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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.8 ORGANIZAÇÃO AMBIDESTRA

Vale relembrar que, segundo March (1991), exploitation se refere ao aproveitamento dos recursos atuais por meio de atividades como refinamento, busca da eficiência, seleção, implementação e execução, enquanto exploration alude aos esforços para criar/prospectar os recursos futuros utilizando-se de pesquisa, variação do mercado, assunção de riscos, experimentação, inovação, flexibilidade e descoberta.

Então, as empresas que focam suas atividades inovativas em exploitation conseguem apurar os resultados no curto prazo. E como discutido previamente, no longo prazo pode ser destrutivo se não tratar o exploration. Além disso, exploitation e

exploration são formas de obter vantagem competitiva num cenário dinâmico no qual

o resultado almejado é a diferenciação em relação à concorrência na busca da manutenção e/ou aumento da lucratividade.

Assim, E&E são os meios de obter, respectivamente, a inovação incremental e a inovação radical ou de arquitetura. Logo, uma organização ambidestra busca a inovação na sua plenitude, desde as pequenas mudanças que reduza o preço ou aumente a qualidade sem comprometer a lucratividade até as mudanças drásticas

que criam novos produtos, mercados e consumidores. Assim, manter o equilíbrio entre as duas atividades é vital para a sobrevivência e prosperidade da companhia. Não que o balanceamento das duas atividades seja trivial. Afinal, a natureza de ambas requer lógicas e demandas organizacionais distintas nos níveis individuais, organizacionais e sociais. Tais necessidades concorrem pelos mesmos recursos escassos das organizações, o que as levam a fazer escolhas explícitas e implícitas (MARCH, 1991).

Os primeiros estudos sobre organizações ambidestras consideravam a ambidestralidade estrutural que consistia na segregação das atividades de

exploitation e exploration em unidades de negócio distintas. Contudo, Gibson e

Birkinshaw (2004) propuseram o conceito de ambidestralidade contextual, onde as atividades de E&E ocorrem na mesma unidade de negócio e, no limite, se desdobram até o nível do funcionário responsável por decidir a alocação de esforços (seu tempo) nas tarefas profissionais diárias. À primeira vista, isso poderia causar um acirramento das tensões duais entre eficiência e flexibilidade, estratégias de diferenciação e de custo, e integração global e capacidade de resposta local, pois tradicionalmente os gestores precisam fazer a escolha de uma delas. Entretanto, empresas que conseguem gerenciar e equilibrar estas tensões são bem-sucedidas nos seus esforços de inovação, o que sugere o estabelecimento de “semiestruturas” que mudam continuamente, isto é, nem tão mecanicistas e nem tão orgânicas (BROWN e EISENHARDT, 1997).

Além disso, Tushman e O’Reilly III (1996) consideram que a conquista de períodos longos de sucesso depende da capacidade ambidestra dos gerentes e das organizações na implementação de inovações incrementais e radicais ou de arquitetura. Porém, um dos motivos apontados por eles no fracasso das inovações ocorre quando a organização possui simultaneamente defensores fiéis de velhos processos e críticos ferozes das novas tecnologias. Isso é um sintoma dos que os autores denominam de Síndrome de Sucesso seguido pelo Fracasso, pois o reconhecimento do sucesso é incorporado na cultura organizacional e impedem ações revolucionárias que demandam uma eventual quebra de paradigmas organizacionais. Daí, a importância de transformar continuamente a empresa em termos de estrutura e sistemas, assim como a sua cultura e competências, estando

esta ideia em relação direta com o conceito da destruição criativa proposta por Schumpeter (1988).

Já para Birkinshaw e Gibson (2004), a ambidestralidade reside no equilíbrio entre a adaptabilidade e o alinhamento. Segundo eles, a primeira é entendida como “a habilidade da organização de se mover rapidamente para as novas oportunidades, se ajustar à volatilidade dos mercados e para evitar a complacência”, enquanto o último, o alinhamento, é entendido como um “senso claro de como o valor é criado em curto prazo e como as atividades devem ser coordenadas e estruturadas para entregar aquele valor”. Desta forma, pode-se entender que a adaptabilidade é a competência para realizar exploration, enquanto o alinhamento é a competência para executar exploitation.

Portanto, a capacidade de mudar continuamente, desafiando os paradigmas organizacionais é uma característica das organizações ambidestras que O’Reilly e Tushman (2007) consideram como uma competência dinâmica (habilidade de reconfigurar seus ativos e suas competências de forma repetitiva e intencional). Uma vez que a ambidestralidade organizacional é um fator que favorece a inovação e, por sua vez, ela é fundamental para o sucesso das empresas, isso induz a ideia de que a ambidestralidade pode estar relacionada ao desempenho que elas têm. Diante deste raciocínio, He e Wong (2004) realizaram pesquisa do tipo survey com 206 indústrias de Cingapura e Malásia e constataram que a ambidestralidade estava positivamente associada ao crescimento das vendas, enquanto o desequilíbrio entre

exploitation e exploration afetara negativamente o crescimento das vendas.

