• Nenhum resultado encontrado

A luta pelo Direito se reflete na obra daqueles juristas cultuados pelo tempo histórico de Carvalho Neto (1946), referidos em seu livro, vindos do século XIX, que se eternizaram na formação da Cultura Jurídica Ocidental, como o alemão Rudolf von Ihering (1980), para quem a luta pelo direito fazia parte duma “finalidade ético-prática”, senão vejamos:

[...] Na primavera de 1872 proferi uma conferência na Sociedade Jurídica de Viena, que foi publicada no verão do mesmo ano, em versão bastante ampliada e adaptada a um círculo de leitores menos restrito, sob o título A

luta pelo Direito. O objetivo primordial que me animou na feitura da

publicação do trabalho não foi a explanação teórica, mas a realização duma finalidade ético-prática. O que tive em mente não foi a divulgação do conhecimento científico do direito, mas antes a promoção do estado de espírito em que este há de buscar sua energia vital, e que o conduz à atuação firme e corajosa do sentimento de justiça. As sucessivas edições do opúsculo provam que o êxito inicial do mesmo não foi devido ao gosto pela novidade, mas à convicção do grande público sobre o acerto da concepção fundamental nele expressa. (IHERING, 1980, p. 1-2, grifo do autor).

Ao falar sobre a “ética-prática”, Ihering (1980) desenvolveu o pensamento de que a luta pelo direito se fundamentava na ideia-força de que aquilo que era representado como uma condição de merecimento, ou seja, de direito, não deveria ser pisoteado. Desta forma, tal condição não cessa, porque faz parte da existência, integra a condição do bem-estar do sujeito na sociedade. Ihering (1980), uma das fontes nas quais Carvalho Neto fora buscar as bases para seu pensamento jurídico, produzira em seu discípulo aproximações na forma de

problematizar o conceito de Direito, e o que ele representava para a sociedade naquele momento.

Tal como um de seus mestres, o discípulo produzira ensinamentos razoáveis sobre a formação da ética, da prática e dos ordenamentos sociais, conforme preceitos científicos do campo no qual lutava. Se Ihering (1980) representou uma das fontes históricas e filosóficas do Direito Ocidental, possivelmente, a partir deste trabalho, Carvalho Neto representou e continuará a representar, por algum tempo, referência relevante para a História do processo formativo dos advogados; o que pode ser compreendido dentro da formação de uma Cultura Jurídica, ou seja, um modo de produzir um habitus, uma maneira de comportamento com vistas a um ordenamento social e jurídico, traduzida nas ações do profissional do direito e nas relações que daí emergem com as instituições sociais, políticas e econômicas, num espaço social específico.

Porém, a luta travada mobiliza um conjunto de capitais: cultural, econômico, social, simbólico, em disputas que se articulam e produzem a mobilização do campo, na busca possível da formação ética e moral da profissão do advogado.

Para analisar o pensamento traduzido na obra de Carvalho Neto (1946), apanhamos o conceito de Cultura Jurídica, por meio de Barreto (1922), Reale (2002), Nader (2015) Ramos (2012). Os três primeiros, considerados clássicos do pensamento jurídico brasileiro; quanto ao último, posso denominar dono de um pensamento mais contemporâneo, porém, tradutor da História da Cultura Jurídica Ocidental. Todos eles me ajudaram a compor entendimento possível, para arriscar dizer o que compreendo do conceito, para afirmar que Carvalho Neto (1946) contribuíra para a formação da Cultura Jurídica na primeira metade do século XX.

Ao lutar pelo processo de formação do campo jurídico, Carvalho Neto afirmara, peremptoriamente, do início ao fim das 535 páginas do livro, que se dirigira aos moços – a exemplo de muitos juristas de seu tempo, como Levi Carneiro, Mário de Souza, Silva Lima, entre outros –, abordara sobre o que não fora falado, sobre o que não fora problematizado. Em seu desiderato, abrira diferentes perspectivas, como a provocação da existência de vários “Brasis”, ao comparar os acontecimentos das metrópoles com os do interior do Brasil, ao contestar e esquadrinhar as relações de disputas entre as diversas faces da justiça brasileira, deflagradas pelas relações entre seus agentes, como juízes, advogados e as instituições envolvidas no campo de lutas do Direito, como o Ministério Público. Porém, as diferenças não escondiam as diversas realidades que se configuravam na formação de um só Brasil, de uma cultura: em particular, a jurídica.

[...] Vamos da província à Metrópole. É o advogado do interior, com as suas lutas, as suas reações, o seu desconforto. Pela semelhança de aspectos sociais, pela mesmice das cenas forenses, o Brasil do interior é um só, por todos os quadrantes. Está-se no Amazonas, como no Rio Grande do Sul; na Paraíba, como em Mato Grosso. O provincianismo vale, destarte, como ‘uma

condição de vitalidade, de autenticidade, de vigor, de permanência e de espontaneidade, para a nossa literatura, para a nossa cultura em formação’ consoante a expressiva assertiva de GILBERTO FREYRE (A condição de provincianismo no Brasil – Cultura Jurídica – Ano II – n. 15). (FREYRE

apud CARVALHO NETO, 1946, p. 10, grifo do autor).

Assim, é razoável destacar que Carvalho Neto, em seu livro Advogados (1946), articulou pensamentos convergidos para sua época e que produziram impacto na sociedade brasileira, História do Direito, tendo sua obra atravessado o século XX, constituindo-se referência na atualidade na problematização de procedimentos jurídicos, no comportamento adquirido pelos profissionais do campo, e suas relações com o ordenamento jurídico, visto na esfera pública e privada.

Nesta seção me debrucei à investigação do pensamento daquele intelectual, que apanhou o seu capital cultural, social e político e transformara em fontes que ajudaram a produzir uma memória de sua própria trajetória, mas também ajudou a construir a História do Direito no país, por ter participado, efetivamente, da formação de sua Cultura Jurídica.