O SR. AFRANIO PEIXOTO – Quando as leis não se adaptam aos costumes, não são leis, não são cumpridas. V. Ex. quer uma lei que não será cumprida. Simplesmente isso. O SR. CARVALHO NETO – Ora, meu nobre colega, não bata nesse chavão revelho. Outrotanto, como inspiração da lei nacional, o art. 3º da referida Convenção: ‘As disposições do art. 2.º não se applicarão aos trabalhos das creanças nas escolas profissionaes, sob condição de ser esse trabalho aprovado e vigiado pela autoridade pública. Veem bem os meus colegas, bem vê a Camara, que a Commissão de Legislação Social, que procedeu á sua actual composição, se abonara com poderosos motivos, emulando-se até com o voto assentido pelos nossos delegados naquele grande certame internacional. [...] Falando aos jornalistas que o entrevistaram, ao regresso da Conferencia de Whashington, disse o ilustrado Sr. Mello Franco, embaixador do Brasil, que a idade de 14 annos, fora uma linha media entre as tendências manifestadas naquela assmbléa. (CARVALHO NETO, 1926, p. 11-112).

Em verdade, o ponto alto da reflexão abalizada pela relatoria do projeto do Código do Trabalho, em 1926, flagrara efervescente debate acerca do problema da educação infantil, o problema da infância60, já revisitado e investigado pela historiografia brasileira da História da Educação, em que se procura compreender – mas, ao mesmo tempo, problematizar – a falta de escola, a precariedade das condições das escolas públicas.

Estes velhos problemas, denominados de “máximo problema da educação nacional” pelos parlamentares em 1926, também foram constituídos em uma memória prestigiosa sobre a educação no Brasil. Nos discursos de Carvalho Neto (1926), aquele intelectual invocara as reformas educacionais empreendidas pelos governos estaduais de Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina, o que permite ao leitor produzir, em certa medida, uma análise substancial sobre as representações que se pode ter sobre o ensino obrigatório, número de escolas insuficientes, falta de caixas escolares, nos limites daquele período de 1926. Além disso, ao fazer digressão sobre as reformas, Carvalho Neto falara também a ______________

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Cf. Freitas e Kuhlmann Jr., 2002; Freitas, 2006. No primeiro trabalho os autores reúnem pesquisadores brasileiros que realizam análise sobre a participação dos intelectuais na história da infância. No segundo, Freitas (2006) organiza autores que analisam aspectos da História Social da Infância no Brasil.

respeito das matrículas para meninos e meninas. Além disso, há na polêmica, considerável reflexão a respeito da função educadora da lei.

Este ângulo das discussões sobre o Código do Trabalho foi bem expressivo, porque transborda aos olhos do pesquisador a necessidade de se olhar com novas lentes a legislação como objeto de estudo. Enfatizo, nesta perspectiva, que este possivelmente tivesse sido um dos pontos altos a ressaltar no projeto do Código do Trabalho e na defesa que Carvalho Neto produzira sobre ele.

Trata-se, portanto, de verificar e compreender alguns aspectos da função educadora para com os diversos grupos sociais envolvidos no Código: trabalhadores, patrões com suas relações sociais em diversas modalidades de trabalho, como os ofícios nas indústrias, no comércio, as diferenças da aplicação da lei quando se lança olhar sobre a criança e o adolescente, os olhares que podemos lançar sobre o trabalho e a mulher, entre outras perspectivas possíveis de se esquadrinhar neste tipo de investigação.

No parágrafo único do art. 20, a lei determina que “os aprendizes só serão admitidos ao trabalho mediante consentimento dos paes ou responsaveis por sua educação e depois que provarem, por certidão valiosa haverem adquirido o conhecimento das matérias que constituem o ensino primario das escolas públicas” (CARVALHO NETO, 1926, p. 113).

Carvalho Neto cita, também, no documento, a emenda do Deputado Federal Maurício de Lacerda, integrante da comissão de Legislação Social, em que aquele deputado faz a seguinte ponderação, que deveria ser inserida no Código.

[...] “Os menores de qualquer dos sexos, até a idade de 14 annos, não serão admittidos em nenhuma classe de trabalho, publico ou privado, leigo ou religioso, de beneficencia, usinas, manufacturas, officinas ou suas dependencias, seja de que natureza for, emprezas de transportes, estações e outras repartições de viação, em geral em todo o trabalho que acarrete perigo á pessoa, prejuizo á saúde e danno á moral do menor ou adolescente”. Da maneira como a Commissão se pronunciou refer-se a acta da reunião de 11 de novembro de 1919: – Votam pelos 14, os Srs. José Lobo, Nicanor Mauricio, Pernetta, Tourinho. O Sr. Bezerra vota pelos 14 anos, mas aceitaria de preferncia 12, quando esse já soubesse ler. O Sr. Augusto de Lima, com a suggestão do Sr. Bezerra. O Sr. Jo´se Augusto, pelos 14, por