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Trinta anos de controle da Administração Pública: À espera de um giro de eficiência

2. O sistema de controle da Administração Pública

federal na Constituição de 1988

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O controle da Administração Pública brasileira é eminente- mente fragmentado, marcado pela existência simultânea de diver- sas instâncias de controle, sem que haja qualquer mecanismo de

coordenação entre elas. A Constituição de 1988, em seu art. 7019,

estabelece que a atividade fiscalizatória do poder público será exercida por meio de um sistema de controle interno, exercido dentro do próprio Poder Executivo, e outro externo, a cargo do Poder Legislativo.

18 Para um panorama mais aprofundado desse sistema, consultar: FURTADO, Lucas Rocha.

As raízes da corrupção no Brasil: estudos de casos e lições para o futuro. Belo Horizonte:

Fórum, 2015.

19 Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

O controle interno não foi objeto de maiores minúcias no tex- to constitucional. Em âmbito federal, no entanto, pode-se afir- mar que ele é exercido por duas instâncias: a Advocacia-Geral da União (AGU), que realiza um controle de natureza jurídica acerca da legalidade da atuação administrativa, e o Ministério da Trans- parência, Fiscalização e Controladoria Geral da União (CGU), cuja atuação se volta mais para aspectos contábeis, orçamentários e patrimoniais.

No que se refere à AGU, o art. 131 da Constituição de 198820

prevê que à Advocacia-Geral da União compete a representação judicial e extrajudicial da Administração Pública Federal direta e indireta, bem como o exercício das atividades de consultoria e as- sessoramento jurídico do Poder Executivo. A Lei Orgânica da AGU deixa claro o papel do órgão no controle interno da Administração Federal, estabelecendo como atribuição do Advogado-Geral da União “assistir o Presidente da República no controle interno da

legalidade dos atos da Administração”21 e da Consultoria Geral da

União, órgão interno da AGU, “assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou

entidade sob sua coordenação jurídica”22.

O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria Ge- ral da União (CGU), por outro lado, não consta do texto constitu- cional. Sua criação – ao menos na versão atual – deu-se em 2016,

por meio da polêmica23 Lei nº 13.341/2016 (fruto de conversão da

Medida Provisória nº 726/2016), que, em meio a debates sobre o risco de enfraquecimento do sistema de controle interno da Admi- nistração, retirou da antiga Controladoria-Geral da União o status de órgão autônomo ao criar o atual Ministério da Transparência. Até 2016, no entanto, a CGU era um órgão vinculado diretamente ao

20 Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

21 Lei Complementar nº 73/93, art. 4º, VIII.

22 Lei Complementar nº 73/93, art. 11, V.

23 Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/05/26/Qual-%C3%A9-o- impacto-de-transformar-a-CGU-o-%C3%B3rg%C3%A3o-anticorrup%C3%A7%C3%A3o-do- governo-em-um-minist%C3%A9rio>. Acesso em: 10 ago. 2018.

Presidente da República, que exercia, na forma da hoje revogada Lei nº 10.683/2003, competências “atinentes à defesa do patrimô- nio público, ao controle interno, à auditoria pública, às atividades de ouvidoria-geral e ao incremento da transparência da gestão no

âmbito da Administração Pública Federal”24.

Já na esfera do controle externo, embora a Constituição dis- ponha que este será realizado pelo Congresso Nacional, o papel do Legislativo no controle da Administração é precipuamente político; isto é, o controle do Poder Legislativo sobre o Executivo é, majori- tariamente, político, exercido por meio dos julgamentos dos crimes de responsabilidade (impeachment). Os crimes de responsabilidade são disciplinados pela Lei nº 1.079/50, cujos arts. 4º a 13 trazem uma série de tipos abertos que caracterizam crimes de responsabilidade. A título de exemplo, o art. 4º da Lei nº 1.079/50 considera cri- me de responsabilidade “os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, con- tra: a existência da União; o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do país; a probidade na administração; a lei orçamentária; a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; e cumprimento das decisões judiciárias”. O dispositivo legal, em sua literalidade, trata como crime de responsabilidade quaisquer atos que atentem contra a Constituição, sendo o seu rol de incisos meramente exem- plificativo – como deixa clara a utilização do advérbio “especial- mente” –, evidenciando o caráter aberto dos tipos sancionadores do crime de responsabilidade.

