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O papel do jornalista científico, atual gestor da informação

No tratamento da informação científica ou não a ser transformada em conhecimento e sua circulação entra a contribuição do jornalista. ANDRADE (2003, p. 42) salienta que “ele é um ‘gestor de informação’ por excelência, e (ainda) não se deu conta disto”.

Para cruzar o portal que separa o jornalista do "gestor de informação" é necessário romper velhos paradigmas e olhar o jornalismo com os olhos da Inovação Tecnológica e da Gestão do Conhecimento. (...)O conhecimento é volumoso, tem diferentes aspectos, características e especificidades. À

medida que o esmiuçamos e desmembramos, estamos gerando mais e mais conhecimento. E é justamente isto que nós, jornalistas, fazemos na prática (ANDRADE, 2003, p. 42).

Para CALDAS (2003, p. 73) “a circulação da informação científica representa negócios e interesses específicos de grandes grupos econômicos”. Desse modo, a grande maioria da população, marginalizada no processo decisório das políticas públicas de C&T, seria excluída. Para a autora “é necessária uma discussão mais ampla sobre questões éticas e os benefícios sociais das aplicações do conhecimento”. ANDRADE (2003, p. 42) compartilha do mesmo pensamento quando informa que “no Brasil, apesar dos altos investimentos nas telecomunicações e na privatização da telefonia estatal, apenas 11% da população têm acesso à Rede Mundial de Informações”. Assim, é hora de repensar o papel do jornalista científico para a inclusão da população que está à margem do conhecimento.

“A circulação da informação científica, desmistificada, analisada, interpretada, tem o poder de acabar com o fetiche da mercadoria, da religião do consumo” (CALDAS, 2003, p. 76). Isso ajudaria em muito na inclusão social e digital das populações menos favorecidas tecnologicamente. Porém, não podemos nos iludir pensando que o tratamento dessa informação e sua transformação em conhecimento se dará de forma harmoniosa e será a solução para os problemas de comunicação de uma empresa, de uma sociedade ou do mundo, pois como diz CALDAS (idem) “No mundo da informação rápida, fragmentária, a ilusão do conhecimento provoca uma busca desenfreada por notícias científicas, que veiculadas de forma apressada, pasteurizada, descontextualizada, prometem soluções rápidas para os problemas que afligem a humanidade”.

O conhecimento é a informação transformada em moeda forte. Não é nenhum absurdo, nada ilógico, aplicar informação como se aplica dinheiro. Mas o princípio não é quantitativo, é qualitativo: aplicações variadas, a curto, médio e longo prazo. É importante reconhecer os excessos de informação a fim de administrar melhor o tempo e o volume de dados que nos chegam pelos diversos meios. Muita informação pode levar à dispersão. Deve-se realizar a busca ordenada da informação, considerando a qualidade e os meios. Filtrar estes canais e conteúdos considerando: a) se a fonte é confiável; b) a tendência de quem produziu (se é política, ideológica, comercial); c) a metodologia que dá base à informação; d) o sentido lógico do contexto; e) a utilidade e o grau de aplicabilidade da informação em relação àquilo que estamos desempenhando (ANDRADE, 2003, p. 43.

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Além do tratamento da informação com vistas ao conhecimento efetuado pelos jornalistas científicos, é preciso que os cientistas também colaborem, afinal eles também devem ser considerados “gestores do conhecimento” e não apenas produtores. “As condições de trabalho dos cientistas são bastante semelhantes àquelas dos trabalhadores do conhecimento de hoje que lidam com o processamento de informações” (SVEIBY, 1998, p. 36). Além disso, o compartilhamento desse conhecimento pressupõe uma questão ética e moral.

A posse do conhecimento traz consigo uma obrigação moral (...) Os cientistas têm de transcender as paredes de seus laboratórios, de seus departamentos, das faculdades e das indústrias. Dizer que a vida científica é uma simples questão de ‘publicar ou morrer’ é depreciativo e errôneo. Um cientista que permanece silencioso, sobretudo quando pode seguir-se conseqüências irreversíveis, está comportando-se de maneira não profissional e imoral (MAYOR; FORTI, 1998, p. 142 apud CALDAS, 2003,

p. 79).

