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2 PRINCÍPIOS RELACIONADOS À ATIVIDADE SECURITÁRIA

2.4 O Princípio da Capitalização

Faz sentido que a previdência privada venha migrando da supremacia do princípio do mutualismo para a prevalência do princípio da capitalização. Como a previdência privada é complementar à social, é mais adequado que a forma de

50 WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada – Doutrina e Jurisprudência.

São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 48.

acumulação de recursos aqui adotada seja diversa, de modo a amenizar os possíveis efeitos negativos derivados do mutualismo, como eventuais déficits decorrentes de inversões na pirâmide demográfica, assim como o risco inerente à gestão estatal.

Tanto o mutualismo quanto a capitalização visam acumular recursos para fazer frente a infortúnios. São formas de obter poupança suficiente para o pagamento de uma indenização de sinistro ou de uma aposentadoria, objetivos do seguro e da previdência. Contudo, o regime de capitalização é estruturado de modo a gerar reservas capazes, por si próprias e por seus rendimentos no mercado financeiro, de garantir o pagamento de determinado benefício ou cobertura. Explica FIALDINI:

A previdência privada é contributiva, isto é, protege apenas os participantes do contrato que arcam com o custeio, por meio de recursos próprios (autoprevidência), ou por meio de contribuições de seus empregadores. Além disso, as necessidades protegidas são aquelas livremente ajustadas no contrato, possuindo aptidão para proteger, inclusive, eventos não alcançados pela previdência social.51

O regime de capitalização tem como característica principal a individualidade. Cada segurado contribui para o seu próprio benefício futuro, estabelecendo desta forma uma correspondência entre o custeio e o benefício de cada um. Trata-se da constituição de uma poupança individual. Sua desvantagem relativamente aos sistemas baseados no mutualismo é o fato de que os benefícios futuros dependerão sempre e exclusivamente dos rendimentos obtidos pelas entidades de previdência no mercado financeiro. Por outro lado, não se corre o risco de déficit a que está sujeita a previdência social, em razão de alterações demográficas (isto é, diminuição do número de contribuintes na ativa e aumento do número de aposentados).

A previdência brasileira é fundada em sistema referido como sendo de “múltiplos pilares". A esse respeito, leia-se o esclarecedor excerto de Rodrigues:

O Primeiro Pilar, em geral, possui natureza pública, compulsória e básica, tem a iniciativa do ente estatal, é custeado por regime de repartição simples e conta com limite máximo de prestações. O denominado Segundo Pilar possui natureza privada, podendo ser ou não compulsório, tem a iniciativa patronal, é custeado em regime de capitalização e conta também com limite máximo de prestações (superior ao limite do Primeiro Pilar e, no mais das vezes, tem como montante a ser suprido a própria remuneração do segurado, daí a

51 FIALDINI, Fabiana Ulson Zappa. A Previdência Privada e a Incidência do Imposto de Renda. 2007.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 59.

denominação de complementar). O Terceiro Pilar possui natureza privada e não compulsória (em geral deriva de conta individual em sociedade seguradora), tem a iniciativa do próprio trabalhador que pretende ter renda mais elevada quando deixar de trabalhar, é custeado em regime de capitalização e não conta com limite máximo de prestações.52

Nesse sistema de múltiplos pilares, portanto, a previdência privada (segundo e terceiro pilares) é hoje custeada essencialmente de acordo com o regime de capitalização, isto é, as contribuições são aportadas pelo próprio participante, juntamente com seu empregador (segundo pilar, previdência complementar fechada) ou individualmente (terceiro pilar, previdência complementar aberta53), e a importância da

aposentadoria é limitada pelo valor de sua própria remuneração (segundo pilar) ou ilimitada (terceiro pilar), não sendo baseada nos parâmetros estabelecidos pelo Estado.

Sobre o princípio da capitalização, esclarece WEINTRAUB:

Os participantes formam fundos (individuais ou coletivos) onde são investidos pecúlios destinados às suas aposentadorias. O objetivo da capitalização não pressupõe a solidariedade intergerações. Logo, cada participante pode seguir com seu plano previdenciário de forma independente entre gerações. Isto não é mutualismo, pois a solidariedade é mitigada.54

Esse afastamento da previdência complementar, relativamente ao mutualismo, é compreensível, em face das já alterações na pirâmide demográfica e também por força dos riscos a que se expõe a gestão pública da previdência social.

Com efeito, de acordo com o Censo do IBGE que abarcou o período de

2000 a 201055, ao longo dos últimos cinquenta anos, a população brasileira quase

triplicou: passou de 70 milhões, em 1960, para 190,7 milhões, em 2010. O crescimento do número de idosos, no entanto, foi ainda maior. Em 1960, 3,3 milhões de brasileiros tinham 60 anos ou mais e representavam 4,7% da população. Em 2000, 14,5 milhões, ou 8,5% dos brasileiros, estavam nessa faixa etária. Na última década (de 2000 a 2010),

52 RODRIGUES, Flávio Martins. Previdência Complementar: Conceitos e Elementos Jurídicos

Fundamentais. Disponível em: <http://www.bocater.com.br/artigos/previdencia-complementar- conceitos-elementos-juridicos-fundamentais/>. Acesso em: 05 ago. 2013, p. 3.

53 O empregador também pode fazer contribuições a plano gerido por entidade de previdência aberta.

Essas entidades, contudo, gerenciam planos que podem ser contratados com os particulares diretamente, sem a participação de uma patrocinadora ou instituidora.