Essa opção do legislador faz com que haja espaços para o Legislativo deliberar, no exercício de sua atividade política, se de- terminada conduta representa, ou não, ato atentatório contra “o livre exercício dos poderes” ou “a lei orçamentária” para fins de caracterização de crime de responsabilidade. Não há uma defini- ção exata de quais comportamentos enquadram-se nos tipos san- cionadores ali trazidos; o enquadramento em si é sujeito a alguma esfera de controle político pelo Legislativo.

A Ciência Política afirma, nessa esteira, que o Legislativo atua como veto player no desenho institucional da Constituição de 1998, na medida em que, caso o Presidente da República conte com al- tas taxas de reprovação no Legislativo, o escrutínio sobre pedidos de abertura de processos de impeachment tende a se tornar mais rígido. Os tipos abertos da Lei nº 1.079/50 acabariam, assim, por permitir a deflagração de procedimento de apuração de crime de responsabilidade em relação a condutas situadas em uma zona cinzenta, sempre que o interesse do Parlamento seja de realizar

uma espécie de “recall” do Chefe do Poder Executivo25.

O presente artigo, no entanto, não tem como objetivo apro- fundar o sistema de controle político da Administração. Seu foco reside na análise do controle jurídico do poder público federal, como já pontuado. E, neste tocante, ao longo das três décadas de vigência do texto constitucional, é evidente o protagonismo de dois órgãos independentes de controle externo: o Ministério Públi- co Federal e o Tribunal de Contas da União.

O Ministério Público da União divide-se em quatro órgãos: Federal, Militar, do Trabalho e do Distrito Federal e Territórios (CF/88, art. 128, I). Dentre suas funções institucionais, inserem-se “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei“, “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” e “expedir notificações nos procedimentos administrati- vos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva” (CF/88, art. 129, II, III e VI).

25 Para aprofundamento nas ideias aqui tratadas vide: STEARNS, Maxwell L.; ZYWICKI, Todd J.

Public choice concepts and applications in law. St. Paul, Thompson Reuters, 2009; MASHAW,

Jerry L. Greed, chaos, & governance. Using public choice to improve public law. New Haven: Yale University Press, 1997; FARBER, Daniel A. e FRICKEY, Philip P. Law and public choice. A

critical introduction. Chicago: University of Chicago Press, 1991. Especificamente em relação

ao modelo de presidencialismo de coalização brasileiro, vide: MELO, Marcus André; PEREIRA, Carlos. Making Brazil work. Checking the president in a multiparty system. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013 e PEREIRA, Carlos; POWER, Timothy e RAILE, Eric. Presidencialismo de coalizão e recompensas paralelas. In: Legislativo brasileiro em perspectiva comparada. Org. Magda Inácio e Lucio Rennó, Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 207-234.

O Ministério Público atua, portanto, em duas esferas: a penal e a civil. Na esfera penal, o controle da Administração se faz de forma indireta, por meio da tipificação de uma série de crimes con-

tra a Administração Pública26. Esse controle é indireto porque não

recai sobre a pessoa jurídica integrante da Administração, mas, sim, sobre as pessoas que mantêm relações com a Administração, sejam agentes públicos, sejam particulares que celebram instru- mentos negociais (contratos, convênios e afins) com o Estado.

Na esfera civil, o controle externo exercido pelo Ministério Público se faz tanto sobre particulares e agentes públicos, quan- to sobre as pessoas jurídicas integrantes da Administração. O principal instrumento desse controle externo de natureza civil é a ação civil pública, em suas três espécies: comum, regida pela Lei nº 7.347/85; por improbidade administrativa, prevista no art. 37, § 4º da Constituição de 1988 e disciplinada pela Lei nº 8.429/92;

e por ato de corrupção, regulamentada pela Lei nº 12.846/201327.

A ação civil pública comum (ACP) é espécie de ação coleti- va que visa à tutela do patrimônio público e de interesses coleti- vos em geral, tornando-a importante instrumento de controle da atuação administrativa e da gestão de recursos públicos. A Lei nº 7.347/85 atribui legitimidade ativa para propô-la ao Ministério Pú- blico, aos entes federativos, à Defensoria Pública e a associações

da sociedade civil28. Além disso, mesmo nas ações em que o MP

26 Código Penal, arts. 312 e 337-A, que preveem tipos penais como o peculato (“apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”), a concussão (“exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”), a corrupção ativa (“apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”), corrupção passiva (“solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”) e a prevaricação (“retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”).

