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3 TRIBUTAÇÃO DO SEGURO E DO RESSEGURO

3.5 Tributação da indenização recebida pelo segurado

3.5.3 Distinção entre os conceitos de indenização e renda

3.5.3.3 Pagamento do capital segurado versus renda

Ficou estabelecida, linhas atrás, a premissa de que a expressão “indenização” seria utilizada exclusivamente para designar a prestação devida pelo segurador ao segurado, na hipótese de sinistro em seguro de dano. Ao tratarmos de seguros de pessoas, utilizaríamos a expressão “pagamento do capital segurado”.

141 SCHOUERI, Luís Eduardo; JARDIM NETO, José Gomes. Regime Tributário das Indenizações. In:

MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Regime Tributário das Indenizações. São Paulo: Dialética; Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2000, p. 237.

Essa distinção é importante porque, no âmbito do seguro de dano, a indenização efetivamente tem por objetivo recompor o patrimônio reduzido em decorrência do sinistro. Já no seguro de pessoas, não há falar em recomposição de patrimônio desfalcado, mas sim na estipulação, pela seguradora, de um prêmio a ser pago uma única vez, em parcelas, ou por toda a vida, a fim de que o segurado ou seus beneficiários venham a receber uma quantia predeterminada (e portanto não relacionada ao valor do suposto prejuízo), quando da ocorrência do sinistro.

A nosso ver, trata-se de prestações com semelhanças e dessemelhanças consideráveis, que implicam consequências jurídicas e tributárias distintas. Tanto o seguro de dano quanto o seguro de pessoas são contratos firmados entre o segurado e uma seguradora, tendo como objeto a garantia perante um risco. O segurado transfere o risco para a seguradora, que assume a obrigação de indenizar se e quando o sinistro

ocorrer. Ambos têm como partes contratantes, necessariamente, uma seguradora142.

Ambos estabelecem para o segurado a obrigação de pagar o prêmio que lhe garantirá o direito à indenização (ou restituição do capital segurado) na hipótese de sinistro.

Contudo, o seguro de dano e o seguro de pessoas se distinguem na quantificação do dano. O seguro de dano tem natureza indenitária, o que significa dizer que a indenização deve recompor o patrimônio, mas não pode ultrapassar o valor do dano causado ao interesse segurado. Já no caso do seguro de pessoas, conforme estabelecido pelo artigo 789 do Código Civil de 2002, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores.

Resta saber, portanto, se o pagamento do capital segurado caracteriza acréscimo patrimonial (renda) para os beneficiários ou o próprio segurado, ou também tem natureza de indenização ou reparação do patrimônio, situando-se, portanto, fora do campo da incidência do respectivo imposto.

Vale observar que a Lei no 7.713/98, no seu artigo 6o, excluiu

expressamente da incidência do imposto sobre a renda das pessoas físicas (i) os “seguros” recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou invalidez permanente do participante (redação dada pela Lei nº 9.250, de 1995); e (ii) o

142 Ressalva-se, contudo, que entidades de previdência privada também podem ser partes contratadas nos

seguros de pessoas.

capital das apólices de seguro ou pecúlio pago por morte do segurado, bem como os prêmios de seguro restituídos em qualquer caso, inclusive no de renúncia do contrato.

Ressalvamos que a legislação utiliza expressões tecnicamente incorretas. Refere-se aos “seguros” recebidos decorrentes de morte, e ao “capital das apólices de seguro ou pecúlio pago por morte do segurado”, quando deveria se referir ao pagamento do capital segurado pago pela morte de titular de seguro de vida. Mas fato é que excluiu tais valores da incidência do imposto sobre a renda das pessoas físicas.

Não obstante o tratamento que a lei ordinária dá aos referidos pagamentos de capital segurado, resta analisar sua natureza jurídica, a fim de apurar se a não- incidência do imposto decorre de isenção dada pelo legislador ordinário – que consequentemente pode ser alterada, restringida ou suprimida livremente – ou de hipótese de não-incidência tributária, por não consistirem em “renda”.

