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1 1 A GÊNESE DO HOSPITAL MODERNO

1.6 O PROCESSO DE PRODUÇÃO E INOVAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES

Segundo Braga Neto (1991), o modelo tradicional de organização interna dos hospitais tem sido composto de dois sistemas que atuam em paralelo: um sistema administrativo e um sistema médico-assistencial. Isto porque existe, paralelo à gestão administrativa do hospital, um sistema de tomada de decisões descentralizado, conduzido por médicos, que inclui a escolha e o acompanhamento da conduta clínica a ser oferecida a cada paciente.

Esse sistema descentralizado fornece total autonomia ao médico, sobretudo porque esse profissional poderia escolher livremente a melhor assistência existente para os seus pacientes, sem qualquer preocupação quanto aos custos para levantamento diagnóstico e tratamento. Braga Neto (1991)

Para Braga Neto (1991), este sistema de dupla autoridade - administrativa e médica - possui dois conflitos potenciais de origem. O primeiro está representado por propósitos distintos de atuação. Um dos principais propósitos do administrador seria garantir um bom desempenho econômico para o hospital, suporte necessário à continuidade de funcionamento. Por outro lado, perspectiva, o médico concentra suas ações dentro do hospital, buscando garantir atendimento de qualidade, sem nenhuma associação com mais ou menos custo gerado. O segundo conflito está relacionado à possibilidade de o empregado do hospital receber ordens de duplo comando: uma primeira voz, da autoridade administrativa,solicitando o atendimento a uma determinada medida; uma segunda voz, do médico realizando um outro pedido. No caso de os dois pedidos caracterizarem um conflito mútuo, a quem atender? Evidentemente que é uma situação embaraçosa para o empregado. Seria preferível tentar evitá-la. Mas, para isso, seria necessário desenhar uma nova linha de distribuição de responsabilidades com maior clareza dos limites de competência funcional e melhor relação de complementaridade entre as esferas administrativa e assistencial.

Além da questão divisional provocada pela não existência de comando único, há um ponto prioritário a solucionar: a necessidade de a gestão ir além do acompanhamento do produto intermediário e passar a incluir também o acompanhamento do produto final, que é o conjunto de bens e serviços utilizados no processo de diagnóstico e tratamento de pacientes.

Conforme Harris (1977 apud Braga Neto), o hospital é como se fosse duas firmas em uma, pois há dois componentes no processo de produção hospitalar. O primeiro envolveria o processo de transformação de diversas matérias primas em insumos, para o atendimento aos pacientes, a fim de gerar os chamados produtos intermediários. Esse processo é realizado em diversos departamentos, como a cozinha, laboratório de análises clínicas, banco de sangue, serviço de radiologia e outros. Por outro lado, o produto final, sob responsabilidade do médico, tem sido gerado dentro desse modelo tradicional de gestão hospitalar, com a utilização de insumos livremente escolhidos pelos médicos, tanto no tipo quanto na qualidade e quantidade, sem nenhuma verificação dos custos gerados. O critério único seria promover a saúde do paciente.

Braga Neto (1991) afirma que fatores gerais, que posicionaram os hospitais em um contexto de dificuldades financeiras (vide parte introdutória desta dissertação), aceleraram o entendimento sobre a urgência de um novo modelo de administração para os hospitais, com ênfase na gestão de seu processo de produção. Isso incluiria a administração do processo de produção hospitalar de forma integrada, se não na totalidade, pelo menos buscando uma maior aproximação entre os processos de produção de bens e serviços intermediários e das linhas de produção assistenciais.

E para integrar os dois processos, seria condição fundamental alterar a lógica de geração do produto final. De uma lógica de pensamento livre do médico, voltado para ter o diagnóstico correto e a escolha do melhor tratamento, para uma lógica de estabelecer uma assistência mais padronizada, alicerçada em critérios de custo- efetividade. Mas, para estabelecer esse novo paradigma na gestão hospitalar, havia uma grande dificuldade a ser superada. O administrador tinha sua ação gerencial restrita ao processo produtivo do produto intermediário e não tinha poder tampouco conhecimento especializado (em Medicina) para argumentar e interferir nas decisões médicas. Além disso, subordinar as decisões médicas a protocolos não seria tarefa fácil, considerando-se às prováveis resistências. (BRAGA NETO,1991)

