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Nos temas das razões morais, políticas, econômicas; razões de higiene e a consagração dos costumes, aludidos no debate do Parlamento Nacional, foram termos cunhados nas críticas de Afrânio Peixoto, e esses pontos destacados por Carvalho Neto abriram a sessão de 13 de novembro, ocasião em que Carvalho Neto (1926) questionou a posição de seu opositor sobre a proposta de Afrânio Peixoto em que se deixasse o entendimento das horas trabalhadas sob o interesse dos interessados, ou seja, dos empregados e dos patrões. A réplica de Carvalho Neto se fixou em pergunta feita por Afrânio Peixoto, na crítica ao Código do Trabalho.

[...] “Não era mais justo, mais sensato, mais simples, estabelecida a semana de quarenta e oito horas de trabalho, o dia de repouso semanal, e ainda se quiserem a ‘week-end’, a folga do sábado á tarde, deixar o critério de divisão aos interessados, marcando comtudo o máximo de labuta diária, isto é, de 10 horas?” Redarguo eu: sim, está estabelecida a semana de quarenta e oito horas de trabalho; sim, está determinado o dia de repouso semanal; sim, está prevista a “week-end”, a folga do sábado á tarde! Deixar, porém, a critério da divisão de interessados, tal a razão capitalística que lhe propõe o nobre deputado, mas que o projecto prudentemente evitou. Entre os interessados pende a balança para o mais poderoso que é o capital. Desde que essa faculdade lhes fosse sem contraste conferida, é evidente que morta no nascedouro estaria no Brasil, a legislação social. (CARVALHO NETO, 1926, p. 57).

Contextualizar o problema diante dos reclames internacionais era uma premissa para Carvalho Neto, que em longas notas de rodapé aventava para que se notasse que o Brasil não estava fora das discussões internacionais e que as Convenções dialogavam dentro de princípios forjados na realidade industrial do mundo, que estava a pensar em soluções para um problema econômico urgente e, por isso, demandava soluções capazes de favorecer os trabalhadores.

Neste sentido, foi elucidativa a declaração de José Ibarê Dantas, em entrevista concedida à autora, quando conceituou Carvalho Neto como um político de tendências socialdemocrata, ao ponderar que “as ações de Carvalho Neto que conheço não me deixam dúvidas que era um homem com sensibilidade social, defensor das classes subalternas e

interessado em mudanças políticas, inclusive com a presença do Estado. Não o vejo como conservador, mas com tendências social-democráticas”. (José Ibarê Dantas, 2015).

Carvalho Neto falava com rigor sobre a determinação da lei, mas devo inferir que se espelhava nas práticas sociais, pois haveria de se lembrar da participação dos interessados para que a legislação fosse submetida à prática51 e não se constituísse em “letra morta”, como se nota sobre as medidas aventadas pelo Código do Trabalho.

[...] É o que, em verdade, se lê nos parágrafos 1º e 2º, do art. 2, ipsis verbis: “§ 1.º Esses decretos serão baixados por solicitaçãode associações profissionais ou partes interessadas, mediante proposta fundamentada do Conselho Nacional do Trabalho. § 2.º Em todos os casos, o Conselho Nacional do Trabalho ouvirá o parecer das associações profissionaes interessadas, organizadas legalmente e registradas na secretaria geral do mesmo conselho, marcando-lhes, para emitirem o seu parecer, o prazo mínimo de um mez”. Eis ahi a solicitação dos interessados sob o amparo do Conselho Nacional do Trabalho, obrigado a conhecer as associações nacionais do paiz, para funcionar proveitosamente como órgão de informação e consulta junto ao Governo. Não é só; o parágrafo 4.º do citado artigo responde precisamente á objeção, reduzindo-a nestes termos: “§ 4.º Os decretos que forem baixados para os fins deste artigo, deverão levar em conta os acordos que existirem, entre as organizações patronaes e operarias interessadas”. (CARVALHO NETO, 1926, p. 58).

Legalidade, em grande medida, era a tônica do discurso de Deputado Federal, por isso se torna compreensível que levasse ao pé da letra jurídica as reflexões sobre Código do Trabalho. A resposta dada tinha de ser buscada nos termos do Direito. No caso específico das relações entre o Conselho Nacional do Trabalho e as associações profissionais ou sindicatos, tal prática já se constituía em realidade, mas para aquele intelectual haveria de se ter o Estado como mediador daquele consórcio. Eis aí um indício da necessidade de se ter um Estado intervencionista para a harmonização dos poderes; forma de ação governamental defendida por Carvalho Neto, com muita ênfase, no aspecto da elaboração e regulamentação da Legislação Social.

