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EM NOME DO PAI, DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO: do pecado ao inferno

1.9 Pecados capitais e virtudes

O pecado, como se viu, é um dos centros em torno dos quais gravita o método educativo-repressivo da teologia moral - o outro é a penitência.

Buscando uma classificação dos pecados, chega-se à identificação de um tronco, do qual partem os outros. Esse tronco é representado pelos pecados mais expressivos, que estão na origem dos demais. São os pecados-fonte, ou pecados-cabeça, donde a denominação pecados capitais (caput significa cabeça, em latim). Essa posição não se deve à gravidade das infrações, mas à amplitude e à intensidade da sua zona de influência. São eles: soberba, avareza, luxúria, ira, gula ou intemperança, inveja e preguiça.

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NNaaaiiigggrrreeejjjaaammmaaatttrrriiizzzdddeeeIIItttaaajjjooobbbiii,,,iiissssssoooeeessstttááábbbeeemmmrrreeetttrrraaatttaaadddooo,,,eeemmmooouuutttrrraa imagem do dragão de a sete cabeças (figuras 12 e 13) 43, cada uma representando um pecado, seguindo exatamente a hierarquia explicitada acima. O pecado é rubro-negro44, a escuridão da noite e o vermelho do fogo do inferno, conforme figura 14. Interessante observar que há uma seringa das drogas, um dado do jogo e um ameaçador rosto de demônio, no alto, comandando os pecados todos.

43 Na mitologia grega poderia ser comparado à Hydra da Lerna ou à Medusa, com seus cabelos de serpentes. 44 Não há referência ao C. R. Flamengo, mas talvez possa haver ao Moulin Rouge...

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68 É digna de nota a intensidade com que o simples vocábulo pecado exerce seu simbolismo na consciência humana. Pecado e pecar contêm em si estruturas valorativas que vão desde a explicação racional das inconveniências do ato de errar e do próprio conteúdo do que está errado, até a imposição de um sentimento de remorso e culpa, capaz de atormentar o indivíduo a ponto de fazê-lo ansiar por uma reparação e por um castigo. Nessa força de determinados símbolos reside grande parte do poder da ordem religiosa no sentido de construir a consciência dos homens, não raras vezes alcançando também a daqueles que nem se chega a considerar como seus fiéis seguidores, ou dos menos crentes.

A lista dos pecados capitais segue uma ordem de precedência. Assim, no seu topo, está a soberba, caracterizada pelo orgulho, pela vontade do homem de se preferir a Deus; é tida como a razão pela qual, no início dos tempos, o homem se afastou dele, praticando o chamado pecado original.

A avareza significa a procura a todo custo de bens materiais, que se colocam como sua principal finalidade, acima de Deus. É interessante a respeito o seguinte texto do Evangelho de Mateus (6, 24): Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro.

A luxúria é o desejo desordenado do prazer sexual. O prazer é permitido ao fiel se produzido por um amor que se inspira no amor às diretrizes de Deus, vale dizer, dentro do âmbito do matrimônio. Fora dele representará uma cobiça indevida, capaz de arrastar o homem à bestialidade, ao escândalo, à perversão. A propósito das relações extra- matrimoniais, do homossexualismo e da masturbação, consideradas práticas luxuriosas, a Igreja publicou, em 1975, a declaração denominada Persona Humana, na qual as tem por anti-naturais, diante do que, mesmo que reiteradamente praticadas ao longo da história, jamais serão lícitas ou legítimas.

A ira é o pecado de quem não reconhece o valor da mansidão e da humildade, inflamando-se contra os erros alheios mais do que contra os seus próprios, ou, em outras palavras, sendo tomado de uma cólera desordenada diante do mal. No limite chega a uma fúria com propensão à vingança.

Com a gula identifica-se o gosto excessivo por comer, beber ou descansar. Esses atos, em si mesmos bons e instrumentos para uma vida sadia, podem se converter em

finalidades do indivíduo, que deles faz a sua própria divindade. Atrapalham o seu crescimento espiritual e podem estender seus efeitos à família e aos outros. Não é atitude compatível com orientação religiosa que tem como figura central a de um homem crucificado.

Inveja é o sentimento de desagrado ao perceber os valores de outrem. É uma tristeza que oprime e que leva ao desejo irrefreável de também possuir o que ou outro tem. Pode levar à vontade de que o terceiro sofra um mal e à alegria por vê-lo em desgraça.

Preguiça é a passividade de alguém em sua vida espiritual, o desânimo em combater o mal e se elevar. É pecado característico da pessoa comodista, que preenche sua vida com funções mundanas freqüentemente marcadas pela inconsistência. É uma espécie de marasmo espiritual, que pode levar o indivíduo até mesmo a ver com tristeza um chamado de Deus para se integrar na batalha da salvação do homem. O preguiçoso usualmente quer largar tudo que começou para mais uma vez recomeçar, como se tivesse a metade da idade que tem.

