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Na perspectiva de esquadrinhar as obras escolhidas, utilizei a pesquisa documental, por meio da qual foi realizada a revisão de literatura sobre análise de obras e percursos de intelectuais da educação e suas representações acerca da educação em Sergipe e no Brasil. Tal metodologia permitiu examinar a produção e, em certa medida, apropriação e circulação das obras, a partir da crítica recebida. Foi possível, ainda, o recurso do depoimento oral e escrito, pois existem pessoas em Sergipe que puderam colaborar na apreciação pretendida.

Assim, pretendi localizar e investigar, na escrita de Carvalho Neto, as ações em respostas às necessidades analisadas por aquele intelectual no campo educacional.

Pierre Bourdieu (2004) ajudou-me a compreender como os capitais social, cultural e científico, espécies de capitais incorporados no capital simbólico, facultam estabelecer uma relação entre as práticas sociais, as representações e o campo educacional na História Cultural, pois é de seu lugar que construí o meu discurso aqui proposto. Como capital social, Bourdieu apreende as “relações de força entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de força social – ou de capital – de modo a que estes tenham de entrar nas lutas pelo monopólio do poder”. (BOURDIEU, 2004, p. 29). O capital simbólico, resultado destas disposições objetivas, é “percebido por um agente dotado de categorias de percepção resultantes da incorporação da estrutura da sua distribuição, quer dizer, quando conhecido e reconhecido como algo de óbvio”. (BOURDIEU, 2004, p. 145).

Ao estudar a produção intelectual de Carvalho Neto, o capital simbólico é compreendido aqui por meio do vasto conhecimento da Ciência do Direito, das Ciências Naturais – conforme o pensamento positivista do início do século XX –, além do interesse e conhecimento impresso nas obras daquele intelectual sobre a cultura clássica. Tal conhecimento se constituiu em seu capital cultural e científico, concedendo a ele capital simbólico, distribuído nas representações das posições sociais, políticas e culturais ocupadas por ele em sua trajetória de vida.

Tais capitais não teriam relevância, caso Carvalho Neto não possuísse um capital científico considerável, característica dos intelectuais que nasceram entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Como advogado, ele participou de um seleto grupo social que compreendia a vida intelectual sergipana, e também, pela condição do campo no qual se situava e atuava, contribuiu, em grande medida, sobre assuntos educacionais.

Tal situação já foi demonstrada, sob alguns aspectos da História dos Intelectuais, na Dissertação de Mestrado, defendida em 2008, em que destaquei:

Segundo Eugênia Andrade Vieira da Silva (2004), o magistério sergipano, já no século XIX, era ocupado, entre outros profissionais, por bacharéis de Direito e Médicos. Esses profissionais exerciam cargos vinculados à Instrução, o que permitia a eles uma visibilidade no campo intelectual, legitimando-os como representantes da elite intelectual sergipana. No século XX, podemos assinalar a continuidade desse fato, dadas às devidas proporções, especialmente, nas primeiras décadas. Advogados e médicos ficavam famosos quando se assentavam nas discussões do ensino e tratavam de medidas relacionadas à demanda da modernidade pedagógica sergipana. Os discursos jurídicos e médicos estavam em voga na sociedade ocidental desde o século XIX. Vale notar que, no Brasil, Medicina e Direito fizeram parte de maneira marcante na vida da História da Educação nos debates sobre a proteção à infância. (LIMA, 2008, p. 118).

Pelo exposto, compreendo que, ao ter sido da direção de instituições educacionais, como a Direção Geral de Instrução Pública (1918 – 1920), e ter participado de outras instituições de ensino, Carvalho Neto tenha sido motivado a escrever sobre educação.

Realizar este trabalho sobre a produção intelectual de um sergipano remete-me a outros sergipanos investigados por estudiosos que produziram pesquisas no Núcleo de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe. Selecionei alguns desses trabalhos para justificar que os estudos sobre os intelectuais e suas obras, escritas ou não, têm possibilitado levantamento significativo sobre a História da Educação em Sergipe.