27 A jurisprudência do STJ considera a ação por improbidade administrativa uma espécie de ação civil pública. Neste sentido: REsp 1366721/BA, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro OG Fernandes, Primeira Seção, julgado em 26/02/2014, DJe 19/09/2014).

28 A legitimidade da Defensoria Pública decorre do art. 5º, II, da Lei 7.347/85 acrescido pela Lei nº 11.448, de 2007). No julgamento da ADI nº 3.943, proposta pela CONAMP, o STF, sob a relatoria da Min. Carmen Lúcia, confirmou a legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (Inf. Stf 784). No mesmo sentido dispõe a própria Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC nº 90/94) em seu art. 4º, VII, VIII, X e XI.

não é autor, atua obrigatoriamente como fiscal da lei e cabe ao órgão assumir a ação em caso de abandono ou desistência injus- tificada por associação legitimada – o que demonstra a relevância do papel do Ministério Público nas ACPs.

Já a ação civil pública por improbidade administrativa (AIA) objetiva tutelar (e, sobretudo, punir) atos que importem enriqueci- mento ilícito, dano ao erário ou violação a princípios da boa admi- nistração pública. A legitimidade ativa para a ação é do Ministério Público ou da pessoa jurídica lesada pelo ato ímprobo, muito em- bora este atue necessariamente como custus legis nas ações pro- postas pela pessoa jurídica lesada. A legitimidade passiva, por outro lado, recai precipuamente sobre agentes públicos que incorram em condutas tipificadas na Lei nº 8.429/92, mas sendo possível, desde

que na mesma ação29, a responsabilização de terceiros que também

se beneficiem de atos de improbidade, inclusive pessoas jurídicas30.

Nas ações propostas pelo MP, a pessoa jurídica prejudicada pelo ato será intimada para informar se deseja ingressar no polo ativo (na hipótese de concordar com a existência de ato de improbidade), no polo passivo (no caso de discordar da ilegalidade do ato) ou se não possui interesse no feito (na hipótese de entender que o ato não

trouxe reflexos para o Estado)31.

Enquanto nas ACPs comuns os pedidos giram em torno de obrigações de fazer e/ou reparação de danos morais e patrimo- niais, a Lei nº 8.429/92 possui evidente viés sancionador, preven- do, em seu art. 12, penas de caráter civil, eleitoral e administrativo, tais como: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pú- blica, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

29 STJ, REsp 1.460.532/DF. 1ª Turma. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 04/08/2017. Entendimento consolidado, inclusive, em Tese pelo Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-ago-08/fimde-editado-stj-divulga-14-teses-improbidade- administrativa>. Acesso em: 30 set. 2018.

30 STJ, REsp 1.038.762/RJ. 2ª Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. DJ 18/08/2009. No mesmo sentido: REsp 970.393/CE, 1ª Turma. Rel. Min. Benedito Gonçalves. DJ 21/06/2012.

Muito embora o caráter pessoal das sanções na ação por im- probidade administrativa evidencie que o foco da Lei nº 8.429/92 recai sobre agentes públicos, o fato de a pessoa jurídica lesada poder ingressar no polo passivo demonstra que a AIA é também um instrumento de controle da Administração em si, uma vez que o poder público também se sujeitará às suas sanções, naquilo que for cabível (ou seja, sobretudo às sanções de multa e reparação integral do dano), caso incluído em eventual condenação.

O regramento das ações por improbidade administrativa ex- põe, ainda, duas características do sistema de controle da Admi- nistração Pública brasileira trazido pela Constituição de 1988: a abertura dos tipos sancionadores e a ênfase na punição àqueles que pratiquem atos lesivos – em oposição a desenhos institucio- nais alternativos que pudessem favorecer o aprimoramento da gestão pública a partir da atuação dos órgãos de controle.

A abertura das espécies sancionadoras pode ser observada na baixa densidade normativa dos tipos previstos nos arts. 9º a 11 da Lei nº 8.429/92, principalmente os do art. 11, que trata da improbi- dade por violação a princípios (por exemplo, “praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”). Ademais, os caputs dos dispositivos também deixam clara a natureza exemplificativa dos róis ali enu- merados ao se valerem das palavras “qualquer” e “notadamente”. A tipicidade aberta em matéria de improbidade – e no con- trole da Administração em geral – possui vantagens e desvan- tagens. Por um lado, facilita a responsabilização daqueles que, de fato, incorrem em condutas antijurídicas, ao reduzir o espaço para a fraude à lei. Por outro, contudo, traz insegurança jurídica, na medida em que não detalha os comportamentos que caracte- rizam o tipo sancionador, assim como permite que cada contro- lador construa a sua própria interpretação sobre os limites e os contornos de cada infração.

