• Nenhum resultado encontrado

2 PRINCÍPIOS RELACIONADOS À ATIVIDADE SECURITÁRIA

2.3 O Princípio do Mutualismo ou Solidariedade

Para analisar e compreender a tributação aplicável aos sistemas securitários é necessário utilizar como premissas, também, alguns princípios e regras (ambos, repetimos, normas jurídicas) que lhes são próprios, em especial o princípio do

mutualismo ou solidariedade.

Esse princípio é determinante no âmbito dos sistemas securitários, principalmente no seguro e na previdência social. Contudo, ainda que em menor intensidade, é também indissociável do subsistema da previdência privada. Estamos convictos de que o princípio da solidariedade, dentro do sistema constitucional brasileiro, é corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e

43 PASSOS, J. J. Calmon de. O risco na sociedade moderna e seus reflexos na teoria da responsabilidade

civil e na natureza jurídica do contrato de seguro. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 5, p. 1-7, ago. 2001, p. 5.

da justiça social, pois atua como linha mestra para a operacionalização dos sistemas securitários que, por sua vez, contribuem para a concretização daqueles valores.

A ideia de mutualismo (pactos de auxílio mútuo) nasceu no âmbito do seguro, pois o instituto se funda no pressuposto de que, se muitos contribuírem com pouco, será possível para a seguradora arcar com o risco que só se efetivará em alguns casos.

Já na previdência social, o mutualismo (ou solidariedade) aparece sob forma diferente, pois nesse universo o que ocorre é o subsídio de uma geração (os ativos) para custear a aposentadoria da geração mais idosa (aposentados). Por esta razão, na previdência social, nos referimos ao mutualismo como “solidariedade intergerações”, também conhecido como regime de “repartição simples”44.

IVAN DE OLIVEIRA SILVA define o princípio do mutualismo como “a

concentração de esforços coletivos destinados a garantir a recomposição patrimonial

dos membros que, individualmente, foram vitimados pelas desventuras da fortuna”45.

Com efeito, como explica ALVIM, “é mais fácil suportar coletivamente as consequências

danosas dos riscos individuais que deixar o indivíduo só e isolado exposto a essas consequências”, porque,

[…] quando um risco ameaça uma coletividade, há um movimento quase instintivo de aproximação dos indivíduos que procuram mutuamente o amparo de que necessitam. Este impulso gera a solidariedade, que é um dos fundamentos do seguro. Ele nada mais é que um fundo comum alimentado pela pequena participação de cada um e administrado em benefício de todos para socorrer as necessidades daqueles que são vítimas do evento temido.46

Ainda sobre mutualismo, recapitule-se o esclarecimento de J. J. CALMON DE

PASSOS:

44 Explica WEINTRAUB: “O regime da Previdência Social tem por base um plano de benefício definido,

regrado pela repartição simples. No regime de repartição simples, quem trabalha paga pelos benefícios de quem já está aposentado. Esta é a chamada solidariedade intergerações. A premissa da solidariedade social intergerações pressupõe que o esforço geral beneficie os mais necessitados. No plano de benefício definido do regime de repartição, o princípio do solidarismo é mais patente” (WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 48, grifos do autor).

45 SILVA, Ivan de Oliveira. Direito do Seguro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 47.

46 SUMIEN, Paul. Traité Théorique et Pratique des Assurances Terrestres apud ALVIM, Pedro. O

Seguro e o Novo Código Civil – Organização e Compilação de Elizabeth Alvim Bonfioli. Rio de

Janeiro: Forense, 2007, p. 9.

Na verdade a operação de seguro implica a organização de uma mutualidade, ou o agrupamento de um número mínimo de pessoas submetidas aos mesmos riscos, cuja ocorrência e tratamento são suscetíveis de tratamento atuarial, ou previsão estatística segundo a lei dos grandes números, o que permite a repartição proporcional das perdas globais, resultante dos sinistros, entre os seus componentes. A atividade do segurador consiste justamente na organização dessa mutualidade, segundo a exigência técnica de compensação do conjunto de sinistros previsíveis pela soma total de contribuições pagas pelos segurados.47

Para diluir o risco, fez-se necessário repartir as consequências econômicas do evento danoso por um grande número de pessoas submetidas às mesmas incertezas.