Úrsula Rangel Albuquerque (2004) produziu um trabalho a partir de dois romances de Alina Paim, Simão Dias e Estrada da liberdade, focalizando as representações de luta e docência na literatura modernista.

Dionísio de Almeida Neto (2005) tratou, em sua Dissertação de Mestrado, da trajetória de Domingos Quirino de Souza, numa perspectiva histórico-biográfica, enfocando suas práticas e sua formação intelectual, buscando compreender “as relações entre o processo de romanização do clero ocorrido no Brasil, durante o século XIX e as práticas do padre-mestre”. (ALMEIDA NETO, 2005, p. 17).

Cristina de Almeida Valença (2006) analisou a contribuição do médico sergipano Helvécio de Andrade para a difusão dos pressupostos do discurso de modernidade nas práticas pedagógicas da Instrução Pública em Sergipe. Helvécio de Andrade, médico, foi um intelectual com experiência de gestão sanitária em outra cidade, Santos/SP. Voltando a Sergipe, participou em vários momentos como Diretor Geral de Instrução Pública, produzindo obras pedagógicas para a formação das normalistas sergipanas.

Cristiane Vitório de Souza (2006) fez observações sobre As leituras pedagógicas de Sílvio Romero, procurando compreender “as competências e práticas de leitura do intelectual sergipano, traçar um perfil da Biblioteca Pedagógica de Sílvio Romero” (SOUZA, 2006) e assimilar como se apropriou das leituras de Herbert Spencer, Edmond Demolins, Paul de Rousiers, Henri de Tourville e Vacher de Lapouge. Ela utilizou como fontes o acervo da própria biblioteca daquele intelectual, cartas e obras escritas por ele.

Christine Arndt de Santana (2008) investigou a função educadora dos textos de Voltaire, fazendo uma relação com educação e literatura, a partir da ilustração francesa. Ela enfatizou em seu trabalho que a filosofia de Voltaire e sua obra objetivava “civilizar, esclarecer, formar e educar os seres humanos”. Suas fontes foram as obras que identificavam e caracterizavam o pensamento de Voltaire como um educador do século XVIII.

Algumas das pesquisas citadas, como a de Dionísio de Almeida Neto (2004) e Cristina Valença (2006), não pretenderam, a despeito do objetivo que ora apresento, analisar suas personagens tendo como foco as obras escritas por eles, mas se utilizaram, com ênfase, da produção intelectual das personagens para fazer a relação de sua trajetória com a investigação histórica e a História da Educação em Sergipe, como no caso específico de Cristina Valença. Diferente de Úrsula Rangel Albuquerque (2004) que se utilizou das obras literárias de Alina Paim para traçar um perfil da personagem estudada.

Sobre a importância das referências enunciadas, lanço mão do que disseram Bontempi Júnior, Jorge Carvalho do Nascimento e Maria Rita de Almeida Toledo (2003), referindo-se à investigação deles sobre as leituras de rodapé na obra de Fernando de Azevedo:

Este estudo busca compreender os fundamentos do discurso de Fernando Azevedo, dando prioridade ao sujeito intelectual. Suas fontes são as obras publicadas por este autor que trouxeram notas e referências nas quais buscou ancorar as suas formulações, revelando as suas preferências de leitura e interlocuções. (BONTEMPI JÚNIOR; NASCIMENTO; TOLEDO, 1993, p. 7).

Outros estudos sobre intelectuais ligados à educação na República brasileira foram realizados por historiadores. Monarcha (1999) produziu trabalho monográfico ganhador do “Prêmio Lourenço Filho”. Seu trabalho investigou a produção intelectual de Lourenço Filho a partir da “organização da psicologia aplicada à educação”. O prêmio foi conferido pela Academia Brasileira de Educação.

Num estudo que se dedicou ao exercício memorialístico da História da Educação, Zaia Brandão (1999) construiu a trajetória do “último pioneiro” da Escola Nova no Brasil, Paschoal Lemme, pretendendo não somente “recuperar a reflexão de inspiração marxista entre os pioneiros” (BRANDÃO, 1999, p. 11), mas também esquadrinhar, segundo ela própria, o “pensamento pioneiro silenciado”.