O punitivismo de sistema de controle pátrio, por sua vez, é per- cebido no art. 17, § 1º da Lei nº 8.429/92, que veda transação, acordo ou conciliação nas ações por improbidade administrativa. Em 2015, a Medida Provisória nº 703 pretendeu revogar referido dispositivo

e, com isso, autorizar a celebração de termos de ajustamento de conduta no âmbito da AIA – tal qual, desde 1990, o art. 5º, § 6º da Lei nº 7.347/85 já admite para as ACPs comuns; no entanto, a Me- dida Provisória em questão não foi convertida em lei e perdeu sua vigência. Mais recentemente, com a alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) pela Lei nº 13.655/2018, po- de-se reacender o debate sobre a possibilidade de celebração de acordos em ações por improbidade, uma vez que o art. 27 do diplo- ma legal passou a prever a possibilidade de celebração de “compro- misso processual entre os envolvidos” em processos sancionadores

(inclusive judiciais)32.

A vedação à celebração de acordos em ações por improbida- de ilustra o certo afã punitivista do sistema de controle brasileiro, mais preocupado com punir aqueles que entenda terem praticado condutas ímprobas do que com fomentar contribuir para o apri- moramento da atividade administrativa e a qualificação de agen- tes públicos. Em vez de incentivar o compromisso da Administra- ção em se aperfeiçoar, a Lei nº 8.429/92 opta por simplesmente buscar a responsabilização dos indivíduos cujo comportamento possa ser enquadrado em algum de seus amplos tipos legais.

Mais recentemente, o Ministério Público ganhou, ainda, atribui- ção para propor ação com fundamento na Lei nº 12.846/2013 (Lei An- ticorrupção), editada após as manifestações de junho de 2013 com a promessa de reforçar a punição a pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção (assim definidos no próprio diploma legal). Isso porque, muito embora o entendimento majoritário sustente a possi- bilidade de responsabilização de pessoas jurídicas por improbidade

administrativa33, boa parte das sanções da Lei nº 8.429/92 foi de-

senhada tendo-se em mente a pessoa física do agente público (por exemplo, as sanções de perda da função pública e de suspensão dos

32 Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos.

§ 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor.

§ 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos.

33 STJ, REsp 1.038.762/RJ. 2ª Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. DJ 18/08/2009. No mesmo sentido: REsp 970.393/CE, 1ª Turma. Rel. Min. Benedito Gonçalves. DJ 21/06/2012.

direitos políticos), e não pessoas jurídicas, o que pode gerar uma “subpunição” destas últimas.

Nesse sentido, apesar de a Lei nº 12.846/2013 aplicar-se também aos dirigentes da pessoa jurídica, seu foco reside justamente nas com- panhias, trazendo penalidades especialmente projetadas para elas. O art. 19 demonstra esta vocação ao conferir aos entes federativos e ao

Parquet legitimidade para ajuizar ação contra pessoas jurídicas que

pratiquem atos lesivos à Administração Pública (“atos de corrupção”) com vistas à aplicação das penas de: perdimento de bens, dinheiros e valores acrescidos ilicitamente; suspensão ou interdição parcial de atividades; dissolução compulsória; e proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou enti- dades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco anos. O MP também pode requerer, nas ações anticorrupção que ajuizar, a aplicação das sanções que podem ser aplicadas pela Administração em sede de processo administrativo, a saber: multa e publicação ex- traordinária da decisão condenatória. A Lei Anticorrupção prevê, ain- da, a obrigação de reparação integral do dano ao erário.

O rol dos atos lesivos à Administração, para fins de aplicação das penalidades previstas na Lei Anticorrupção, está previsto de

maneira taxativa no art. 5º da Lei nº 12.846/201334 – diversamente

do que ocorre na Lei de Improbidade, que, como visto, adota tipos excessivamente abertos. Se, por um lado, a técnica legislativa aqui traz mais segurança aos destinatários da lei, por outro, gera-se

34 São eles: (i) prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; (ii) comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; (iii) comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; (iv) no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar