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2 A CIRCULAÇÃO DA LITERATURA DE AUTORIA AFRICANA NO

2.3 OS GRUPOS EDITORIAIS

2.3.1 Os grupos editoriais Companhia das Letras, Record, Ediouro, Globo e

Como as editoras independentes analisadas, os cinco grupos editoriais também estão situados no sudeste do Brasil: a Companhia das Letras e a Melhoramentos, em São Paulo, e a Record, Ediouro e Globo no Rio de Janeiro. Esse dado confirma, novamente, as consequências do modo desigual que aconteceu a industrialização no Brasil, dificultando, até os dias de hoje, o desenvolvimento de um parque industrial que não esteja concentrado nessas regiões. A falta de iniciativa de criar editoras em outras partes do território nacional, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, revela-nos que os investimentos concernentes à questão da difusão cultural e do aparato educacional (escolas, universidades, cursos de pós-graduação etc.) ainda são atribuídos de forma desigual no país.

Como será visto mais adiante, diferindo das editoras independentes precedentes, os grupos editoriais aqui analisados são fruto de fusão com empresas nacionais e internacionais, o que explica os vários selos presentes em seus catálogos. A estrutura organizacional é outro

aspecto que difere das empresas de pequeno e médio porte. No caso dos grupos editoriais, a distribuição dos livros tem uma esfera bem mais industrial, para atender a seu elevado volume de tiragens, tendo em vista que a comercialização dos seus livros comerciais seguem um outro padrão de venda e marketing.

2.3.1.1 As linhas editoriais

Quanto ao ano de suas fundações, a Melhoramentos é a mais antiga (criada em 1915), seguida pela Ediouro (1939), Record (1942), Companhia das Letras (1986) e Globo (1986). Isso nos permite afirmar que não há, como no caso de boa parte das independentes, qualquer relação entre a fundação dessas empresas e a implementação da Lei 10.639/2003. O interesse em publicar obras de autoria africana nos parece estar mais relacionado com uma demanda do mercado em editar obras de escritores que, embora oriundos de espaços periféricos, vêm se consolidando no campo dos bens simbólicos, como destacado na passagem abaixo:

A moda das literaturas africanas – e as recentes consagrações, entre as quais as atribuições de prêmios literários, participam plenamente desse fenômeno –, não é motivada apenas, no nível das instâncias de consagração e das editoras, por um interesse cultural ou uma vontade humanista, mas, como toda empresa editorial na segunda metade do século XX e, sobretudo, nos últimos vinte anos, por razões econômicas: razões essas que estão relacionadas com as leis do mercado e, portanto, com a lei da oferta e da procura37 (PORRA, 2011, p. 401, tradução nossa).

Fundada por Luiz Schwarcz, a editora Companhia das Letras começou publicando obras na área de literatura e de ciências humanas. Ao longo dos anos, diferentes parcerias foram realizadas, de forma que algumas datas são importantes a serem destacadas. Inicialmente, em 1989, foi criada uma sociedade com os irmãos Moreira Salles. Já o ano de 2009 marcou a parceria com a empresa estrangeira Penguin Random House. Essa fusão resultou no lançamento da coleção de clássicos universais e nacionais no mercado brasileiro. Em seguida, em 2011, 45% do capital da Companhia das Letras foi vendido à Penguin, e, desde de outubro de 2018, esse grande grupo editorial se tornou o sócio majoritário da casa

37 « La mode des littératures africaines - et les récentes consécrations, entre autres les attributions de prix littéraires, participent pleinement de ce phénomène -, n’est pas seulement motivée, au niveau des instances de consécration et des maisons d’édition, par un intérêt culturel ou une volonté humaniste, mais comme toute entreprise d’édition dans la deuxième moitié du XXe siècle et à plus forte raison dans les vingt dernières années, par des considérations économiques : celles qui relèvent des lois du marché et donc de la règle de l’offre et de la demande. »37 (PORRA, 2011, p. 401).

com 70% das ações38

. Através da aquisição da editora Objetiva, em 2015, a editora paulista se tornou o Grupo Companhia das Letras com duas sedes no Brasil, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro.