As resistências, entretanto, sofreram reduções porque se constatou grande variabilidade injustificada nas práticas médicas e a possibilidade de os médicos terem acesso a beneficiamentos para os seus serviços. Caso aceitassem a responsabilidade sobre a gestão do custo-efetividade no universo da estrutura de sua especialidade, poderiam receber parte da economia gerada e aplicá-las em

melhorias em seus serviços. Eisenberg (1986 apud Braga Neto,1991), em seu trabalho intitulado Doctors Decisions and the Cost of Medical Care, realizado nos Estados Unidos, concluiu que existiam padrões de atendimento muito díspares e que não havia justificativas para tal, mesmo considerando as variadas necessidades dos pacientes. Foram constatadas variações em todos os componentes da atividade médica, a exemplo de taxas de cirurgias, prescrição de medicamentos, bateria de exames diagnósticos solicitados, taxas de internação e no tempo médio de permanência das hospitalizações.Estes resultados ocorreram mesmo tendo sido considerados, no trabalho, comparações individuais entre médicos de uma mesma área. Mas o problema não se resumia à falta de padrão da conduta médica ou a possíveis desperdícios na utilização de recursos, como, por exemplo, solicitações de exames desnecessários. (BRAGA NETO,1991)

Conforme Braga Neto (1991), algumas condutas médicas foram consideradas inadequadas, promotoras de mais riscos do que benefícios à saúde dos pacientes. Assim a questão passou a incorporar o eixo da qualidade da assistência médica junto com o eixo econômico, o que reforçou a idéia de gerar uma assistência mais padronizada.

Foi imaginada uma nova configuração para a organização dos hospitais, por meio da separação de profissionais e recursos por linhas de produção. Essa idéia partiu da constatação de que as tecnologias são utilizadas com intensidade não uniforme entre as especialidades médicas. (BRAGA NETO, 1991)

Braga Neto (1991) esclarece que para essa nova realidade considerou-se a importância de incorporar o médico no sistema de controle gerencial do hospital, pois sua decisão tem grande influência tanto no aumento quanto na desejada contenção de custos. Se a intenção seria fazer com que os serviços clínicos administrassem a assistência prestada, a gerência destes serviços só poderia ficar com os médicos, únicos profissionais com a competência especializada para tal, considera Braga Neto (1991).

De acordo com Braga Neto (1991), esse modelo voltado para gerar uma maior integração entre a ação administrativa e as práticas assistenciais,

conhecido como modelo de gestão descentralizado, ganhou força com o surgimento do Diagnosis Related Groups7 (DRGs).

Os DRGs permitiriam assim o conhecimento dos produtos hospitalares, a relação entre esses produtos e os insumos empregados pelo hospital.

Esse sistema foi concebido por Fetter e outros pesquisadores de Yale, que propuseram também a gerência por linhas de produção ou a gerência de case-mix (ambas expressões com o mesmo significado). (BRAGA NETO, 1991)

Segundo Braga Neto (1991), com os DRGs, Fetter deseja aplicar em hospitais método de controle estatístico de processos, o que já vinha sendo utilizado em indústrias como referência nos controles de qualidade e custos. Assim imaginava estar criando um novo formato para a gestão hospitalar, tendo como base o conhecimento e a administração dos processos de produção. Provas estatísticas permitiriam verificar o grau de estabilidade dos processos. Isso se faria verificando- se o quanto as especificações de um processo de produção são seguidas na prática e o quanto esse processo gera um produto dentro de padrões pré-estabelecidos.

Esse enfoque objetivo não teria, contudo, a mesma eficácia no hospital quando comparado à indústria. Braga Neto (1991, p.105) lembra que é outra a realidade hospitalar: “nestas organizações se processam pessoas com necessidades as mais variadas, cada paciente representa um caso singular, de sorte que o estudo destes processos e produtos não seria tão simples”.

Segundo Braga Neto (1991), para a aplicação do sistema DRG ficou definido que a unidade de medida da produção hospitalar seria cada paciente tratado, abrangendo o conjunto de bens e serviços recebidos durante o atendimento. Contudo um ponto de interrogação foi levantado porque suscitaram dúvidas: como medir e avaliar a produção do hospital tendo cada unidade de medida (o paciente) uma situação singular?.