Conquanto não se deva necessariamente chegar à idéia conspiratória de que a ordem religiosa foi imaginada para servir a um determinado modelo econômico, é interessante perceber como tem sido fácil ao capitalismo apropriar-se das categorias identificadas como pecados capitais para reforçar o respeito aos seus postulados. Assim, parece rigorosamente viável imaginar o pecado da soberba como uma forma de conter o orgulho dos despossuídos, cujo dever é conhecer o seu lugar; o da avareza, justificando a inconveniência de que o subalterno se deixe guiar pelo desejo de possuir mais que o poderoso; a luxúria, significando a crítica ao apetite sexual instintivo, capaz de por a perder o culto do casamento monogâmico, esteio de um modo de produção que impõe a aquisição da propriedade por meio da herança, devendo por isso ser possível determinar a paternidade do herdeiro; a ira, querendo desencorajar a tomada de uma posição revolucionária contra os dominantes; a gula, representando a condenação às libações excessivas e ao gosto pelo descanso, naturalmente impossíveis aos subalternos; a inveja, mostrando o erro de cobiçar os bens alheios, cobiça compreensivelmente perigosa numa sociedade marcada pela desigualdade entre proprietários e despossuídos; a preguiça, significando a reprovabilidade do desânimo e do comodismo, qualidades indesejadas em quem recebe pagamento para trabalhar.

70 Já se observou que o mecanismo educativo-repressivo religioso prepara para escolher o bem e rejeitar o mal, numa visão maniqueísta que divide o mundo entre o desejável e o indesejável, o pecado e o castigo, o santo e o pecador, o bom e o mau.

Aos pecados capitais, que representam o tronco do qual emanam os demais pecados, correspondem, em contraposição a eles, as chamadas virtudes, expressão do bem, do desejável, do bom e adequado, das qualidades dos elevados a Deus. O termo vem do radical latino vir, que significa varão, como a identificá-las com o que é forte, varonil. São atos de vigor, que estão na raiz de uma conduta que evitará os pecados. Ela representa a vitória sobre a volubilidade e a inconstância. Pode encontrar obstáculos, o que é próprio da natureza humana, manchada pelo pecado original, mas a razão deverá conduzir o homem à sua prática, pois ela significa o rumo acertado a tomar. Nota-se que o apelo à racionalidade permeia os ditames da teologia moral, que já de início anuncia estar fundamentada sistematicamente.

São as virtudes classificadas em dois grupos: num estão as adquiridas e as infusas; noutro, as teologais e as morais. Adquiridas são as que o indivíduo vai conseguindo através de um aprimoramento de sua conduta e da observância da lei divina. À medida que são exercitadas predispõem o homem a novas práticas adequadas, capazes de oferecer resistência ao pecado. Infusas são aquelas que, independentemente da ação do homem, são por ele recebidas como dons divinos. Entre as virtudes teologais e as morais a distinção está no seu objeto. O das primeiras é Deus, diretamente; das últimas, as relações dos homens entre si.

As virtudes teologais, sempre infusas, são a fé, a esperança e a caridade. As morais (do grego mores = costume) são a prudência, a justiça, a fortaleza ou coragem e a temperança. São também chamadas virtudes cardeais.

A prudência é a virtude por excelência ditada pela razão. Esta é que mostra ao homem o caminho a seguir para atingir determinada finalidade. Esses meios hão de ser escolhidos pelo indivíduo dentre os mais oportunos, convenientes e moralmente adequados. A cautela e a coragem o impedirão da escolha de um meio desproporcional aos fins e para tanto ele deverá ter o domínio da razão.

A justiça é a medida de uma convivência em equilíbrio com os demais indivíduos, a quem se deve respeitar como se deseja ser respeitado. É a virtude que tem por objeto os direitos de cada qual e suas limitações em razão da presença dos direitos alheios.

Através da fortaleza, ou coragem, o homem se dispõe às tarefas difíceis e penosas, com a compreensão de que estas por vezes são necessárias e compensadoras.

A temperança representa a firmeza com que o homem que quer se elevar se mostra capaz de moderar seus apetites, atirando-se apenas em direção ao que seja desejável, sem excessos.

Esta enumeração das principais virtudes, que remonta a Platão e Aristóteles45, supõe que elas signifiquem um meio-termo entre o excesso e a insuficiência, por isso oferecendo ao homem o caminho adequado para sua atitude ante seus pares. É a materialização do sentido da moral significando costume: o que usualmente se deve praticar na vida em sociedade de uma forma que mantenha a unidade desta.

É clara a oposição, direta ou indireta, das virtudes cardeais – e de certo modo também das teologais – aos pecados capitais, evidenciando mais uma vez a presença da perspectiva dicotômica de que se falou. Assim, a justiça opõe-se à avareza e à inveja, a fortaleza à luxúria e à preguiça, a temperança à gula e a prudência praticamente a todos os pecados capitais, ou a seus derivados.