Através dessas fusões, o grupo editorial Companhia das Letras adquiriu um peso muito grande no mercado nacional e conta hoje com duzentos e cinquenta funcionários, publicando em média trinta títulos por mês39

, além dos dezesseis selos40 voltados aos mais variados segmentos.

É importante considerar que, apesar da Companhia das Letras ter deixado de ser uma editora independente de grande porte e tenha se tornado um grande grupo editorial, alimentando uma linha editorial cada vez mais comercial devido à aquisição de pequenas e médias editoras, ela continua possuindo em seu catálogo uma linha de produção constituída por obras de literatura e de ciências humanas que são voltadas a um público especializado.

No que tange à publicação da literatura de autoria africana, a Companhia das Letras é a editora que colocou um maior volume de obras de autoria africana no mercado (quarenta e quatro obras no total) e foi também a detentora de um maior volume de obras traduzidas (dezoito), sendo dezesseis de língua inglesa, uma de língua francesa e uma de língua árabe.

Já a Record foi fundada por Alfredo Machado e Décio Abreu como uma distribuidora de tiras de jornal e outros serviços de imprensa. No ano de 1960, a Record passa a editar livros, principalmente traduções de livros americanos. Seis anos depois, tornou-se o Grupo Record, que é o resultado da fusão de várias editoras, como Bertrand Brasil, Difel, Editora Civilização Brasileira, José Olympio e Editora Best Seller. Ela tem atualmente cerca de oito mil títulos publicados e lança aproximadamente quarenta obras por mês, contando com quatorze selos41

. Quanto às produções de escritores africanos, a Record foi a editora que mais

38 Formação encontrada em um artigo de jornal nacional. Disponível em: https://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/literatura/noticia/2018/10/31/companhia-das-letras-e-comprada-pela-estrangeira-penguin-random-house-360343.php Acesso em: 02 jan. 2019.

39 Esses dados datam do ano de 2018 disponíveis no site da editora.

40 Os dezesseis selos que fazem parte do grupo editorial Companhia das Letras são: Alfaguara, Boa companhia, Companhia de bolso, Companhia de Mesa, Claro Enigma, Companhia das Letras, Companhia das Letrinhas, Objetiva, Fontanar, Paralela, Portfolio Penguin, Ponto de leitura, Breve companhia, Quadrinhos na Cia., Seguinte, Revira volta e Suma de letras. Informações encontradas no site da editora Companhia das Letras. Disponível em: https://www.companhiadasletras.com.br/#. Acesso em: 20 maio 2018.

41 Os quatorze selos contemplados no Grupo Record são: Galera e Galerinha, Bertrand Brasil, Difel, José Olympio, Civilização Brasileira, Paz e Terra, Verus, BestSeller, Best Business, Best Bolso, Rosa dos Tempos, Nova Era e Viva Livros. Informações encontradas no site da editora Record. Disponível em: http://www.record.com.br/. Acesso em: 20 maio 2018.

traduziu obras de autoria africana de língua árabe. Dentro do total de treze obras publicadas, cinco são do egípcio Naguib Mahfouz.

Em relação à política editorial da Ediouro, ela busca atingir um mercado de massa através de edições de Best-sellers, clássicos da literatura nacional e internacional, livros de palavras-cruzadas e obras de cunho religioso. Inicialmente ela foi fundada com o nome de Publicações Pan-Americanas. Nessa época, ela publicava apenas livros técnicos. Em 1946, a editora adquiriu a Tecnoprint Gráfica Ltda, e, somente em 1961, ocorreu a fusão da editora com a gráfica, dando origem ao nome atual do grupo. Já em 2001 foi o ano que a Ediouro comprou a Agir, e, logo depois, em 2005, o grupo comprou 50% da Editora Nova Fronteira. Em seguida, no ano de 2007, o grupo adquiriu os outros 50% da Nova Fronteira. Atualmente, a Ediouro conta com cinco selos42.

Quanto à editora Globo Livros, ela é a ramificação do grupo Globo, que atua em diferentes segmentos: televisão nacional, internacional e por assinatura, coprodução de filmes brasileiros, produção e comercialização de CDs, DVDs, emissoras de rádios e portal de classificados online voltado para o mercado imobiliário nacional. O grupo Globo atua igualmente na editoração de jornais e revistas, impressos e digitais, através da Infoglobo e da Editora Globo43

.