Também é importante ter presente, nessa análise, o fato de que os prêmios de seguro de pessoas, pagos por pessoas físicas, não são considerados despesas dedutíveis para efeito de determinação do imposto sobre a renda devido na Declaração de Ajuste Anual, e se pagos por empregadores em favor de empregados são tributáveis como remuneração indireta. Assim, se e quando ocorrer pagamento do capital segurado, seja por morte, seja por invalidez, ao menos uma parcela daquele montante corresponde aos prêmios pagos pelo segurado e não deduzidos (ou tributados) na apuração de seu imposto sobre a renda.

Ora, como já visto, os seguros pessoais não têm como objeto a cobertura de perdas patrimoniais em sentido estrito, ocasionadas por sinistros. Visam, diferentemente, obter cobertura contra acidentes ou doenças que atentem contra a vida ou a integridade física. Explica SILVA:

Nos primeiros, mais abrangentes, encontramos a cobertura para o evento morte, qualquer que seja o fato motivador de sua causa. Nos segundos, por conseguinte, tem-se a cobertura para os acidentes sofridos à pessoa do segurado, incluindo a invalidez, e até mesmo, a morte, desde que sejam decorrentes de um evento súbito, externo, violento ou involuntário, ou seja, um acidente na exata acepção da palavra.143

143 SILVA, Ivan de Oliveira. Direito do Seguro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 220-221.

Resta claro, portanto, que a indenização paga por morte ou invalidez não recompõe patrimônio material previamente existente, vindo, isto sim, a acrescê-lo. Observa-se aqui, inclusive, a peculiaridade de que, no seguro de vida, quem recebe o pagamento do capital segurado não é o contratante, mas sim os beneficiários que indicou.

Não obstante reconheçamos que, nos seguros de pessoas, não há reparação patrimonial em sentido estrito, seja para o segurado (seguro contra invalidez, por exemplo), seja para os beneficiários (seguro de vida), é preciso considerar, também, que os riscos cobertos consistem invariavelmente em infortúnios que causam danos morais aos segurados ou seus beneficiários.

No caso do seguro de vida, a restituição do capital segurado ocorre apenas na hipótese de falecimento do segurado que, ordinariamente, causa sofrimento aos beneficiários, no mais das vezes cônjuges e filhos que ficam desamparados. A invalidez também causa sofrimento, tanto para o segurado quanto para seus familiares. Perde-se a condição física que habilita às atividades cotidianas, sobretudo ao trabalho, ensejando o pagamento da indenização.

Sendo assim, também nestes casos se está diante da reparação de danos imateriais sofridos pelo segurado (invalidez temporária ou permanente) ou por seus beneficiários (morte de ente querido), que vêm a ser reparados pelo pagamento da indenização contratada com a seguradora ou entidade de previdência privada. Daí porque o próprio direito positivo veio a isentá-los da incidência do imposto sobre a renda.

São duas, portanto, as conclusões possíveis em relação à indenização dos seguros de dano. Por um lado, poder-se-ia considerar que sempre representará acréscimo patrimonial e, portanto, renda, pois pela sua própria natureza visa cobrir a morte ou a invalidez, e não prejuízos previamente quantificados, causados ao patrimônio material do segurado, como ocorre no seguro de dano.

Por outro, também é possível a conclusão – com a qual estamos de acordo –, de que a indenização, neste âmbito, só é paga em face da ocorrência de acidente ou outro infortúnio, não desejado pelo segurado ou por seus beneficiários. Assume, assim, a natureza de reparação do dano imaterial, previamente quantificado pelo próprio segurado como equivalente ao capital segurado.

Vale mencionar, ainda, que tal conclusão não gera distorção no sistema tributário, uma vez que os prêmios pagos pelos segurados, no âmbito dos seguros pessoais, não são dedutíveis, para fim de apuração da base de cálculo do imposto sobre a renda, e se pagos por pessoas jurídicas em benefício de seus empregados, são tributáveis.

Assim, pelas razões já expostas ao tratarmos da não incidência do imposto sobre indenizações por danos ao patrimônio imaterial, também aqui haverá hipótese de não-incidência tributária, pois a indenização não gerará acréscimo, mas sim recomposição patrimonial.