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3 FILOSOFAR E ESCOLA: EXPERIÊNCIAS DE PENSAMENTO COM CRIANÇAS

3.7 O RPG no ensino de filosofia: diálogo e imaginação

As produções de diferentes elementos ligados à filosofia e seu ensino parecem diminuir as extremidades do currículo, instigando os educadores, filósofos, a incrementar o teatro, a música, o diálogo, até mesmo educação ambiental à filosofia, privilegiando a invenção. Assim, destes constantes lócus de experiências, soma-se o RPG (Role Playing Game), por se tratar de um jogo interpretativo, que tem como marco o diálogo e a criatividade, no movimento de ascensão filosófica, que está em curso nas escolas; o mesmo foi convidado para atuar junto à filosofia, ao filosofar propriamente dito. Assim, no Estado de São Paulo um grupo de pesquisadores da Universidade do ABC realizou essa experiência com uma adaptação da obra “O príncipe” escrito por Maquiavel, adaptando sistemas e fichas usais do jogo, dividindo uma turma de jovens em cinco grupos:

Destacamos aos alunos, nesse processo, o contexto histórico que foi escrito o livro, o papel social do príncipe na manutenção e na coesão da sociedade, os conceitos de virtù e fortuna, os principais personagens envolvidos no jogo de poder (príncipe, povo, nobreza, nobreza real e clero) e, por fim, suas respectivas características: virtù, respeito, obediência, revolta, recursos, influência, fieis e recursos. Uma grande característica da referida adaptação é, além de explicar os conceitos da teoria filosófica, poder operacionalizá-los de forma prática (LIMA et al., 2012, p. 10).

21 Entendemos que cartografar com crianças é possibilitar com que essas (des)conexões com a vida aconteçam; é traçar rotas em um mapa que pode ser alterado a cada passo dado. Encontros e desencontros em um mesmo espaço físico, mas em tempos distintos de pensamentos e provocações com/no mundo. Experimentações diversas.

O foco foi a filosofia política colocando em prática conceitos estudados com temas filosóficos, no intuito de deixar a explanação histórica, bibliográfica dos filósofos, em suspenso, com a intenção de provocar outros pensamentos. Essa ação pode ser considerada como uma das primeiras ligações do RPG ao ensino de filosofia, como uma metodologia para atuar na sala de aula, um pouco desvinculada da ideia de expor conteúdos por meio da explanação de conteúdos. Por tal incidência, mesmo que ainda voltada à aprendizagem filosófica destitui a forma tradicional, agregando sentido para nossa experiência do RPG, não como uma forma de transmitir saberes, mas como experiência para vivência com as crianças.

As seis experiências selecionadas e analisadas, apesar de regiões e espaços diferentes, possuem aproximações com o projeto “Filosofia na escola”. Destacamos a intenção de não estabelecer pontos fixos para o pensar, algo que é explorado também nas oficinas do projeto “Filosofando na Quitanda do Mário” e nas experiências filosóficas escolares do projeto “Em Caxias a filosofia en-caixa?!.”. As duas ações seguintes - “Pensando e praticando filosofia com crianças: tecendo em fios a presença do outro na conversa”, “Encontros de filosofar: experimentações do pensamento com crianças” - foram apresentadas no VIII Colóquio Internacional de Filosofia e Educação, no ano de 2016, assinalando que há invenções em curso para a relação entre filosofia e infância. Seguindo essa trilha trouxemos da Universidade do ABC-SP uma das primeiras experiências com o RPG e a Filosofia, que aconteceu em 2012. Nessa linha, observa-se o afastamento de planejamentos prévios como única forma de fazer filosofia na escola.

Na verdade, a própria ideia de ensino é questionada, pois destaca-se o interesse em ouvir as vozes que fazem parte das vivências. Trata-se de filosofar com o participante e não para ele. Tais apontamentos integram tanto uma noção de filosofar, como de pensamento e infância que vem se desvelando na contemporaneidade. Com isso, resta-nos a seguinte inquietação: o que aconteceria com o ensino de filosofia nas escolas, se mais propostas trilham esse caminho? Os benefícios para a infância poderiam ser traduzidos na vontade de construir conceitos, no desejo de se aventurar pelo pensamento, de conhecer os mistérios que habitam o pensar filosófico, ao invés de apenas aprender sobre ele, seria possível instituir uma relação de alteridade e proximidade com a filosofia?

Portanto, a escola, enquanto principal instituição de acolhimento, manifesta um interesse, abrindo espaço para experiências do pensar, distanciando-se de uma matriz de conhecimento para oportunizar o acontecimento de um exercício filosófico não traçado, conforme Oliveira (2008, p. 256): “a filosofia que navega com algumas bússolas, mas sem caminhos já traçados”. Nesse sentido se dá a contribuição do filosofar, não como um parâmetro

para uma forma correta de conferir alteridade, mas partilhando da mesma condição de mistério, incerteza, que se faz presente na curiosidade infantil em sua conexão com o mundo. Doravante, em tal similitude entre infância e filosofia cabe ressaltar que a criança expõe um filosofar próprio, onde não há necessidade de ensiná-la a conduzir essa experiência, repensando, assim os próprios fundamentos filosóficos, como escreve Tim (2010, p. 45):

Não precisamos, portanto, ensinar a criança a filosofar; precisamos reaprender, com ela, de como não deixar que a curiosidade que habita as questões filosóficas fundamentais se transforme em uma questão da economia interna de uma mera mônada pensante, mas se desdobre no agir que transforma a curiosidade em relação com o mundo em preservação ética da alteridade do outro, esteja ele onde estiver.

A experiência do pensar descrita nas palavras de Tim (2005) assinala uma intrínseca relação com alteridade, atribuindo importância ao filosofar da infância, da forma como se revela, solicitando o deslocamento da própria filosofia, ou seja, a descentralização (LEOPOLDO; SILVA, 2016). Trata-se de uma possibilidade de aproximação da infância, no mesmo movimento do filosofar, como acontecimentos de múltiplos sentidos, uma partícula de experiência que já habita a escola, pois integra-se, dialoga, ouve a infância, não enxerga na criança uma prerrogativa de negação, mas almeja ouvir sua voz, filosofar com ela, acontecer com ela.