54 WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada – Doutrina e Jurisprudência.

São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 56.

55 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Disponível em:

<http://censo2010.ibge.gov.br>. Acesso em: 17 ago. 2013.

o salto foi grande, e em 2010 a representação passou para 10,8% da população (20,5 milhões).

A taxa de fecundidade da mulher brasileira, por sua vez, sofreu redução expressiva nas últimas décadas. Em 2010, cada brasileira tinha em média 1,9 filho. Foi a primeira vez que o número ficou abaixo do chamado nível de 2,1 filhos por mulher, que garante a reposição populacional.

O número de filhos por mulher caiu 20,1% no curso da última década. Em 2000, cada mulher tinha em média 2,38 filhos. Há 50 anos, a taxa de fecundidade era de 6,3 filhos por mulher - mais que o triplo da atual. Mantida essa tendência (que é o mais provável, como vem acontecendo nos países desenvolvidos), a população brasileira deve começar a decrescer em futuro próximo.

Com isso, a solidariedade geracional na previdência vai se tornando inviável, pois diminui o número de jovens para sustentar a aposentadoria de um idoso, passando a haver mais idosos para ser sustentados por menos jovens em atividade, exatamente o contrário do que pressupõe o mutualismo (muitos garantindo o risco de poucos).

A única alternativa que se apresenta para a previdência, em especial a privada, que não dispõe de recursos estatais para seu custeio, é o regime de capitalização, em que cada um contribui para sua própria aposentadoria, e não para a da

geração anterior. Como explica WEINTRAUB, “a capitalização na Previdência Privada

não é ideal, mas é a alternativa viável frente ao sistema de repartição simples, podendo os dois regimes coexistir num regime híbrido”56.

Com efeito, atualmente a previdência complementar, no Brasil, está preponderantemente lastreada no chamado princípio da capitalização. Foram praticamente extintos os antigos planos de benefício definido (BD), baseados em cálculos atuariais, em que ainda se identificavam traços do princípio da solidariedade, ainda presente, contudo, na previdência social estatal57.

56 WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada – Doutrina e Jurisprudência.

São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 63.

57 “Na origem, os planos oferecidos pelas entidades fechadas, em todo o mundo, eram do tipo BD e, no

Brasil, não se discrepou. Pretendia-se que o Primeiro Pilar proporcionasse valor certo, mas com limite máximo, e os fundos de pensão complementassem a renda na inatividade até determinado patamar. Até a década de 80, permaneceu o oferecimento maciço de planos do tipo BD, porém, em razão da

Já vimos que esse princípio advém do texto constitucional, quando estabelece, no caput do artigo 202, que o regime de previdência privada seria baseado na constituição de reservas que garantissem o benefício contratado. Ademais, observamos que, desde a edição da Lei Complementar 109/01, as entidades fechadas de previdência complementar só podem oferecer planos de benefícios na modalidade contribuição definida (artigo 31, § 2o, II). Os planos BD ainda existentes encontram-se,

majoritariamente, fechados para novas adesões.

Os novos planos pelos quais foram substituídos são os chamados planos CD (contribuição definida), na previdência privada fechada, e PGBL (Planos Geradores de Benefícios Livres), PRGP (Planos com Remuneração Garantida e Performance), PAGP (com Atualização Garantida e Performance), VRGP (Vida com Remuneração Garantida e Performance) e VAGP (Vida com Atualização Garantida e Performance), na previdência privada aberta.

De todo o exposto, pode-se concluir que o princípio do mutualismo é indissociável do seguro. Já na previdência social, pelo menos no caso brasileiro, ainda é relevantíssima a sua aplicação, na modalidade “solidariedade intergerações”, visto que inviável a acumulação de recursos por cada indivíduo para sua aposentadoria futura. Ainda é necessário, para a preservação da dignidade humana, valor prestigiado pela Constituição, que a geração ativa contribua para a aposentadoria da mais idosa, aposentada, e por esta razão os valores dos benefícios ficam sujeitos a limites pré- estabelecidos pelo Estado, não vinculados à remuneração do segurado.

Por seu turno, a previdência privada se encaminha gradativamente para o abandono do mutualismo e para a exclusividade do regime de capitalização, que determina a constituição de reservas individuais, incrementadas pelos ganhos financeiros obtidos pelas entidades gestoras, para fins de aposentadoria futura58.

responsabilidade pelo custeio que se coloca sobretudo com relação às contribuições patronais, tem-se verificado, em todo o mundo, a oferta majoritária de planos na modalidade de CD”. (RODRIGUES, Flávio Martins. Previdência Complementar: Conceitos e Elementos Jurídicos Fundamentais. Disponível em: <http://www.bocater.com.br/artigos/previdencia-complementar-conceitos-elementos- juridicos-fundamentais/>. Acesso em: 05 ago. 2013, p. 6).

58 Sobre a migração do sistema de repartição simples para o regime de capitalização, interessante a

ponderação de MARTINEZ: “Assim, frequentemente, o regime de capitalização é o próprio do

neoliberalismo, enquadrado como poupança individual e disponível, da iniciativa privada, para o plano do tipo contribuição definida, com baixo nível de solidariedade, hodierno e com tendência a se universalizar. Bom para as prestações programadas. Por outro lado, o regime de repartição simples, ideologicamente seria social-democrático, técnica previdenciária, de iniciativa estatal, para o plano do