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grupos de homens onde se pode perceber, a partir das vivências no cotidiano, como estes estereótipos estão visceralmente ligados às (re)ações violentas em situações de conflito, algumas com desfechos trágicos − para eles, para outros homens, mulheres e crianças (Giffin et al., 2002). E um ciclo vicioso instala-se quando o homem que foi de alguma forma vítima da violência aprende que deve ser violento também para defender a si próprio e aos seus. No caso de não ter sido vítima de violência − o que é raro − o uso da violência pode ser preventivo: atacar primeiro para não se tornar vítima.

Voltando aos jovens em questão, pensamos que estão em situação não apenas de vulnerabilidade nos termos de Castel (1991), mas muitos já vivendo o extremo da exclusão, que é a desfiliação, chegando ao ponto em que se torna pouco dizer que vivem uma situação de risco social ou risco psicossocial por morarem em áreas urbanas pobres dominadas por tráfico de drogas organizado. Segundo Meirelles (1998) a pobreza seria um dos fatores que levaria à vulnerabilidade através da exposição pela adoção do chamado comportamento de risco.

Um indicador de risco social seria a pressão para a entrada precoce de adolescentes no mercado de trabalho, que é tida como estressante, difícil de ser bem sucedida, sem representar, na maioria das vezes, oportunidade de crescimento para os jovens. Meirelles (1998) menciona ainda como a indústria do tráfico acaba recriando as relações sociais dentro da favela para garantir o seu funcionamento. E nessa recriação “ reduz a pó o movimento comunitário na favela, aniquilando qualquer possibilidade de a comunidade reivindicar melhores condições de vida” . (Meirelles, 1998:xviii). Menciona ainda uma cultura emanando do tráfico de drogas operando sobre a constituição da identidade dos jovens, cultura que valoriza a violência nas relações interpessoais (ibid., 78, 89), e a sobrevalorização de certos bens que são transformados em insígnias de poder, a mais representativa destas, a arma de fogo em si.

e adolescentes pobres de nosso Estado ao tráfico de drogas entendendo que estes processos ocorrem inseridos em complexa trama de fluxos que vão desde aspectos microssociológicos a fatores macroestruturais passando por determinações inconscientes e aspectos individuais e circunstanciais.

Pretende-se chegar a esta compreensão mais aprofundada utilizando-se uma abordagem interdisciplinar − ou mesmo transdisciplinar − constituindo como nosso núcleo disciplinar inicial conceitos e técnicas da sociologia, da antropologia das sociedades complexas e da psicanálise. Podemos dizer que mantemos como ponto de fuga a nos orientar no conjunto total da pesquisa a idéia de complexidade.

Como segundo objetivo mais imediato, pretende-se que as conclusões e resultados obtidos neste trabalho possam produzir informações que subsidiem políticas públicas tanto abrangentes como locais / focais para lidar com o fato social pesquisado. Neste sentido adiantamos que nossa contribuição reforça e suporta a idéia da necessidade de abrangentes e profundas ações de intervenção / apoio psicossocial voltadas aos jovens e famílias em situação de grave risco psicossocial. Ações que precisam ser construídas sobre os alicerces de uma compreensão profunda ou complexa das vicissitudes das vidas destes jovens.

Compreensão que temos aqui buscado.

Objetivamos ainda, em terceiro lugar, que o conhecimento produzido por esta pesquisa possa contribuir para profunda mudança de concepção no modelo de preparação dos agentes sociais (incluindo aí educadores, monitores, técnicos e outros que convivem diretamente com os jovens no dia-a-dia) que lidam com estes jovens e suas famílias, destacando-se a adoção de reflexões capazes de favorecer uma (auto) conscientização da importância de cada agente social, dando-se prioridade à capacitação mais subjetiva e humana que propriamente técnica.

Tal trabalho requer a disponibilidade e a responsabilidade de aceitar a por vezes pesada carga de ser referência para estes jovens. E que os gestores saibam que o jovem só os elegerá como referência, condição sine qua non para o trabalho, se eles tiverem a disponibilidade interna e a noção da grandiosidade do trabalho confiado a eles, abraçando, com garra e com amor o seu ofício.

O objetivo neste momento seria prover recursos para conscientizá-los profundamente (aos agentes sociais) para que possam rever sua inserção neste campo, entrar em contato com seus atravessamentos59 e redimensionar subjetivamente a influência que podem ou poderiam

59 Segundo Baremblitt (1992) “o atravessamento está a serviço da perpetuação dos instituídos dos mais conservadores”, enquanto a transversalidade seria o elemento determinante na passagem de um grupo sujeitado a um grupo sujeito, que para Kamkhagi (1982) “se esforça em influir, tenta conhecer seu objetivo, ouve e é

ter na vida destas crianças e adolescentes, no sentido do que argumentei em outro momento:

“ ... que podem por vezes assumir a estatura de um pai...” 60. Tal reposicionamento subjetivo é reforçado pelas idéias do educador Paulo Freire, que “ ao exercer a atividade de professor se sentia próximo a um exercício efetivo da paternidade” (Instituto Paulo Freire, apud Silveira, 1998). Partindo deste ponto, acreditamos poder fornecer subsídios ao Estado (incluindo aí União, Estado, Município, representantes do poder público em geral) para que possa criar e operacionalizar formas instituintes61 de chegar a estas crianças e jovens.

Um quarto objetivo baseia-se na recomendação que fazemos de que os resultados deste trabalho possam servir como subsídios à criação e multiplicação de grupos de sensibilização / discussão da condição masculina / machismo, envolvendo jovens e adultos com ou sem filhos. Alguns dos homens que participaram dos grupos de projetos já existentes62 relataram a diminuição da freqüência do recurso ao uso de violência na solução de conflitos, apenas por poderem falar de si em um ambiente onde puderam ouvir outros homens fazendo o mesmo em um grupo solidário (Giffin et al. 2002; Lopes et al., 2001).

