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Os dogmas penais e sua abordagem “Científica”/Didática

EM NOME DO ESTADO: dos delitos e das penas

2.3 Os dogmas penais e sua abordagem “Científica”/Didática

O ordenamento criminal brasileiro deve ser situado no âmbito de todo o direito positivo nacional e, observadas cronologicamente as diferentes etapas de sua vigência, pode ser localizado segundo um conjunto de fases proposto por Montoro, como se vê:

- mais de 300 anos de Colônia de Portugal (1500 a 1815) e pouco mais de 6 anos de Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves (1815-1822);

- 77 anos de Monarquia Constitucional Parlamentarista (1822-1889);

- 40 anos de República Federativa e Presidencialista, de inspiração liberal (1891-1930); - mais de 50 anos de experiências revolucionárias e constitucionais com marchas e

contramarchas, marcadas pela tomada de consciência do desenvolvimento nacional (Introdução, 1997: 565).

A legislação do período colonial é essencialmente representada pelas chamadas Ordenações do Reino, postas em vigor na metrópole (Portugal) e tornadas vigentes também no Brasil. Assim é que, de acordo com o reinado de quem as inspirava, eram elas denominadas de Ordenações Afonsinas (que vigoraram de 1500 a 1514), Manuelinas (de 1514 a 1603) e Filipinas (de 1603 a 1916). Estas últimas, em matéria penal, vigeram até o ano de 1830, quando, já depois da independência, foi editado o Código Criminal do Império.

Na seqüência entrou em vigor, em lugar desse código imperial, o Código Penal de 1890, no início do período republicano. Ele vigorou até 1932, quando foi editada a Consolidação das Leis Penais, a qual, por fim, deu lugar ao Código Penal de 1940, outorgado através de decreto-lei, inspirado pelo jurista Francisco Campos, durante o período ditatorial chefiado por Getulio Vargas, conhecido como Estado Novo, e que passou a vigorar em 1942, cuja Parte Especial, contendo a definição dos crimes e das respectivas penas, vige até hoje; a Parte Geral, que trata de princípios gerais de direito criminal, foi substituída por outra, que vigora desde 1985.

As principais razões justificadoras dessa reforma são mencionadas no texto da assim denominada Exposição de Motivos do Código, datada de maio de 1983, elaborada por comissão do Ministério da Justiça e dirigida ao presidente da república, que enviaria o projeto de lei ao Congresso Nacional. Confira-se:

140 [...] a legislação penal continua inadequada às exigências da sociedade brasileira. A pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies, a constância da medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social dos apenados e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos instrumentos jurídicos de contenção do crime, ainda os mesmos concebidos pelos juristas na primeira metade do século.

Paralelamente ao atual código vige um considerável número de leis definidoras de infrações penais não previstas nele; trata-se da chamada legislação extravagante, que, junto com ele, compõe o direito penal positivado pelo Estado brasileiro.

Vigora também, desde 1942, um código denominado de Processo Penal, que determina os procedimentos e as funções dos que operam com o direito criminal, na sua tarefa de chegar à decisão de conflitos e, possivelmente, impor sanções aos infratores.

A abordagem do ordenamento jurídico penal, em regra, é feita através de uma divisão do tema em itens, quase invariavelmente iniciada pelo conceito de direito penal, momento em que se pode observar a fixação de uma equivalência desse conceito com a lei positivada. Edgard Magalhães Noronha, tradicional autor de obras jurídicas no âmbito penal e no processual penal, vê nesse ramo do direito uma feição eminentemente dogmática. Assim,

Como ciência jurídica, tem o direito penal caráter dogmático, não se compadecendo com tendências causais-explicativas. Não tem por escopo considerações biológicas e sociológicas acerca do delito e do delinqüente, pois, como já se escreveu, é uma ciência normativa, cujo objeto é não o ser, mas o dever ser, o que vale dizer, as ordenações e preceitos, ou antes, as normas legais, sem preocupações experimentais acerca do fenômeno do crime (Direito penal, 2004, v. 1: 8).

Costumeiramente se traçam os contornos de ciências que guardam afinidade com o direito penal assim definido, como a filosofia, a história, a sociologia, a economia. Numa redução maior, usualmente se passa à consideração das principais correntes filosóficas específicas no estudo do crime e, por fim, o espaço mais extenso é dedicado à chamada “teoria do crime”.

Com acentuada freqüência as ciências vistas como próximas do direito são tomadas por saberes auxiliares, com o papel de apoiar o jurista na compreensão e na aplicação da norma vigente. A idéia que o mesmo Noronha faz, por exemplo, da vinculação do direito

criminal com a filosofia – aqui já uma filosofia do direito – é emblemática: Vincula-se o direito penal à filosofia do direito, pois esta lhe fornece72 princípios que não só circunscrevem seu âmbito como lhe definem as categorias e conceitos (ibidem: 11).

Outros autores nacionais e estrangeiros seguem uma linha de abordagem que não foge muito à metodologia de: 1) definir o direito penal, identificando-o quase sempre com o dogma vigente; 2) em seguida traçar os contornos de um pano de fundo, representado por outros ramos do conhecimento, em geral tratado como instrumental à disposição do jurista; e 3) depois, e então mais detidamente, mergulhar numa teoria do crime, a qual, fundada precipuamente no ordenamento estatal, delineia a estrutura que sustenta todo o acervo normativo, ou seja, seus pilares fundamentais, seus princípios, seus institutos, sua técnica operacional, as regras de sua interpretação etc..

Esse trabalho se aproxima daquilo que Mascaro classifica como verdadeira tecnologia do direito, opondo-se aos que nele vêem o manejo de uma ciência. Segundo esse autor,

[...] há ferramentas e conceitos jurídicos – amplamente utilizados – que perfazem uma técnica jurídica específica. Por isso, embora não seja possível falar de uma teoria geral de todo o direito em todos os tempos e estruturas, é possível sim falar de uma teoria geral das técnicas do direito das sociedades capitalistas contemporâneas.

Tal teoria geral das técnicas do direito contemporâneo tem o estatuto, na verdade, de uma tecnologia do direito. Não é um conjunto ocasional de técnicas. Não é um amontoado de ferramentas jurídicas. Pelo contrário, é um todo estruturado dessas técnicas, com referências claras, estabilizadas, voltadas a determinados objetivos (Introdução, 2007: 64).