Já a Globo Livros é responsável pela publicação de obras de variados domínios. Essas obras são editadas através de seis coleções. A que contempla um maior número de obras publicadas é a coleção Globo Livros, responsável pela edição de livros religiosos, guia turístico, história e best-sellers. Além das coleções Globo Estilo, que conta com livros de receitas, Globinho, com obras para o público infantil, Globo Alt, com livros comerciais, Principium, com obras de auto-ajuda, e, por fim, a coleção Biblioteca Azul, que tem como proposta difundir os clássicos de diferentes literaturas.

A editora Melhoramentos faz parte da Cia Melhoramentos, que é uma empresa brasileira que atua em três vertentes: produção de papel, mercado editorial e livraria. Tudo começou em 1890, quando Antônio Proost Rodovalho fundou a empresa de fabricação de papel com o nome Companhia Melhoramentos de São Paulo. A parte editorial teve inicio somente em 1915. Hoje a editora possui, em seu catálogo, livros infantis, juvenis, didáticos,

42Os cinco selos que integram o grupo Ediouro são: Nova Fronteira, Agir, Coquetel, Petra e Pixel. Informação encontrada no site da editora. Disponível em: https://www.ediouro.com.br/selos/nova-fronteira Acesso em: 20 maio 2018

43 Informações encontradas no site do Grupo Globo. Disponível em: https://grupoglobo.globo.com/quem-somos/ Acesso em: 25 jan. 2019.

de gastronomia e interesse geral, além da linha Disney e do selo Michaelis de dicionários. A linha de literatura infantil e os livros didáticos são a linha mestra da editora44

.

Ao contrário das quatro editoras independentes que criaram coleções voltadas, exclusivamente, às produções literárias de escritores africanos, os cinco grupos editoriais editaram as obras de autoria africana de maneira avulsa e dispersada, ora as publicando no catálogo geral, como foi o caso da Melhoramentos, ora as publicando através de selos que abrangem livros de autores para além dos africanos.

No caso das obras de autoria africana publicadas pela Companhia das Letras, elas foram editadas através dos selos Companhia das Letras e Companhia das Letrinhas. O primeiro selo compreende uma gama de livros que estão situados entre a literatura e as ciências sociais. Nesse selo, estão todas as obras publicadas pela editora antes dela se tornar um grupo editorial. Já o segundo selo, como o nome sugere, é voltado à literatura infantil de autoria nacional e internacional.

No grupo Record, as obras de escritores africanos foram editadas através do selo Bertrand Brasil e Record. O selo Bertrand Brasil compreende todas as obras, de ficção e não-ficção, que faziam parte do catálogo dessa antiga editora, antes dela ser comprada pelo grupo Record. O segundo selo contempla obras de ficção e não-ficção.

As obras de escritores africanos publicadas pela Ediouro saíram com os selos Nova Fronteira, Agir e Ediouro. As duas primeiras são, como no caso anterior da Record, antigas editoras que tiveram seus catálogos incorporados ao grupo Ediouro.

Quanto às obras publicadas pela editora Globo, todas foram através do selo Biblioteca Azul, que já contemplou obras de noventa escritores renomados, como45

: Stendhal, Samuel Beckett, Voltaire, Monteiro Lobato, Machado de Assis, Jorge Luis Borges, Hilda Hilst, Edgar Allan Poe, dentre outros.

Isso nos leva a afirmar que a publicação de escritores africanos não é prioridade nas linhas editoriais dos cinco grupos editoriais, visto que eles não construíram seu perfil voltado para essas literaturas.

44 Informações encontradas no site da Editora Melhoramentos. Disponível em: http://editoramelhoramentos.com.br/v2/ Acesso em: 25 jan. 2019.

45 Vale destacar que esse dado se refere ao mês de janeiro de 2019, obtido através do site oficial da Globo Livros. Disponível em: http://globolivros.globo.com/selos/biblioteca-azul?page=3. Acesso em: 25 jan. 2019.