[...] Que significa, Sr. Presidente, esse levar em conta os acordos senão o permitir aos interessados que se conchavem, que se harmonizem? Não lhes tolhendo, como se vê, a faculdade de se ajustarem pelo melhor modo, o Código, entretanto, teve a precaução salutaríssima de fazer intervir o Poder Público, meio único eficiente de tornar obrigatória e infraudavel a

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51 Cf. Faria Filho, 1998. Neste texto, o autor problematiza o uso de textos da legislação escolar como fonte para os estudos em História da Educação, tirando estes escritos de uma situação estática e apresentando-os como elementos significativos da experiência do sujeito histórico, porque revelam as práticas sociais, os gostos, os pensamentos reveladores do pertencimento social dos agentes escritores da legislação. Faria Filho (1998) mostra no texto que a legislação não se trata de dispositivos sem vida.

combinação avançada entre partes tão desiguaes: – patrões e operários. [...] Não ficou ahi a mão do mondador; por todos os lados cortou a falante, em golpes repetidos. Já quase não havia no corpo mutilado do pobre Código uma parte são, quando o nobre deputado lhe foi ao cerne, com uma serie de pancadas rijas. Disse: “As industrias têm folgas imprevistas, desarranjos de machinas ‘stocks’ excessivos, solicitações de produto, encomendas contractadas, e o trabalho se acelera ou se rêmora, o serão se impõe, ou sobrevem o fogo morto das pausas relativas... Não seria sensato, comprehendendo isto, dar elasticidade a essas relações de operários e patrões, que accordariam o seu regimen de trabalho dentro dos limites traçados, para evitar o abuso, a exploração, a fadiga, o cansaço? O projecto não attende a isso, e as modificações á regra, invariável quase de facto , das oito horas, são dependentes de tanta repartição e papelório, que praticamente são inexequíveis. A sombra dessa lei vae-se preparar uma burocracia inútil para entravar o malsinado trabalho nacional”. (CARVALHO NETO, 1926, p. 60).

O “chavão burocrático”, argumento usado por Afrânio Peixoto, não passava de uma estratégia para emperrar a aprovação do projeto, e Carvalho Neto declarara ser a crítica “arrolamento de inventos”, ao somar a sobra burocrática à crítica ao “Dia do Senhor”, que se referia ao fato do dia de descanso semanal ter sido escolhido para os domingos.

Essas discussões remetem ao que Bourdieu (1996) fala sobre “o real e o relacional”, quando afirma que “o habitus é esse princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens e de práticas” (BOURDIEU, 1996, p. 21-22) e, portanto, tais práticas promovem distinções nas relações sociais. Ao mesmo tempo em que o habitus identifica gostos e preferências nas formas de agir, ele também se incorpora a um sistema de classificação social que se dá a partir da luta existente no espaço social.52 Esta explicação de Bourdieu (1996) auxilia na interpretação que faço acerca do espaço social e simbólico aos quais, possivelmente, pertencessem Afrânio Peixoto – médico psiquiatra e estudioso em medicina criminal53 – e Carvalho Neto – advogado, estudioso em Direito Criminal e Direito do trabalho – no contexto social do Brasil, nos primeiros decênios do século XX, e a representação que o debate enfrentado no Parlamento Nacional teve para a sociedade brasileira, naquele momento.

Afrânio Peixoto abordara a crítica ao descanso semanal numa perspectiva de se aliar o repouso hebdomadário às questões religiosas54, pois, para ele, o Código do Trabalho tratara este dispositivo como “o dia do Senhor”. No embate sobre o dia da folga do trabalhador, não se flagra a questão em si, mas como aqueles intelectuais tomaram, social e politicamente, a ______________

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Cf. Bourdieu, 1996.

53 Cf. Peixoto, 1916. Cf. Oda e Dalgalarrondo, s.d. 54 Cf. Carvalho Neto, 1926.

questão. Estariam implícitas, nas trocas de farpas durante o embate sobre o Código do Trabalho, as preferências pelas formas de estar no mundo, adquiridas em suas trajetórias de vida. Carvalho Neto era um homem religioso e sinalizou, em artigo na imprensa sergipana, que Afrânio Peixoto possivelmente era agnóstico, ao lembrar, em 1946, do embate que houve entre os dois, em 1926, no Parlamento Nacional.

