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6 CIRANDA DE VOZES: CENAS DE EXPERIÊNCIAS E ENCONTROS COM OS DIZERES E ALTERIDADES DA INFÂNCIA A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA

6.9 Uma escola Arco-íris: abrigo para experiência

No caminhar de alguns séculos temos convivido com a escola, que desde a sua fundação revelou mais do que uma preocupação com as crianças; sob seus cuidados estaria a próxima geração de adulto. Todavia, tal responsabilidade gerou alguns discursos pedagógicos que se tornaram hegemônicos, uma forma padrão de ser escola, bancas arrumadas em fila, professora à frente da sala, antes existia até um degrau construído abaixo das lousas para que o professor mantivesse sua autoridade (GHIRALDELLI, 2007). Assim, resolvemos expor para as crianças uma escola mais distante dessas caracterizações, onde crianças não são o alvo das aprendizagens, não são elas que integram as fileiras de bancas, mas os adultos, os professores. Os participantes revelaram surpresa por se deparar com uma escola que não ensina disciplinas, colocando-as como um tipo de estudo, suas infâncias enquanto ensinamento.

São na verdade funcionários, professores, que buscam entender o que aconteceu com as crianças. Seria uma tentativa de tornar a escola mais convidativa para esses alunos, que supostamente deixaram a cidade. Esses adultos se reúnem todos os dias para formular estudos, práticas, julgando que o “problema” reside no enigma da infância (KOHAN, 2005). Talvez, se ele for solucionado, será possível fabricá-la e assim trazer as crianças para a cidade.

Apesar de ser uma escola com uma proposta de acolhimento, parece que esses adultos se perderam em algum momento, estão confusos, tornaram-se prisioneiros de pensamentos que só conseguem traçar objetivos. Os adultos que as crianças encontraram estavam centrados em uma invenção da infância, em suas concepções essa seria a solução para esse problema na visão deles, uma garantia de retorno das crianças perdidas.

Neste ponto seguimos nossa ambientação, pois apesar do que acontece para dentro dos muros da escola, ela não deixou de ser mágica, e guardar alguns segredos, então assinalamos uma suposta parede invisível que os bloqueava, mas no chão estavam escritas essas palavras: “Para me ver é muito fácil, pinte minhas cores, e faça meus traçados”. Daniele, na sua vez de jogar, lembra dos poderes descritos em sua ficha, ela tenta obter tintas, telas, tudo que possa ajudar na pintura, como expõe sua fala: “vou fazer uma mágica para tentar pegar umas tintas,

hidrocor! Pintar com dedo seco vai dá certo não”.47 Tal como um desenho, eles solicitaram folhas, e nos alertamos que cada ação poderia ter uma coisa da escola.

Assim foi feito, dentro e fora do jogo, pois disponibilizamos folhas para que essa escola fosse traçada, do jeito que eles queriam. Os detalhes do prédio chamaram atenção pela diferença em relação à realidade, foram desenhadas janelas redondas com batentes floridos, torres de castelos, muros coloridos e baixos. Toda essa diferença se misturou nos tracejados, então, também nos foi dada uma folha, não precisamos perguntar para quê. Enquanto os desenhos iam sendo produzidos, indagamos:

Janice: Estou vendo todo mundo empolgado, mas tem uma coisa, gente, porque os desenhos são tão diferentes da escola M.M?

Kaune (grupo 2): Oxe! A senhora não tá vendo? Isso aqui é o M.M sim, mas do jeito brincadeira.

(Relato gravado, 02.12.2016)

Kaune nos mostrou o desenho dela, depois Julia, e os outros, isso nos causou um verdadeiro espanto. De fato, eles estavam fazendo a escola M.M de ângulo muito diferente, assim, foi preciso ir juntando as pistas. Os olhares infantis sobre sua escola é de fato uma característica única, um achado da infância, mas havia um detalhe que percebemos, e nos perguntamos, pois apenas nesse momento atentamos para isso e nos pusemos a olhar as paredes à nossa volta: por que tudo era tão diferente do lado de cá? Tal como aconteceu com os personagens logo no início do jogo, a escola Arco-íris desenhada pelas crianças foi mais um acontecimento imprevisto na ambientação, acolhida pela nossa metodologia; então, registramos dois momentos imprevistos que trouxeram o desenho como um dizer.

Por fim, quando eles terminaram, informamos que pegando uma parte de cada desenho tínhamos a escola Arco-íris, que agora, eles poderiam entrar. Essa escola foi criada em uma sessão de jogo sendo colorida com os lápis de cera48. Tínhamos salas cheias de desenhos, flores, muitos detalhes que só encontramos em uma parte da instituição, nas turmas da educação infantil. Segue abaixo o desenho, realizado com base nos outros.

47 Utilizamos o dado D-20 e a rolagem. 48 A escola cedeu o material para as crianças.

QUADRO 5- Registro de um desenho sobre a escola mágica, produzido pelos participantes, alunos de uma escola pública na cidade de Caruaru- Pernambuco.

Fonte: A Autora (2016)49.

Desejamos saber mais sobre isso, mas não fizemos essa relação, falamos aqui da nossa percepção, com base nos primeiros encontros com a escola, onde nos foi apresentado todo local, incluindo essas salas, que ficam separadas do ensino fundamental I. Com o desenho tão peculiar das crianças, nós colocamos o pensamento em movimento em torno desse detalhe, que nos chamou atenção.

_Janice: Porque é tão diferente aqui (mostrei o desenho), daqui? (fiz um gesto sinalizando que me referia a onde estávamos agora)

_ Luiz: A tinta é branca e vermelha, só tem duas cor.

_Daniele: Essas salas daqui não pode ter muito desenho, é mais alfabeto. _ Paulo: Mas no prezinho tem os alfabeto e um monte de coisa, lá é mais colorido nas paredes tia.

_Cassimiro: Tudo que eu fazia lá era lindo!

Paulo irrompe nos falando da saudade do prezinho, como ele chama, onde tudo era mais colorido, enquanto Cassimiro revela que tem saudade porque no prezinho tudo que ele fazia era

lindo, podia sempre desenhar, pintar e cantar. As falas das crianças nos dizem que eles não estão inseridos dentro da lógica da transição, com suas divisões e leis de obrigatoriedade. Citamos uma observação de Kramer et al. (2011) sobre a transição que eles vivenciam onde a autora informa que “A educação é um campo de disputa. Educação infantil e ensino fundamental estão colocados num patamar díspar na educação básica. Concorrem” (p. 45). A concorrência citada, somado à obrigatoriedade da passagem para o ensino fundamental, deixa esse saudosismo, parecem mundos completamente diferentes que devem perder a comunicação, o que pode parecer simples para as crianças que vivem tal separação não é, posto que a experiência escolar não se organiza em etapas, mas em vivências, momentos que marcam, encontros, um constante ladrilho de experiências, por onde passa o filosofar.

As diferenças impostas por essa transição nos ajudam a entender o desejo de preservação, que abarca ursos mágicos, desenhos de terra molhada, histórias inventadas. São memórias, acontecimentos que seguem sem vínculo etapista. Por isso, no nosso mundo, a escola formada de pedacinhos de desenho, com um pouco de cada um, é o que origina as salas, corredores, bancas, conservando cores, tudo que eles acham que é, aqui será. Suas percepções podem ser alojadas com a criação dessa escola no mundo de Arken, encontrando lugar nas experiências que possam acontecer nesse espaço da fantasia.