• Nenhum resultado encontrado

5 TECENDO CENAS NA AMBIENTAÇÃO DO RPG: O JOGO, UMA POSSIBILIDADE RESSOANTE PARA O PENSAMENTO?

Tudo que não invento é falso (BARROS, 1996, p. 15).

Esta seção se configura como o intercambiar de experiências desconhecidas. Buscamos dialogar com as crianças, pois não é de nosso interesse seguir essa trilha sem elas. De tal forma, escrevemos algumas cenas iniciais para começar essa conversa, porém, advertimos que se trata de rasuras, pois o jogo em si, os cenários que dele brotaram, encontram-se na voz das crianças e seus pensamentos, que se misturaram nessa trilha, iniciada por nós, desencadeando palavras que afetaram o cerne de nossas construções, ou qualquer outro pensamento que julgávamos estar pronto.

Para que seja possível criar tal comunicabilidade, com desejo de possibilitar experiência em um jogo de RPG, torna-se necessária uma história em curso, mas não uma história pronta para ser interpretada. Trata-se de uma temática que pode variar no tempo, assumindo uma infinidade de temas, atados a períodos medievais, contemporâneos ou futuristas, possibilitando até mesmo a criação de novos mundos, e outros tempos. Nessa ambientação, os personagens desenvolvem suas ações, vivenciam sentimentos, lutam, resistem, ou quem sabe filosofam.

Desta forma, o narrador pode mudar e inserir novos elementos no cenário, de acordo com o desenvolvimento da trama pelos personagens. A interpretação de cada personagem é feita pelo jogador, são comuns o uso de cenas pelo narrador e também o uso de NPCs na trama. Nessa direção, relacionamos a ambientação do RPG com o que Deleuze e Guattari (2000) descrevem na obra “O que é a filosofia”, como plano de imanência, referindo-se a um aspecto pré-filosófico do pensar, que na verdade o sustenta.

O plano é como um deserto que os conceitos povoam sem partilhar. Funcionando como um suporte para eles, sem que haja uma interligação que os misture. Nele os conceitos deslocam-se, ganham movimento. E o plano que assegura o ajuste dos conceitos, com conexões sempre crescentes, e são os conceitos que asseguram o povoamento do plano sobre uma curvatura renovada, sempre variável (p. 52).

São essas conexões que buscamos manter em nossa ambientação no jogo. Os acontecimentos na trama devem ser autônomos, para que o narrador/pesquisador, que não está inserido no jogo como um personagem, possa manter a característica de um ambiente variável, que abrigue os conceitos ali postos, criados pelas crianças, distanciando-se de um método, ou de um estado planejado de conhecimento. Portanto, almejamos oferecer às crianças uma

narrativa que não as condicione em suas criações, e que possa lançá-los no inesperado, alavancando suas vozes, pois advogamos que essa é uma das mais incisivas características de um movimento filosófico, do exercício da própria alteridade, consiste na experiência, desfocada do sentido de experimento, método, instrumento de pesquisa.

Desta forma propomos rodas de conversas, pois cada criação necessita ser registrada, discutida em grupo, em relação aos jogadores. Assinalamos que são 12 crianças da turma que nos acolheu28 participando. Esse momento foi bastante significativo nos encontros, pois nos colocou em contato com a dinâmica do pensamento das crianças sobre as características de seus personagens. Aliam-se também suas origens, os motivos que levaram os personagens até a escola, e mais ainda, o que pensam das vivências escolares. Para subsidiar essa fase estabelecemos uma pontuação que variava de 0 a 10, distribuída em categorias para todas as fichas29, também como parâmetro para o uso do dado D-2030.

Os participantes decidem como empregar esses pontos, com base em suas convicções sobre o que desejam dos seus personagens, tal como acontece em uma sessão de RPG tradicional. Nesta conjuntura acreditamos na instauração de uma atmosfera fundante para a mobilidade do pensamento, do próprio filosofar, que terá como um canal de propagação os personagens, envolvidos em uma narrativa modular, que também será elaborada junto a eles. Sardi e Santos (2008, p. 7) nos recordam que “o filosofar não reflete sobre uma imagem do pensamento, mas é um movimento de construção, pode acontecer por conversações em diálogo aberto ou em uma narrativa”. Nesse ponto, considerando toda nossa intenção até aqui, apresentaremos as cenas que foram utilizadas em nossas sessões com as crianças na escola, pensadas em conjunto com as crianças; algumas foram escritas com base em suas palavras, no desvelar do jogo.

Todas essas criações formaram cidades, trilhas, encontros com outros personagens, cada lugar pensado por onde os participantes passaram deixava uma marca singular no mundo que foi se formando nos encontros, no entorno da história. Assim como acontece nas campanhas de RPG, notamos que surgiu a possibilidade de criar um mapa, sem a pretensão de encadear ou dar uma sequência lógica a esses pensamentos, mas no sentido de preservar o que foi dito e rabiscado sobre Arken.

28 Encaminhados documentos de autorização para todos os pais das crianças que desejaram participar do jogo, porém, obtivemos 12 autorizações. Não utilizamos critério de seleção das crianças, oferecemos o convite a toda turma. Mais tarde, no jogo, esse grupo foi dividido em 6 crianças, onde intercalávamos a sessão.

29 Ficha de Personagem: Ficha em PDF preenchível para que os jogadores guardem as informações mais importantes sobre seus personagens.

30 O dado possui 20 faces articuladas, utilizadas para orientar os jogadores na trama, medindo poderes e outras ações de seus personagens.