[...] Na frágua de renhidas polêmicas doutrinárias, vinha de muito tempo sustentando os postulados da Igreja, entre nós, o jornal – A União – editado no Rio de Janeiro. Ali armaram trincheira FELÍCIO DOS SANTOS e LACERDA DE ALMEIDA, dois velhos paladinos da ação católica civil, continuadores do espírito de combate de CARLOS DE LAERT e AFONSO CELSO, precurosores dos mais notáveis. Mais tarde a ação católica organiza-se noutros centros de luta e vigilância, com uma plêiade brilhante de novos combatentes. Surgiram JACSON DE FIGUEIREDO, TRISTÃO DE ATAÍDE, JONATAS SERRANO, HAMILTON NOGUEIRA, PERILO GOMES, DURVAL DE MORAES, TASSO DA SILVEIRA e tantos outros de pról. Coube a OSÓRIO LOPES, dessa coluna dos moços, escrever pel’ A

União a crítica ao meu Legislação do Trabalho (8 – 8 – 926). Fê-lo num

longo artigo de doutrina, colocando a solução da agitada questão social no plano da ordem católica, de que era defensor convicto e esclarecido. Por isso mesmo, abordou com mais acentuada atenção o que dizia respeito a essa ordem, perturbada pelo agnosticismo de tantos legisladores alheios á condições reais do Brasil [...]. (CARVALHO NETO, 1946, Diário de Sergipe55, p. 10, grifo do autor).

Em seus escritos posteriores ao ano de 1926, portanto, Carvalho Neto deixara implícito e explícito que os assuntos da religião faziam parte das formas de sociabilidade do homem brasileiro, e afirmou, também, que os dilemas entre a Razão e a Fé estariam sempre presentes na vida da humanidade. Nos discursos da Academia Sergipana de Letras, imprensa56 ou anotações nas fichas de leitura, aquele intelectual sergipano deixara registrado que este fora um dos dilemas com os quais se debatera.

Neste sentido, entre os pontos polêmicos debatidos na ocasião da feitura do Código do Trabalho, estava a questão do repouso hebdomadário.

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55 Cf. Carvalho Neto, 1946. Numa série de artigos escritos em 1946, em coluna de título Fragmentos, Carvalho Neto produzira uma memória sobre sua própria trajetória, em que abordara temas aos quais se debruçara no campo político, profissional e pessoal. Naqueles artigos, discorrera sobre a Legislação do Trabalho, Direito Criminal, Educação dos Anormais, amizade, literatura e instituições culturais como a Academia Sergipana de Letras. Os artigos forma escritos durante o ano de 1946 e produziram certo ajuste de contas com o Estado brasileiro, Sergipe e possíveis desafetos; aquele intelectual fizera, também, elegias à família, à Religião, à Ciência e aos amigos, como já abordei em minha dissertação (2008) e no livro que dela foi publicado (2013). Uma fonte significativa para diversas possibilidades de estudos históricos no campo da Educação.

[...] Annota por deante a crítica, no arrolamento dos seus inventos, mais um caso interessante, que lhe deu azo a investir directo e rijo contra a religião. Mas desta feita, ainda, Sr. Presidente, não vai vingar o artifício. Por mais microscopicamente que se exerça a analyse no corpo do projecto, não se lhe há-de topar com esse proposito sectário, com essa preocupação religiosa. No entretanto, o nobre deputado o affirma e repete nestes termos: “Outro caso interessante é o dia de repouso hebdomadário, descanso semanal, que o legislador quer seja no domingo, naturalmente, o dia do Senhor, o dia de missa ou o de leitura da Bíblia”. Por ser o domingo o dia do Senhor, o dia da missa, ou o de leitura da Bíblia, nota-se na preferencia que se lhe deu para o descanso semanal o intuito confessional! [...] (CARVALHO NETO, 1926, p. 61-62).

O argumento maior de Carvalho Neto (1926), naquele embate, referia-se aos costumes do Brasil, e tal perspectiva não deveria deixar de entrar no exame dos parlamentares sobre a legislação social em questão. Há de supor-se, entretanto, que nas razões daquele intelectual, estavam embutidos a sua maneira própria de pensar e seus próprios costumes, educação e as preferências também estavam inseridas nas formas de ver o problema da regulamentação do trabalho no Brasil. Este foi um impasse que marcou a defesa do Código do Trabalho. Porém, não penso que se trate de distinções sociais, políticas e culturais apenas no foro daquelas sessões nas quais as regras de conduta com relação ao trabalho tiveram relevo, lembremos que as representações sociais estão carregadas com os modos de pensar intrínsecos à sociedade ocidental, como advertiu Elias (1994).