ANDRADE (2003, p. 43) salienta que a profissão de jornalista, tal qual conhecemos, vai se extinguir. “O jornalista é, de fato, um profissional híbrido: misto de gestor de informação, tecnólogo, educador, formador de opinião”. Para a autora há uma mudança de paradigma neste século iniciante, impulsionada com o advento da Internet iniciado do século passado, onde a informação/conhecimento e sua gestão passaram a ter um enorme peso para as empresas.

Posso arriscar dizer que este é segundo momento mais importante para o jornalista brasileiro nesta virada de século: o primeiro foi há cerca de cinco anos, quando surgiu o "conteudista de web" – uma avalanche de sites corporativos cheios de recursos em flash, formulários, bancos de dados poderosos, mas... conteúdo que era bom, nada. Um fracasso. Então o jornalista forçosamente retoma seu status e cresce no mundo tecnológico (foi quando passei a incorporar a nomenclatura “techie”. Assistimos colunas inteiras saltarem dos jornais impressos para os eletrônicos sem perder o prestígio, ao contrário, tomando emprestada a velocidade da internet para se propagar, da mesma forma que hoje contamos com veiculações exclusivamente "on the web". Nas empresas, a ascensão das intranets, extranets, das comunidades de prática, networks, do teletrabalho otimizado pelas ferramentas de workflow, enfim, um momento ímpar (ANDRADE,

2003, p. 43 e www.observatoriodaimprensa.br/artigos/eno270520032.htm).

Se o perfil do jornalista da grande mídia, especializado em Ciência ou não, mudou ou está mudando, segundo os autores, imagine para o jornalista que trabalha em empresas, ainda mais aquelas de P&D. BUENO (2003, p. 84) enfatiza bem esta questão quando diz que “o

assessor de imprensa não se restringe mais a assessorar. Ele mudou de status, pois a complexidade das organizações e do próprio trabalho de relacionamento com os veículos o obrigou a isso”. Se o profissional mudou o que dizer dos veículos de comunicação, que “hoje se constituem em empresas, com intenções nitidamente comerciais, e que administram a informação como mercadoria?”

A jornalista Tina Andrade3 arrisca uma resposta, pois “os elementos de interatividade,

subverteram a hierarquia e o receptor passou a conduzir o processo comunicativo”.

Há muito deixamos de ser os “fazedores de jornais”, como sugere o título, para nos tornarmos “entregadores de informação”. Há uma visão obtusa deste profissional como "homem de redação". Com um computador, uma linha telefônica, conhecimentos básicos de Internet e, principalmente, uma boa idéia na cabeça, a partir de um único jornalista podemos ver nascer de

blogs a vortais (ou portais verticais) com um desenho de informação

primoroso, ou até uma redação virtual no melhor conceito “EUpresa” (um neologismo para “eu-empresa”, o nosso lado empreendedor). O jornalista criativo pode voar "solo" ou carregar com ele toda uma equipe atuando autonomamente e abrindo frentes.

Desse modo, em empresas da Era do Conhecimento os profissionais também mudaram de status. As funções do jornalista/assessor continuam a fazer parte de seu perfil, pois “é provável que ele ainda redija – ou coordene outros profissionais que redigem – releases, pré- pautas; que organize encontros de imprensa, contate jornalistas etc., mas sua tarefa se ampliou consideravelmente”, complementa BUENO (2003). Isto se deu face à mudança radical por que passou a indústria da comunicação no século 20 e ainda passa no início desse 21.

Em razão desse caráter mutante da indústria da comunicação e das responsabilidades que se agregam ao trabalho do profissional que, em uma empresa ou entidade, se ocupa da interface com a mídia, o perfil do assessor de imprensa mudou “da água para o vinho”. Talvez nem seja mais apropriado, como veremos, chamá-lo de assessor, porque sua atividade, notadamente nas organizações líderes e proativas, há muito extrapolou a simples tarefa de prestar assessoria (BUENO, 2003, p.84).

ANDRADE (2004) considera que essa mudança estrutural e cognitiva no modo de se fazer jornalismo hoje afetou enormemente o profissional de comunicação, esteja ele trabalhando na mídia ou nas empresas.