Segundo BURANELLO, criou-se um sistema cujas partes “contribuíam com certa soma

em dinheiro para reparação dos encargos do grupo e se uniam pelos deveres de solidariedade recíproca. É a prática da mutualidade, um dos fundamentos essenciais da atividade securitária”48.

“Solidariedade”, “solidarismo” e “mutualismo” são muitas vezes utilizados como sinônimos. A solidariedade, na previdência, é típica da Seguridade Social,

podendo ser vista como seu postulado fundamental. Esclarecedora a lição de MARTINS

sobre o tema:

Sua origem é encontrada na assistência social, em que as pessoas faziam uma assistência mútua para alguma finalidade e também com base no mutualismo, de se fazer um empréstimo ao necessitado. É uma característica humana, que se verifica no decorrer dos séculos, em que havia uma ajuda genérica ao próximo, ao necessitado. Certos grupos vinham se cotizando para cobrir determinadas contingências sociais, como fome, doença, velhice, morte etc., visando, mediante a contribuição de cada participante do grupo, prevenir futuras adversidades. Passados os tempos, essa cotização foi aumentando, formando-se grupos por profissionais, por empresas etc., que por intermédio de esforços em comum, ou da criação de determinado fundo, vinham se preparando para quando não mais pudessem trabalhar. Daí o surgimento de pequenos descontos no salário para cobrir futuras aposentadorias, principalmente quando a pessoa não mais tinha condição de trabalhar para seu sustento. A solidariedade consistiria na contribuição da maioria em benefício da minoria. Os ativos sustentam os inativos.49

47 PASSOS, J. J. Calmon de. O risco na sociedade moderna e seus reflexos na teoria da responsabilidade

civil e na natureza jurídica do contrato de seguro. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 5, p. 1-7, ago. 2001, p. 5.

48 BURANELLO, Renato Macedo. Do Contrato de Seguro – O Seguro Garantia de Obrigações

Contratuais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 3.

49 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. São Paulo: Atlas, 2009, p. 53.

Na previdência social, a solidariedade ocorre sempre que várias pessoas economizam em conjunto para assegurar benefícios quando essas mesmas pessoas necessitarem. As contingências são distribuídas igualmente a todos os componentes do grupo. Quando uma pessoa é atingida pela contingência, todas as outras continuam contribuindo para a cobertura do benefício ao necessitado.

Verifica-se, assim, a importância e a força do mutualismo na atividade securitária, razão pela qual não se poderá deixar de levar em consideração tal princípio ao analisar as normas tributárias relacionadas a esse universo.

Embora o mutualismo tenha se originado do seguro, e a solidariedade intergerações marque profundamente a previdência social, este princípio também já influenciou fortemente a previdência privada, em especial enquanto a maioria dos planos oferecidos concediam benefícios definidos, baseados em cálculos atuariais com fundamento mutualista.

Contudo, a presença do mutualismo na previdência privada vem diminuindo, e segundo a Doutrina, tende a desaparecer. É verdade que, como ressalta WEINTRAUB “a solidariedade é um princípio jurídico essencial da Previdência, seja ela

básica ou complementar. A noção de proteção social inexiste sem o solidarismo”50.

Contudo, com o abandono gradativo dos planos de benefício definido (BD), e sua progressiva substituição pelos planos de contribuição definida, vem-se migrando, na Previdência Privada, para a supremacia do princípio da capitalização para acumulação dos recursos a serem pagos no futuro aos participantes, sob a forma de resgate ou benefício.

Trataremos, a seguir, do princípio da capitalização, a fim de identificar em que medida difere do mutualismo.