Na mesma linha, a pesquisa de Li, Zhou e Si (2010) do tipo survey com 397 empresas da China mostrou que a ambidestralidade possui um efeito positivo no desempenho da companhia, assim como o alinhamento entre as atividades de inovação e a estratégia corporativa. Vale destacar que a variável Desempenho foi considerada no sentido mais amplo, sem conseguir o intento original dos pesquisadores em trabalhar com os conceitos de efetividade e eficiência, pois os dados corporativos eram considerados sensíveis pelos entrevistados chineses, sofrendo influências da cultura regional.

Somando a este material, a pesquisa de Jensen et al (2007) – que obteve respostas de 1141 empresas dinamarquesas – revela que as companhias que inovam pelo

modo denominado DUI (aprender fazendo, usando e interagindo) – o qual é conhecido pelos processos informais de aprendizagem, como o conhecimento baseado na experiência – são mais arrojadas do que as que inovam pelo modo designado de STI (ciência, tecnologia e inovação), o qual é relacionado com a produção e uso de conhecimentos científicos e técnicos codificados. Já quando a empresa adota os dois modos de inovação, simultaneamente, portanto de forma ambidestra, ela se torna a mais empreendedora de todas. Ademais, os autores acentuam que o conhecimento gerado no modo DUI é adquirido primordialmente no trabalho dos funcionários quando se deparam com situações de mudança, ao serem confrontados por problemas novos, nos quais sua resolução aumenta as habilidades e conhecimentos dos mesmos, estendendo seu repertório de competências. Ao passo que os problemas complexos, por sua vez, são tratados com uma maior interação dentro e entre as equipes, tipicamente caracterizados por terem certo grau de autonomia.

Entretanto, é importante destacar que, em geral, não há nenhuma estrutura melhor. Em particular, ela é possível se os parâmetros de design forem internamente consistentes e, acompanhados de fatores situacionais, formarem uma configuração coerente” (MINTZBERG, 2008). Desta forma, adotar uma estrutura ambidestra é uma das opções possíveis para se organizar a inovação.

Logo, a estruturação organizacional para gerenciar tensões ambidestras depende do contexto atual da empresa e de parâmetros definidos em função da estratégia de inovação, intensidade e tipo de inovação (incremental, de arquitetura ou radical) existentes. Sendo assim, haveria inúmeras possibilidades de configuração.

Para tanto, Simsek et al (2009) realizaram um extenso levantamento em bases de dados de pesquisas organizacionais com palavras-chaves relacionadas ao tema de ambidestralidade organizacional, o intuito foi especificar melhor o constructo e desenvolver uma tipologia. Neste levantamento, identificou-se duas dimensões que fundamentam várias conceituações do tema: temporal e estrutural.

A dimensão temporal trata da forma em que a ambidestralidade é perseguida ao longo de sua trajetória, simultaneamente ou sequencialmente (pontualmente). Ou seja, se a estratégia para construir a ambidestralidade na organização será com ou sem separação temporal. Desta forma, é possível distinguir as capacidades

organizacionais necessárias para atender concomitantemente as atividades de

exploitation e exploration das outras necessárias para intercalar as mesmas

atividades se fossem feitas de forma pontual ao longo do tempo.

Já a dimensão estrutural trata do locus em que ocorre a ambidestralidade, se na mesma unidade (independente) ou entre as unidades (interdependente). Isto equivale a dizer que a dimensão estrutural considera a ambidestralidade contextual (na mesma unidade) e a ambidestralidade estrutural (interdependente). Ou de outra forma, se a estratégia para construir a ambidestralidade na organização será com ou sem separação espacial.

Assim, a separação, seja temporal ou espacial, nas duas dimensões propostas está alinhada com o fato de que as atividades de E&E possuem lógicas distintas e demandam capacidades específicas. Desta forma, a cisão deve ser uma opção para o paradoxo ambidestro. Ao sobrepor as duas dimensões, se constrói a tipologia proposta pelos autores, conforme pode ser visto na Figura 11.