No jornalismo este compartilhamento começou nas listas de discussão (groupwares) e se estendeu aos grupos de trabalho (workgroups). Hoje, há muitas destas listas discutindo Novas Formas de Trabalho (NFTs), especialmente o Jornalismo Online (JOL). A idéia não é trocar pautas - o que para muitos poria em risco a anterioridade das produções intelectuais - mas trocar oportunidades, cadastrar novas fontes, validar informações, encontrar referências, criar um banco de dados, estruturar o conhecimento e formar uma memória. Infelizmente o conhecimento que flui destas trocas se dispersa. É preciso que seja feita uma moderação rigorosa para que assuntos

off-topic e privados (PVT) não desviem a atenção daquilo que está sendo

explicitado, desestimulando o grupo e reduzindo o nível das contribuições, com a criação de pontos-de-resgate (ou metodologias para a correção do curso). Também, falta às listas uma espécie de knowbuster, ou “caçador do conhecimento” que analise os conteúdos e trate de descartar o que eu ousei classificar de “conhecimento estéril ou improdutivo”, estruturando apenas o que é relevante e tem aplicação prática e imediata.

Essa ampliação de funções do jornalista, citada por BUENO (2003), é capitaneada pela Tecnologia da Informação (TI), afetando assim o modo de produção da informação pela mídia na Sociedade do Conhecimento.

A vida profissional do jornalista está pautada no que eu convenciono chamar de “negócio da informação”. Desta forma, levaremos algum tempo para convencê-lo de que a sua “garantia” migrou da informação para a reputação. Atualmente, quem “vale mais” não é aquele que detêm a informação (no sentido de tornar-se proprietário dela), mas aquele que sabe utilizá-la com propriedade. Neste momento jornalista e fonte se fundem. Não é o que se faz que está em questão, mas “como” se faz, o que tecnicamente chamamos how to (ANDRADE, 2004).

Essa mudança pode ser estendida também aos profissionais que trabalham a Comunicação nas empresas, conforme explica ANDRADE (2004).

Nas corporações, percebe-se um enorme ganho de tempo e diminuição brutal do retrabalho com as Comunidades de Práticas (COPs). Ali, eram feitas contribuições sob a forma de relatos das Lições Aprendidas, com o objetivo de ajudar os demais a encurtar o caminho até o resultado esperado. Agora as “piores práticas” (ou worst pratices) também estão sendo corajosamente trocadas - o que vem reduzindo significativamente a margem de erro, contribuindo para o contingenciamento de crises.

O desafio atual das organizações é formar o profissional do conhecimento para que ele atue de modo participativo e ativo. Estendendo este conceito aos jornalistas, um profissional que saiba fazer uma articulação do mundo do trabalho em Ciência e Tecnologia com as diversas questões sociais, de modo a utilizar o capital intelectual gerado nas organizações

científicas para promover a construção da cidadania para todos. Os jornalistas “GI” podem assim colaborar para a criação de estruturas e processos que promovam a reutilização do conhecimento nas empresas. ANDRADE (2004) mostra como isso pode ser feito.

Usando de todo o seu potencial híbrido para educar, difundir a cultura da Responsabilidade Informacional nas empresas e ainda se impor num ambiente onde os profissionais de Tecnologia da Informação (TI) já estão muito à vontade. Para se ter uma idéia, um dos principais entraves ao sucesso dos portais corporativos está no mau hábito de misturar forma e conteúdo. É comum ver um gerente de TI exercendo o papel do gatekeeper, quando o “publique-se” deveria partir de um jornalista gestor de informação. Mas para que isto venha a acontecer, é preciso que a empresa esteja consciente da necessidade de se implantar um setor dedicado à Gestão do Conhecimento e identificar em seu quadro laboral quais os potenciais profissionais do conhecimento, para só então criar estas estruturas e processos, que não somente vão promover a reutilização do conhecimento nas empresas, como vão redesenhar estruturas e processos que promovam uma real inovação.

Infelizmente, esse desafio é enorme, pois os profissionais de comunicação, principalmente aqueles que trabalham diretamente com Divulgação Científica nas instituições de pesquisa, ainda não estão preparados para lidar corretamente com a nova forma de tratar as informações e conhecimento, ainda mais quando advindos de projetos e estudos científicos.