2.3.1.2 O perfil dos editores

Diferentemente dos editores das independentes, que são vinculados à academia como professor ou exercem a profissão de jornalista, escritor, tradutor e/ou administrador e atuam, paralelamente, nas editoras, os editores dos grupos editoriais são, sobretudo, profissionais da área da edição. Esse dado parece ratificar a prioridade das linhas editoriais das independentes em relação às obras de ciclos longos, visto que, até mesmo, os funcionários dessas empresas são formados em cursos de ciências humanas e não tiveram experiências no comércio dos livros, enquanto que o caráter comercial dos grupos já está presente na própria constituição de sua equipe. Essa realidade colabora com o que Dantas e Perrusi (2012) destacaram sobre esses dois percursos diferentes para o acesso ao trabalho de editor: um profissional e o outro desinteressado, motivado por uma espécie de missão.

A exemplo, o grupo Companhia das Letras conta, além do presidente Luiz Schwarcz, com dois editores: o escritor Emilio Fraia e o antropólogo Ricardo Teperman, ambos com obras publicadas pela casa. O primeiro já foi editor da antiga editora Cosac Naify, e o segundo atuou como editor da revista da OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) e da Novos Estudos, que é uma revista do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Atualmente, o Emilio Fraia se dedica mais a projetos de ficção contemporânea, obras completas estrangeiras e histórias em quadrinho. Já o Ricardo Teperman é responsável pelas obras de ciências humanas46

.

Quanto ao grupo Record, após a morte, em 2016, do seu irmão Sergio Machado, Sônia Machado Jardim, antiga presidente do SNEL (Sindicado Nacional dos Editores de Livros), assumiu a presidência da casa. O grupo conta, desde 2013, com o jornalista de profissão Carlos Andreazza como editor-executivo. Ele teve experiências profissionais como estagiário em pequenas editoras brasileiras, como a Contracapa e a Capivara, e também na editora parisiense La Table Ronde47

.

O quadro abaixo recapitula algumas tendências e aspectos que caracterizam as linhas editoriais das editoras independentes e dos grupos aqui analisados:

46 Essas informações foram encontradas em um artigo do Jornal Folha de São Paulo. Disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/01/1854360-companhia-das-letras-anuncia-seus-novos-editores.shtml. Acesso em: 15 nov. 2018.

47Essas informações foram encontradas na revista da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/flbc/article/viewFile/17382/10639. Acesso em: 15 nov. 2018.

Quadro 9 - Características referentes às editoras independentes e aos grupos editoriais

Editoras independentes Grupos editoriais

Empresas de pequeno, médio e grande porte Empresas detentoras de grande capital econômico e grandes conglomerados editoriais

Fundadas em sua maioria (quatro dentre as seis) após a Lei 10.639

Todos foram fundados muito tempo antes da implementação da Lei 10.639

Participam (cinco dentre as seis) Liga

Brasileira de Editoras (LIBRE)

Quatro (de seis) são dirigidas por mulheres Todos os editores são homens Possuem vínculo com a academia ou são

escritores Profissionais do mercado editorial

Tamanho reduzido da equipe, uma pessoa exercendo diversas tarefas

Equipe volumosa, divisão de tarefas por setores administrativos

Presença de escritores de línguas e países periféricos no catálogo

Presença dos clássicos da literatura nacional e estrangeira, e obras comerciais (best-sellers, livros práticos, religiosos, técnicos e de auto-ajuda).

Metódo artesanal de distribuição dos livros Modelo de distribuição dos livros compatível com lógicas industriais

Divulgação dos livros em feiras consolidadas nacionalmente, bem como em canais alternativos de venda, tais como feiras de bairro, eventos nas universidades, encontros em livrarias e bares

Divulgação dos livros em feiras nacionais e internacionais renomadas. Alto investimento no marketing de venda dos livros

Existência de coleções voltadas à produção

literária de autoria africana

Pouca publicação de traduções de obras de autoria africana

Número relativamente elevado de publicação de traduçõesde obras de autoria africana

Publicação de obras de escritores africanos premiados e em vias de consagração

Publicação de obras de escritores africanos já bastante consagrados

Fonte: Dados da Pesquisa, 2019.