Murilo Badaró (2000) elaborou biografia sobre o intelectual da Educação Gustavo Capanema, enfatizando, entre outros fatores, seu caráter reformista, poder na liderança administrativa da Educação e sua postura de estadista.

O médico Afrânio Peixoto figurou na História da Educação na República como um dos principais intelectuais da Educação. Ele foi um dos primeiros professores a ensinar a disciplina História da Educação no curso da Escola Normal no Rio de Janeiro. “Peixoto foi também o autor do primeiro manual didático brasileiro sobre história da educação, publicado,

em 1933, pela Biblioteca Pedagógica Brasileira, na série Atualidades Pedagógicas”. (VIDAL; FARIA FILHO, 2005, p. 89).

Na tese de Cristiane dos Santos Souza (2012), a autora investigou sobre “a trajetória intelectual de Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo (1872–1955), advogado, professor e político paranaense”, na qual procurou perscrutar “como os debates em torno da educação do final do século XIX e início do século XX no Brasil contribuíram para o reconhecimento público de seu grupo intelectual e o favoreceram para que se estabelecesse como sujeito no cenário educacional, jurídico e político no estado do Paraná”. (SOUZA, 2012, p. 11). Nesta perspectiva, a autora buscou uma compreensão de como as redes de sociabilidade contribuíram para a legitimação daquele intelectual na sociedade paranaense, contudo, procurou estabelecer relação entre essas redes e as singularidades do indivíduo.

Dedicado a estudar como se produziu na História os estudos sobre os intelectuais, Vieira (2008; 2011) elegeu Gramsci como objeto de estudo, esquadrinhando as fontes produzidas por aquele intelectual italiano, bem como aquilo que se produziu sobre ele.

[...] Nestes termos, considerando que o leitor ideal deste texto está interessado em pesquisa histórica, optamos pela discussão de alguns aspectos do corpus documental que encerra as ideias de Gramsci e, posteriormente, pela análise do lugar do conhecimento histórico no âmbito do projeto intelectual gramsciano. O roteiro analítico que propomos investe na discussão sobre as condições de interpretação do pensamento gramsciano. A reflexão sobre essas condições sugere minimamente duas frentes: a crítica documental, ou seja, a discussão sobre as fontes que testemunham suas ideias, uma vez que esse procedimento é condição para a leitura histórica, sobretudo pelo fato de que os processos de publicação e recepção dos seus escritos foram marcadas por profundas polêmicas teórica e política; na sequência, investiremos no entendimento do projeto intelectual gramsciano, particularmente na análise do lugar ocupado pelo conhecimento histórico na sua produção (VIEIRA, 2011, p. 75-76).

A escolha para o estudo de Vieira (2011) se pautou no pensamento histórico produzido sobre Gramsci, contrapondo-o com a própria produção daquele intelectual, bem como as condições históricas que produziram a clivagem dos discursos postos. Tal procedimento metodológico assumiu, para Vieira (2011), condição fundamental para lograr à sua pesquisa possibilidades de desencarnar a personagem histórica, humanizando-a.

A estratégia em pensar o intelectual em dimensão que insere uma época, circunstâncias políticas, econômicas, sociais, lugar de origem do discurso, circulação, ações que se seguiram, investigação das ideias, das trajetórias, e o papel assumido pelos sujeitos, está presente na dissertação de mestrado de Dalva Regina de Araújo da Silva (2013), que ao

se debruçar sobre a questão educacional do Império brasileiro, sua investigação foi pensada na “agenda política” de Joaquim Nabuco.

O que se depreende desses estudos é que não compreendo ser possível analisar a obra dissociando-a da época em que está inserida, dos grupos e das interdições sofridas por ela no momento de sua produção, apropriação e circulação e, tal como afirmou Norbert Elias, ratificando que a produção do indivíduo está relacionada a tudo o que a sociedade à qual ele pertence produz:

Desde que permaneçamos dentro do âmbito da experiência, contudo, somos obrigados a reconhecer que o ser humano singular é gerado e partejado por outros seres humanos. Quaisquer que tenham sido os ancestrais da humanidade, o que vemos, até onde nos é possível divisar no passado, é uma cadeia ininterrupta de pais e filhos, os quais por sua vez, se tornam pais. E não se pode entender como e por que os indivíduos se ligam numa unidade maior, uns através dos outros e com os outros, quando se oculta de si mesmo essa percepção. Todo indivíduo nasce num grupo de pessoas que já existiam antes dele. E não é só: todo indivíduo constitui-se de tal maneira, por natureza, que precisa de outras pessoas que existam antes dele. Uma das condições fundamentais da existência da humanidade é a presença simultânea de diversas pessoas inter-relacionadas. E se, para simbolizar a própria auto-imagem, precisamos de um mito de origem, parece ser chegada a hora de revermos o mito tradicional. (ELIAS, 1994, p. 26-27).

Elias (1994) me faz compreender que a interdependência não permite a dissociação entre indivíduo, sociedade e sua produção, portanto, não poderá ser entendida sem este vínculo, o qual ele denominou também de social.

Desta forma, as relações sociais se distinguem e se estabelecem pelas relações de força e pela conquista de espaços sociais. O discurso produzido sofre as interferências do que se encontra exterior a ele, como afirma Foucault (1971), e também revela o que está em jogo na percepção do desejo de poder.

Suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é simultaneamente controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos que têm por papel exorcizar-lhe os poderes e os perigos, refrear-lhe o acontecimento aleatório, disfarçar a sua pesada, temível materialidade. [...] o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que procuramos assenhorear-nos. (FOUCAULT, 1971, p. 2).

Nas obras as quais analisei, localiza-se um discurso construído na direção do desejo de se fazer presente, de ser reconhecido socialmente, porque se tratava, no meu entendimento, do

objetivo de ensinar; por isso, disciplinar para um comportamento. Ao mesmo tempo, manifestava-se a aspiração de se colocar diante da sociedade uma prática cultural.

Tal prática cultural ali disseminada trouxe, para a época, as distinções e as apropriações do discurso, ou seja, “as formas de sentido”, por meio da cultura escrita produzida e por meio das diversas formas como aqueles discursos foram apropriados e recebidos. Essas distinções são investigadas em estudos sobre a revolução da escrita realizados por Chartier:

[...] Distinguem-se as idades e as épocas a partir das diferentes formas de escritura ou das diversas formas de transmissão dos textos. Dá-se atenção à significação intelectual, social ou política das rupturas que transformaram modos de inscrição, registro e comunicação dos discursos. (CHARTIER, 2003, p. 17).

A recepção e a apropriação de uma obra foram proporcionadas pela invenção da escrita, pela descoberta da imprensa, ocasionando a circulação do impresso; o que motivou, por sua vez, o aparecimento de várias interpretações sobre os escritos.

Assim, tomando como foco a apropriação e a circulação das obras de Carvalho Neto, no contexto das obras analisadas, busquei compreender como tal aconteceu, e de que maneira pode-se considerar que sua produção causou impacto na sociedade, considerando-se o fato de que o conjunto de autores escolhidos para orientação teórica pretendida tornou possível a compreensão pretendida.

Penso que, na tese proposta, examino, em certa medida, a história e a vida de inúmeros personagens que transitaram nos percursos da trajetória de Carvalho Neto – personagens escolhidos por ele, em diversos momentos, para compor as imagens esculpidas por aquele intelectual, em sua arte de escrever.

Neste sentido, ao cunhar a expressão usada na época – “escreve ao correr da pena” – para defini-lo, seus contemporâneos legitimavam o lugar ocupado por Carvalho Neto na intelectualidade sergipana, com expressividade destacada.

Vários jornais27 do país difundiam seus discursos proferidos no Congresso Nacional, ao tempo em que enfatizavam os temas debatidos internacionalmente, como o Direito Penitenciário, o Direito Trabalhista e a Educação. Ao longo dos discursos proferidos sobre o Direito Criminal e sua relação como o sistema penitenciário brasileiro, Carvalho Neto analisara as peculiaridades da imputação da pena, a normatização e as regras para sua ______________

interposição à luz da Constituição Brasileira, em fundamentação teórica publicada pelos juristas de expressão na literatura em tela, bem como trazia à baila as proposições feitas nos eventos de expressão jurídica, como as Conferências Nacionais e Internacionais.

Nas Leis Trabalhistas, juntava-se a outros especialistas brasileiros para discutir pontos importantes na configuração da vida dos trabalhadores, numa época em que o debate sobre o tema estava subordinado ao surgimento daquelas reflexões, ante as mudanças sociais, políticas e econômicas das primeiras décadas da República brasileira, ocasionadas pela industrialização e urbanização, sobretudo, nos grandes centros do país. Com relação à Educação, propunha com recorrência, em diversas obras, que ela funcionava como mola propulsora do desenvolvimento, da ordem e do progresso, como demonstra a investigação em tela.

Falar sobre aqueles intelectuais que marcaram as primeiras décadas do século XX no campo educacional brasileiro significa lembrá-los a partir da perspectiva política, social, econômica e cultural, procurando compreender suas realizações dentro de projetos políticos para a educação, atentando-se para eles sob a luz de novos olhares, para as possibilidades que a História permite, para as descobertas daquilo, cujo escopo pertencente a ela possa atrair: o gosto experimentado pelo papel desta ciência como estimuladora de um ofício que está sempre em construção.

Investigando sobre as funções e o papel da História, Marc Bloch ensina que um dos objetivos dessa ciência é entreter o historiador, ao discutir e responder sobre seu papel:

Decerto, mesmo que a história fosse julgada incapaz de outros serviços, restaria dizer, a seu favor, que ela entretém. Ou para ser mais exato – pois cada um busca seus passatempos, onde mais lhe agrada –, assim parece, incontestavelmente, para um grande número de homens. Pessoalmente, do mais remoto que me lembre, ela sempre me pareceu divertida. Como todos os historiadores, eu penso. Sem o quê, por quais razões teriam escolhido esse ofício? Aos olhos de qualquer um que não seja um tolo completo, com quatro letras, todas as ciências são interessantes. Mas todo cientista só encontra uma única cuja prática o diverte. Descobri-la, para a ela se dedicar é propriamente o que se chama vocação. [...] Como germe e como estímulo, seu papel foi e permanece capital. Antes do desejo de conhecimento, o simples gosto; antes da obra de ciência, plenamente consciente de seus fins, o instinto que leva a ela: a evolução de nosso comportamento intelectual abunda em filiações desse tipo. Podemos citar inclusive a Física, cujos primeiros passos devem muito aos “gabinetes de curiosidades”. (BLOCH, 2001, p. 43).

É nesta linha de pensamento que eu penso a História como ciência. Ela aguça a “curiosidade” do investigador e o leva a caminhos atraentes como as histórias de vida, as

trajetórias, os estudos biográficos, as histórias de intelectuais que podem ser chamadas de “biografias intelectuais”, como o fez Clarice Nunes (2000) ao se dedicar a investigar a vida e a obra de Anísio Teixeira, no campo educacional brasileiro e no percurso da Escola Nova no Brasil.

Produzir a biografia intelectual significa estabelecer uma epistemologia de pesquisa, propor ao intento procedimentos capazes de lhe indicar uma compreensão nos moldes dos caminhos científicos, ou racionalização da análise, tal qual aponta Bourdieu ao realizar um estudo de sua condição de intelectual:

[...] Mas a postura que sua pergunta me faz adotar – a autobiografia intelectual – faz com que eu seja levado a selecionar determinados aspectos da minha história, que não são necessariamente os mais importantes ou mais interessantes, mesmo em termos intelectuais (penso, por exemplo, no que lhe disse sobre a época em que era estudante e sobre a Escola Normal). Mas, sobretudo, isso me leva de certa forma a racionalizar tanto o desenrolar dos acontecimentos quanto o significado que ele tiveram para mim. Nem que fosse por um ponto de honra profissional. Nem preciso dizer que muitas coisas que desempenharam um papel determinante em meu “itinerário intelectual” caíram sobre mim por ocaso. Minha contribuição própria, com certeza ligada a meu habitus, consistiu essencialmente em tirar partido delas, bem ou mal (penso, por exemplo, que aproveitei muitas ocasiões que muitas