Finalmente, conforme Fetter et cols. (1980 apud BRAGA NETO, 1991), foi configurada uma estrutura que considerava um sistema de classificação de

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Sistema de classificação de pacientes internados, voltado para mensurar a produção do hospital. Parte-se do agrupamento de pacientes tratados que possuem características clínicas e perfil de tratamentos semelhantes, abrangendo todos os tipos de pacientes internados. Espera-se que esses grupos de pacientes recebam produtos ou serviços similares, constituindo assim grupos homogêneos, no que se refere ao consumo de recursos. Noronha et al (1991).

pacientes de acordo com o consumo de recursos. Foi criada uma árvore de decisões contendo as seguintes variáveis: o diagnóstico principal, a idade do paciente, a presença ou não de procedimento cirúrgico, a presença ou não de comorbidade/complicação e as condições de alta do paciente.

Com a ampliação da responsabilidade dos médicos, que incorporaram também funções administrativas, observa-se que os médicos atuantes como gerentes de linha de produção teriam como atribuições a coordenação de equipes assistenciais, o monitoramento de condutas diagnósticas e terapêuticas e também o papel de gestor financeiro do serviço. (BRAGA NETO, 1991)

Constatou-se também a necessidade de incluir um sistema de contabilidade de custos por DRG’s, com o intuito de permitir que os produtos hospitalares e o consumo de insumos por tipos de paciente viessem a ser transformados em valores monetários, passo complementar para viabilizar uma linguagem comum entre as áreas assistenciais e administrativas. (BRAGA NETO, 1991)

Por outro lado, diante de tantas amarrações proporcionadas pelo modelo gerencial descentralizado com a aplicação das DRGs, era de se esperar que os médicos pudessem ver a forte padronização de condutas clínicas como tecnocrática e inibidora da atividade profissional. Como contra-argumentação, os defensores do novo modelo entendiam que a metodologia de controle estatístico de processos permitiria um melhor conhecimento das práticas médicas e colaboraria para o aumento de qualidade assistencial, gerando uma melhor relação custo-efetividade. (BRAGA NETO, 1991)

Embora a forte padronização para as condutas clínicas objetivasse a estabilidade dos processos, a redução da variabilidade e a permissão para o controle e a predição, Fetter (1986 apud Braga Neto, 1991) admitia que a busca de estabilidade para as práticas assistenciais a partir do controle estatístico seria limitada a valores estimados entre 60 a 70% dos processos, devido aos limites do conhecimento médico.

O modelo então seguiu em frente e foi aplicado em hospitais norte- americanos em meados da década de 80 do século passado e também posteriormente foi aplicado em países europeus. Braga Neto (1991) afirma que os DRGs devem mesmo ser uma ferramenta efetiva para a mensuração do case-mix hospitalar, pois tem havido interesse internacional em torno deste sistema.

Braga Neto (1991) defende que tanto nos hospitais públicos quanto nos hospitais privados deve haver uma maior aproximação entre as áreas administrativa e clínica, por meio de uma linguagem comum entre os procedimentos clínicos e os valores econômicos, para que se possa gerar uma melhor relação custo-efetividade entre os insumos consumidos no processo e os produtos. Para o autor, esse modelo parece significar um movimento irreversível no sentido de maior controle e melhor atendimento nas organizações hospitalares, com a inclusão da participação do médico na gestão assistencial.

Embora favorável à mudança, Braga Neto (1991) cautelosamente afirma que a aplicação dessas idéias (originalmente concebidas para a realidade norte- americana) à realidade brasileira necessita da realização de novos e avançados estudos que levem em conta a realidade brasileira. O autor lembra também que esse modelo implica mudança de papéis dos médicos. Eles sairiam da posição hipocrática de advogado do paciente para a posição de mediatário entre os interesses do paciente e os da organização, o que os levaria a considerar também as questões econômicas, antes de definir a conduta a ser aplicada. O autor reconhece também que esse modelo vai de encontro ao fortalecimento de redes regionais ou locais de serviços, onde cada unidade atua em campo específico e se integra às demais unidades. Como o modelo tem características de descentralização da gestão, dificultaria o acesso a dados, por estarem mais fragmentados (distribuídos) em diversos serviços médicos, o que implicaria o retardo de decisões e colocaria em risco a efetividade dessas redes.

1.7 FALHAS DE MERCADO E REGULAÇÃO DA ATIVIDADE PRIVADA NO