Para Carvalho Neto (1926) os valores morais e questões religiosas não estariam, desta forma, dissociados da vida industrial em material, pelo que se apresenta no documento em análise.

[...] Querendo desvendar preocupação religiosa onde ella não existe, o que das palavras transcriptas a descoberto se patenteia é a preocupação contraria, isto é, a de extremar a sociedade da religião, a de afastar os interesses Moraes das vocações religiosas. Chanfrando por deante nesse art. 6 do Código, chega o censor a esta conclusão: “... essa lei cuja tendência religiosa vem complicar um assunpto já resolvido sem nenhuma irreligião”. Se já resolvido o assunpto, Sr. Presidente, e sem nenhuma irreligião, porque, então, surde, inopinada, esta censura serôdia e heterodoxa? O caso é dos que merecem ser tratados amiúde, tirando-se em limpo o pensamento do projecto. Antes de mais, conhecer exatamente o dispositivo impugnado, que tal se redige: “Art. º Nos serviços a que se refere o artigo 1.º da presente lei será concedido aos empregados e operários um dia de descanso por semana,

devendo o descanso semanal reccahir no domingo e ter uma duração mínima

de vinte e quatro horas consecutivas”. (CARVALHO NETO, 1926, p. 64, grifo do autor).

Estaria, pois, a legislação brasileira, consoante a lei francesa, sob sugestão do quem já havia se constituído pelo Pacto de Versailles. Além de citar a França como exemplo a seguir, Carvalho Neto preceituara que “nem mesmo pelo alastramento das doutrinas protestantes nos paizes anglo-saxões, dali se erradicou tradição catholica, no descanso dominical”. (CARVALHO NETO, 1926, p. 65).

A despeito de inclinações religiosas que mantinha como alicerce para efeitos da moral concebida na sociedade, Carvalho Neto também aludira que no Estado leigo os costumes se inseriam nas análises jurídico-sociais e este fator tinha força relevante nas proposições das normas de conduta sociais. No trabalho, portanto, as normas deveriam ser pensadas com ponderações que não ferissem ou desrespeitassem os costumes. Outros fatos contribuiriam, sobremaneira, para o estabelecimento das normas na Europa, como as reuniões internacionais, a exemplo da Conferência de Paz.

[...] É de relembrar, por vir a talho de foice, o que na Allemanha, quando se disputava no Parlamento, em 1878, a adopção dessa medida, pronunciara Windthorst, no Reichstag: “eu não quero coagir o aperario a ir á Igreja; quero, porém, uma lei que lhe dê essa faculdade, se á Igreja deseja ir”. E penetrando mais em cheio no cerne da questão, perguntava: “Que cousa é, pois, senhores, permitir o trabalho dominical, senão impedir aos operários o cumprimento de seus deveres religiosos?” [...] A conclusão intorcível, inevitável, seria esta que, de prompto, foi dada: “Basta que a observância do domingo não seja obrigatória, assim para o patrão como para o operário, para que este não se veja obrigado a trabalhar contra a sua vontade, sob pena de pelos outros se ver prejudicados” (Obr. Cit., p. 408). Nesta ordem de idéas, Sr. Presidente, longe se chegaria se fôra mister reborar esta demonstração com outras provas de melhor quilate. Não há, porém, necessidade de que evidencia tal se ampare a outros quaisquer argumentos. Só o rancido irreligioso do nobre Deputado poderia, em verdade, descobrir preocupação religiosa nos autores do projecto, em cujo contexto disso não se encontra, á luz mais meridiana, um indicio sequer. (CARVALHO NETO, 1926, p. 69-70).

Consagração dos costumes, aludida por Carvalho Neto, foi premissa constituída na longevidade da defesa que aquele Deputado Federal fizera do Código do Trabalho, ao ser constituído como relator do projeto. Mas o que provocou em Carvalho Neto responder à polêmica sobre o descanso semanal foi o fato de Afrânio Peixoto ter declarado que o projeto forçaria em dominical o dia de repouso, e isso, consequentemente, seria levado a uma razão religiosa, conforme o debate entre aqueles parlamentares.