Seriam grupos onde se poderia basicamente exercer a capacidade de reflexão sobre a própria experiência e pensamento, podendo-se iniciar a desconstrução de ideologias, dando uma chance aos jovens para que possam fazer o estranhamento, por exemplo, da ladainha monocórdia de certos caldos de cultura, como é aquele da violência, em que, por vezes podem ver-se capturados.

Na escolha de jovens abrigados (ex) moradores de favelas como sujeitos desta pesquisa63, recorremos à vertente marxista da sociologia urbana brasileira, influenciada por Manuel Castells (2000), que percebe a favela como momento importante da reprodução da desigualdade social. No Brasil Lucio Kowarick (2000) cunha o importante conceito de

“ espoliação urbana” , que seria:

ouvido e, por este fato, sobrepõe-se a uma hierarquia das estruturas, permitindo uma abertura que vai além dos interesses do grupo. O grupo sujeitado, por outro lado, se conforma com sua hierarquização em relação aos demais grupos” Baremblitt (1992:36-38, 156).

60 Cf. dissertação de mestrado A Constituição da lei nas famílias chefiadas por mulheres, na PUC-RJ, em 1999.

61 Baremblitt (1992:31-32, 178).

62 Localizamos apenas a título de exemplo, algumas iniciativas isoladas em 2005, como a da Macrofunção de Crianças e Adolescentes da Sub-Prefeitura de Campo Grande e Santa Cruz ligada a Secretaria Municipal da Saúde do Adolescente do Rio de Janeiro, priorizando atividades que envolvem os próprios adolescentes em discussões sobre gênero, paternidade, etc. Outro bom exemplo é o projeto Homens, Saúde e Vida Cotidiana, que envolveu homens em situação de exclusão social de diversas localidades do Rio de Janeiro, propiciando-lhes um espaço solidário para se pensarem e refletirem sobre sua própria experiência (Lopes et al, 2001).

63 Escolhemos, conforme será melhor esclarecido na parte de campo, fazer a pesquisa com jovens abrigados, já tendo em vista que quase todos foram em algum momento de sua vida (e possivelmente voltarão a ser) moradores de favelas.

(...) a somatória de todas as extorsões que se opera pela inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo, que juntamente com o acesso à terra e à moradia apresentam-se como socialmente necessários para a reprodução dos trabalhadores e aguçam ainda mais a dilapidação decorrente da exploração do trabalho, ou, o que é pior, da falta deste”

(Kowarick, 2000:22).

Pode-se perceber, diante da inexistência / precariedade de oportunidades de trabalho e de serviços de consumo coletivo, que não existe um plano integrado de ações para fazer frente ao grave problema da aproximação de crianças e adolescentes ao tráfico de drogas.

Percebemos, ao contrário, que mesmo as ações isoladas encontradas aqui e ali estão sujeitas ao fantasma da descontinuidade mediante, principalmente as nefastas conveniências políticas que ainda (apesar da absoluta prioridade à criança e ao adolescente prevista no ECA) sobrepõem-se aos interesses da infância e adolescência pobre, de modo que é possível diagnosticar, como o fazem também Cruz Neto, Moreira e Sucena (2001:181) que só será possível encaminhar uma gradual solução através de uma ação integrada, planejada e contínua, que deve ocorrer em várias frentes, muitas das quais estruturais64.

Embora não tenhamos a pretensão aqui de inventariar as políticas públicas existentes em relação ao tema ora pesquisado, destacamos um programa: “ Ações de protagonismo juvenil” , que fez parte de um conjunto de programas do PROAP (social) II, proposto pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro no ano de 200065 que, pelo menos em seu texto, converge com vários pontos indicados por Cruz Neto et al., dentre os quais destacamos:

“ inclusão social; ênfase na rede familiar (...) estímulo à valorização da auto-estima;

valorização da participação dos jovens como protagonistas das ações” (Cruz Neto et al., 2001:186). Outra proposta de extrema importância levantada pelos autores é a da implantação de uma Rede Integrada de Atendimento (ibid.), sendo crucial para que tal rede funcione que

64 Em relação às ações estruturais, concordamos com os autores citados em relação à sua necessidade, entretanto, acreditamos que o início da realização desta solução integrada deve incluir o reforço ao movimento individual e ou coletivo (mesmo que em pequenos grupos) de reivindicação de direitos por parte dos jovens e por parte da sociedade civil organizada, como, por exemplo, as ONGs que têm trabalhado junto a eles.

65 Trecho do texto do Programa: “Formação de Agente Jovem: (...) É uma ação destinada a implantar o conceito de protagonismo juvenil através da organização de um processo de formação e capacitação de jovens para atuarem em comunidades (...) Estes agentes jovens estarão não só contribuindo, na sua comunidade, para a reversão de indicadores sociais problemáticos como, paralelamente, para o desenvolvimento de projetos pessoais de suas próprias vidas. OBJETIVOS: Fornecer instrumentos conceituais que permitam ao jovem superar-se, preparar-se para atuar de modo cooperativo e contribuir para a transformação da própria comunidade onde está inserido; Ajudar o jovem adolescente a compreender que é possível planejar o seu próprio futuro; Resgatar vínculos familiares, comunitários e sociais; (...)”. (PROAP II, 2000).

haja transparente comunicação entre as instituições a compô-la66. O problema que examinamos já mobiliza a esfera federal, o que pode ser percebido pela proposta do Ministério da Justiça à Fundação para a Infância e Adolescência (FIA) para que, em cooperação, combatam o aliciamento de jovens para o tráfico67.