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EM NOME DO ESTADO: dos delitos e das penas

2.2 O objeto do estudo e a criação dos dogmas

É o direito penal uma das modalidades desse direito, fenômeno, como visto, com múltiplas facetas, cuja variedade vai caracterizá-lo como coisas diferentes, na dependência da predominância que cada pensador der a cada uma de suas particularidades.

134 Opta-se por um recorte que tem por objeto o direito criminal ocidental, que é o que se associa mais de perto às abordagens teóricas aqui já mencionadas, e, nas suas maiores especificidades, o direito criminal brasileiro.

Dentro dele, atenção maior será dedicada ao ordenamento positivo, envolvendo as categorias que o jurista deve manejar tendo em vista à aplicação da norma ao caso concreto, vale dizer, à decisão de conflitos, posto ser esta a meta final do sistema jurídico penal e aí residindo sua mais evidente carga pretensamente educadora.

O ordenamento jurídico penal brasileiro insere-se no âmbito da legislação nacional, que adota a forma escrita e se subordina a uma linha hierárquica de normas, ao topo da qual está a Constituição Federal. Esta orienta a normatização inferior através de princípios gerais, mas não limita expressamente a definição do conteúdo do que se queira tipificar como crime. Assim, o legislador infra-constitucional goza de considerável liberdade na eleição do que deva constituir infração penal, bem como na atribuição das respectivas sanções.

Por processo legislativo se entende um conjunto de atos oficiais ordenados para a elaboração de normas jurídicas. Compreende uma série de procedimentos tendentes a fazer de um projeto de lei uma idéia conhecida, debatida e eventualmente convertida em lei escrita (norma em sentido lato).

Segundo o direito brasileiro vigente, a elaboração de normas jurídicas atende a um processo previamente determinado, do qual ela extrai sua validade e seu conseqüente ingresso no universo jurídico. A juridicidade de cada norma repousa em sua conformidade com a norma imediatamente superior, na escala de hierarquia das leis, assim como no atendimento ao procedimento anteriormente estabelecido para sua edição.

A elaboração de leis, em sentido amplo, de norma jurídica escrita, pressupõe a obediência a um critério de competência distribuído segundo cada pessoa jurídica de direito público da qual pode emanar. Vale dizer, competência legislativa, isto significando que cada ente da federação tem atribuição para legislar segundo uma distribuição de competência, por assuntos, fixada pela Constituição Federal.

É a competência legislativa distribuída segundo cada esfera de poder, dentre os Municípios, Estados, Distrito Federal e União. Vale lembrar – e trata-se de aspecto da maior relevância, às vezes objeto de confusão – que não existe hierarquia entre os diversos

entes federativos no que concerne à sua competência legislativa. A Constituição Federal simplesmente define atribuições por matéria, algumas excludentes, outras concorrentes, mas não impõe, via de regra, prevalência a qualquer um deles, o que é compreensível considerado que cada qual legisla sobre o que lhe cabe.

Cuida-se, normalmente, de competências legislativas privativas, quer dizer, é uma atribuição que não cabe a nenhum outro ente do universo federativo.

Ocorre assim com a competência da União, que edita leis federais, isso nos termos do disposto no art. 22 da Constituição Federal, que estabelece competir privativamente a ela editar leis sobre direito civil, comercial, penal, desapropriação, águas, energia, serviço postal etc., incluindo um sem-número de temas distribuídos ao longo de vinte e nove itens.

Importa notar, a propósito, que o parágrafo único do mencionado art. 22 dispõe que os Estados podem receber autorização, através de lei complementar, para legislar sobre questões específicas relacionadas com tais matérias. Não se trata de competência legislativa concorrente, mas de uma atribuição para tratar de temas específicos, naturalmente obedecidos os princípios gerais postos pela lei federal respectiva.

Note-se que a competência legislativa da União, na forma fixada pelo art. 22 da Constituição, é expressa e taxativa, querendo isto significar que as matérias de sua alçada são detalhadamente estipuladas e que a União, fora desses casos – e de outros, também expressamente determinados – não tem atribuição para legislar.

Por último, sem embargo da competência concorrente fixada em favor da União, Estados e Distrito Federal pelo art. 24 da chamada Carta Magna, nem da prevalência ali reconhecida em favor da União no que toca a normas gerais, a invasão de esfera de competência legislativa por parte de ente que não a detenha implica na inconstitucionalidade da norma assim editada, como conseqüência da distribuição, feita pela Constituição, das diferentes atribuições legislativas.

No que respeita especificamente à competência legislativa federal, é o próprio texto constitucional que define as espécies de normas jurídicas de possível elaboração. E o faz através do art. 59, expresso em determinar o alcance do chamado processo legislativo, este compreendendo a elaboração de: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. Somente as emendas à Constituição e as leis propriamente ditas (complementares ou ordinárias)

136 podem tratar de matéria penal; a medida provisória, se definir crimes ou penas, somente surtirá efeito a partir do momento em que, aprovada pelo Legislativo, se converter em lei.

As emendas à Constituição se prestam a reformar o texto constitucional, em típica manifestação do poder constituinte derivado, e têm seu procedimento expressamente determinado pelo art. 60, seus incisos e parágrafos, da Carta Magna. Competentes para apresentar a proposta de emenda são as pessoas e entidades mencionadas nos itens I, II e III do art. 60, devendo esta, para aprovação, ser discutida e votada em dois turnos, em cada casa do Congresso, necessitando obter, cada vez, três quintos dos votos dos respectivos membros. Vale dizer, em Legislativo bicameral, como o brasileiro (que possui Câmara dos Deputados e Senado Federal), cada uma dessas casas deve aprovar o projeto por maioria dita qualificada. O quórum qualificado é reconhecido sempre que a aprovação deva ser feita por maioria que não seja simples, nem absoluta. Maioria absoluta significa metade mais um dos componentes da casa legislativa e maioria simples significa metade mais um dos membros presentes à sessão. Sempre que não se exigir quórum específico (maioria absoluta ou qualificada), basta que a proposta seja aprovada por maioria simples.

É importante notar, em tema de emendas à Constituição, que não pode ser objeto de deliberação qualquer proposta tendente a abolir a forma federativa, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação de poderes e os direitos e garantias individuais, dentre os quais se encontram assuntos relacionados ao direito penal. Cuida-se das chamadas cláusulas pétreas (de pedra) do texto constitucional, que fixam limites para a reforma da Carta por parte do poder constituinte derivado.

Lembre-se, por fim (art. 60, § 5º), que a proposta de emenda rejeitada ou prejudicada não poderá ser objeto de nova apreciação na mesma sessão legislativa. Por sessão legislativa se deve entender o ano civil dentro do qual o Congresso se reúne, não se confundindo com legislatura, que significa o período do mandato para o qual os legisladores foram eleitos.

Na seqüência do processo legislativo federal estão as leis complementares. O poder de iniciativa dos respectivos projetos cabe às pessoas e entes estipulados no art. 61 da Constituição.

Iniciativa significa a atribuição que tem alguém para apresentar um projeto de lei. A iniciativa pode ser reservada, ou não. A iniciativa é, por exemplo, reservada ao presidente

da república no que diz respeito a propostas de lei referentes aos assuntos dispostos no parágrafo primeiro do art. 61 da Constituição.

Vale dizer, membro do Congresso que apresentar projeto sobre aquelas matérias terá descumprido a Constituição e a proposta deverá ser rejeitada, por inconstitucional. Provavelmente obterá parecer em tal sentido por parte da comissão de Constituição e Justiça da respectiva casa legislativa, a quem incumbe analisar projetos de lei no tocante à sua constitucionalidade. Ou poderá, mais tarde, caso aprovado pelo Congresso, ser vetado pelo presidente da república.

Sobre leis complementares, é preciso ter presente que servem para completar o texto constitucional, que propositadamente optou por não descer a detalhes relativamente a alguns temas. Ou porque entendeu não ser razoável fazê-lo no texto da própria Constituição, ou porque, durante a discussão do assunto, na Assembléia Constituinte, não se conseguiu chegar a acordo quanto a ele, o que, no caso específico da Constituição brasileira, foi particularmente freqüente, dado o alto número de temas polêmicos discutidos pelos constituintes de 1987-1988.

O assunto objeto de leis complementares é expressamente definido pela Constituição e sua elaboração consta de previsão expressa. Vale dizer, é a Constituição que pede determinada lei complementar, já cuidando de lhe fixar o assunto e os limites. É como ocorre, por exemplo, entre outros tantos casos, com a previsão para edição do estatuto da magistratura (art. 93). Isto é, somente será lei complementar – cujo quórum de aprovação é de maioria absoluta (art. 69) – aquela que se circunscrever aos temas expressamente previstos na Constituição como devendo ser objeto de lei complementar. O que porventura se convencionar chamar de lei complementar mas não tiver assunto previamente antecipado e encomendado pela Constituição será, na verdade, simples lei ordinária.

E lei ordinária, já que dela se fala, chama-se tal exatamente porque é o comum das leis, em relação à qual nada existe de específico, nem de particular. Sua matéria não carece de anterior previsão e, ressalvadas as iniciativas reservadas, podem ter suas propostas apresentadas por qualquer membro do Poder Legislativo, além do chefe do Poder Executivo.

Podem ser aprovadas por maioria simples e importa lembrar que não existe propriamente hierarquia entre estas e as leis complementares. Justamente porque as

138 complementares têm seus assuntos previamente estipulados. Quer dizer, lei ordinária que tratar de tema reservado à lei complementar será inconstitucional (por invadir esfera de competência alheia); se ocorrer, no entanto, de uma chamada lei ordinária seguir o procedimento e o quórum de aprovação de uma lei complementar, será, na verdade, lei complementar.

As leis delegadas são aquelas em relação às quais o Congresso delega ao presidente da república sua elaboração, respeitados os assuntos de competência exclusiva do Poder Legislativo e outros fixados pelo art. 68 da Constituição, em especial as matérias atribuídas a leis complementares.

No que toca, por outro lado, à última etapa do processo legislativo, não se pode esquecer a possibilidade, atribuída ao presidente da república, de participar do procedimento, sancionando ou vetando projetos aprovados pelo Legislativo.

A sanção importa na aprovação, pelo Executivo, do que veio de ser proposto e aprovado. Sancionado, o projeto de lei será promulgado, valendo dizer que assim se considera pronto para ingressar no universo jurídico. O veto do presidente da república ocorrerá quando, nos termos do disposto no art. 66, § 1º, ele considerar o projeto inconstitucional ou contrário ao interesse público.

A primeira hipótese é de um controle legal da proposta aprovada. Fundado em parecer eminentemente técnico, o chefe do Executivo, considerando o projeto contrário à Constituição, deverá vetá-lo. A segunda, diversamente, representa forma política de controle, entendido interesse público, em suma, aquilo que está de acordo com o direcionamento dado pelo presidente da república à sua administração, confundindo-se com a orientação política em tese escolhida pela população ao elegê-lo.

Por último, os projetos aprovados, sancionados e promulgados deverão ser publicados e entrarão em vigor quando assim constar de seu texto, ou no prazo fixado pela Lei de Introdução ao Código Civil.

Seguindo, por fim, a fórmula fixada pelo texto da Constituição Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão, no que couber, o procedimento estabelecido para o processo legislativo federal, na elaboração de suas próprias leis. Mas estes últimos não poderão legislar sobre matéria criminal, nem por delegação, que, nos termos do art. 22, somente pode ser concedida aos Estados.