[...] O SENHOR AFRANIO PEIXOTO – V. Ex. não encontra no meu discurso cousa alguma contra o descanso hebdomadário, caia em domingo

ou em qualquer outro dia. O que afirmei é que o projecto transforma o repouso hebdomadário em repouso forçadamente dominical. O SR. CARVALHO NETO – Não apoiado, estão escriptas as palavras de V. Ex. O SR AFRANIO PEIXOTO – Nas industrias continuas não é possível fazer o repouso, sinão pelo revezamento, embora muitos operários tenham que trabalhar aos domingos. Aos domingos não haverá traways, não haverá todas as manifestações da vida nacional? A preocupação confessional é que eu censuro. Que o repouso hebdomadário seja admitido pelo consenso universal, ninguém contesta. V. Ex. está, positivamente, empurrando uma porta aberta, e a intriga religiosa não colhe. O SR. CARVALHO NETO – Não há tal intriga religiosa em entrar pela porta aberta que V. Ex. escancarou. O SR. AFRANIO PEIXOTO – V. Ex. está chamando pouco talentosos aos que não são religiosos. Os talentos, que bondosamente me attribue, me levaram a votar as emendas chamadas religiosas; por conseguinte, a intriga não colhe. (CARVALHO NETO, 1926, p. 70).

O que Afrânio Peixoto não admitira como possível é que sendo o domingo escolhido para o descanso semanal, nas indústrias chamadas contínuas, ou seja, aquelas nas quais o trabalho não poderia ser interrompido, o revezamento, necessariamente, teria que usar o dia de domingo, ao que redarguiu: “Pois, então, um alto forno que está aceso de dia e de noite pode parar aos domingos para se rezar?” (PEIXOTO apud CARVALHO NETO, 1926, p. 70). O tom da ironia carregava, em certa medida, a vontade da provocação, pois Afrânio Peixoto se mostrava, no discurso, como um homem liberal. Levar em conta os costumes não era, possivelmente, para aquele parlamentar, razão suficiente com vistas às regras. Porém, na argumentação que se contrapunha à crítica, Carvalho Neto rebatera, ao dizer que se aos domingos se reserva para o “Dia do Senhor”, as leis deveriam respeitar, além do fato do assunto de que a legislação teria que levar em conta os princípios considerados como “princípios universais” (CARVALHO NETO, 1926, p. 72). Contudo, Afrânio Peixoto afirmara que “[...] é um erro fazer-se aqui leis francezas, quando a lei deve ser brasileira. V. Ex. quer ver como a lei deve ser local?” (PEIXOTO apud CARVALHO NETO, 1926, p. 72).

Sobre esta contenda não haveria de se ter acordo, como não houvera em todos os outros pontos de discordância. Aqueles intelectuais estavam a protagonizar várias polêmicas de uma temática urgente na sociedade brasileira da época. Carvalho Neto não abrira mão das convicções culturais, econômicas, políticas e sociais as quais abraçara até aquele momento. E, na religião e no trabalho, haveria de se verificar as ideias vindas da Europa, com vistas a rumos de desenvolvimento mais seguros ao Brasil. Entre o capital e o trabalho, haveria de se respeitar as questões dos costumes e os Estados europeus não estavam a desconsiderar estas premissas. Por outro lado, para Afrânio Peixoto, os discursos de Carvalho Neto não passavam

de “longa dissertação sobre as vantagens da religião, que nada tem a ver com o Código do Trabalho.” (PEIXOTO apud CARVALHO NETO, 1926, p. 74, grifo nosso).

Entretanto, mesmo contrariando Afrânio Peixoto, Carvalho Neto produzira longa dissertação, tomando como exemplo as confrarias entre representantes dos governos europeus e o Papa Leão XIII, quanto às questões do capital e trabalho. Destaco, daquele diálogo, dois momentos. Um, no qual Carvalho Neto cita Guilherme II57 (1859 – 1941), quando aquele imperador promovera a Conferência de Berlim em 1890, tendo comparecido para o evento a Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e Suíça.

Como ponto alto daquela Conferência de 1890, Carvalho Neto destacara que entre os governos convidados, Guilherme II fizera um apelo a Leão XIII, chefe da Igreja Católica. Foi a carta enviada pelo “Summo Pontífice”, que Carvalho Neto usara como um dos argumentos para convencer seus pares do Parlamento e responder, sobretudo, a Afrânio Peixoto. A carta,