Dimensão Estrutural

Independente (Dentro da mesma unidade)

Interdependente (Entre as unidades) Dime nsã o T empora l S imu lt

âneo Harmônico Fracionado

S

equ

enc

ial

Cíclico Recíproco

Diante desse quadro, as quatro soluções possíveis são:

 Ambidestralidade harmônica: considera que as ações de E&E serão realizadas simultaneamente na mesma unidade de negócios. Neste caso, o papel da liderança é fundamental para conciliar as tarefas na unidade;

 Ambidestralidade cíclica: classifica que as atividades de E&E serão executadas de forma intercalada ao longo do tempo na mesma unidade de negócios, ou em empresas de pequeno e médio porte. Pode-se tomar como exemplo uma microempresa que dispõe de recursos escassos e precisa ter a sua área de P&D atuando ora em inovações incrementais, ora em inovações mais relevantes;

 Ambidestralidade fracionada: conceitua que as rotinas de E&E serão realizadas simultaneamente em unidades de negócios separadas, de forma interdependente. Nesta situação, é necessário implementar mecanismos de integração entre as unidades de negócio e promover maior colaboração entre as equipes. A inovação se realiza com equipes de projeto multiunidades;  Ambidestralidade recíproca: considera que as atividades de E&E serão

realizadas de forma intercalada em unidades de negócios separadas de maneira interdependente. Neste caso, a inovação se desenvolve por estruturas ad-hoc, com a formação de um time de projeto multiunidades. Entretanto, é importante salientar que as opções de soluções organizacionais para o paradoxo ambidestro não se limitam a estes quatro tipos. Modelos híbridos entre eles podem ocorrer, assim como modelos expandidos – quando são considerados a formação de parcerias para desenvolver atividades de exploration (como convênios com universidades e centros de pesquisa) e terceirização de algumas atividades de

exploitation (como subcontratar a parte de logística).

Como exemplo disso, Kauppila (2010) verificou que a ambidestralidade pode ocorrer simultaneamente nos níveis internos e externos da organização quando há a procura para potencializar o desempenho das atividades de E&E dentro da rede de parceiros da empresa. Isso porque os recursos corporativos são limitados, seja em tecnológico, financeiro ou humano. Assim, para alcançar a maximização simultânea

do desempenho das atividades E&E, a companhia precisa equilibrar internamente tais atividades (e pode ser tanto independente quanto interdependente entre as unidades), buscando no ambiente externo, por exemplo, conhecimento em sua rede de inovação para as ações de exploration e eficiência operacional via terceirização de suas atividades de exploitation. Nesta configuração, a atividade de integração e coordenação se torna um fato crítico de sucesso.

Já, em uma pesquisa longitudinal realizada com 13 unidades de negócios que desenvolveram 22 inovações, Tushman et al (2010) identificaram quatro desenhos organizacionais para solucionar o paradoxo ambidestro, eles estão em conformidade com a tipologia apresentada por Simsek et al (2009) e são apresentados a seguir:

 Estrutura funcional: ocorre quando as atividades de inovação são formuladas e conduzidas pela própria unidade. Este é o caso de uma organização ambidestra harmônica;

 Estrutura funcional cruzada: considera a estrutura funcional corrente, portanto sem segregação espacial, e incorpora o gerente de projeto na coordenação e integração das atividades de exploration entre as áreas funcionais. Este é o caso de uma organização ambidestra fracionada;

 Nova unidade de negócio (spin-out): corresponde a uma unidade de negócio independente, com estabelecimento de uma estrutura e cultura específica. Esta solução é classificada como organização ambidestra fracionada com o complemento de maior independência.

 Estrutura ambidestra: caracterizada por uma unidade de negócio independente e segregada fisicamente, mas integrada pela liderança executiva. Apesar do nome dado pelos autores, na tipologia de Simsek et al ela é considerada como organização ambidestra fracionada com o complemento da integração.

E apesar de Tushman et al (2010) não terem encontrado eventos com dimensão temporal em sua amostra, eles comentam a possibilidade de intercalar modelos orgânicos de arquitetura organizacional para lidar com as atividades de exploration com modelos mecanicistas para tratar das atividades de exploitation. Ou seja, a

incorporação da dimensão temporal pode ser uma solução para novas configurações ambidestras.

Decerto que qualquer que seja a solução adotada para lidar com as tensões ambidestras, haverá implicações na arquitetura organizacional. De fato, lidar com as tensões decorrentes das atividades E&E considerando as quatro tipologias propostas por Simsek et al (2009) e as análises de Tushman et al(2010), podem ocasionar mudanças como:

 Implementação de competências ambidestras na organização atual via capacitação e engajamento do corpo gerencial sênior;

 Criação de unidade de negócio para lidar com as atividades de exploration;  Planejamento de ações técnicas e práticas para desenvolvimento de produtos

que intercale as atividades E&E ao longo do tempo;

 Mudança no modelo de negócio da empresa que sintetize as atividades de E&E;

 Readequação de cultura, valores, avaliação, plano de carreira e recompensas.

Com tudo isso, é importante ressaltar que a ambidestralidade não é alcançada somente com ajustes da estrutura organizacional, conforme prevalece na literatura. Ela pode, e deve, ser complementada com outros mecanismos organizacionais que assegurem o alinhamento dos objetivos corporativos.