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3. AS RELAÇÕES DE CRÉDITO

3.2. ASPECTOS JURÍDICOS DO FORNECIMENTO DE CRÉDITO

3.2.2.2. Os juros no Código Civil de 2002

O atual Código Civil regula os juros moratórios em seu artigo 406, ao estabelecer que:

“quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”

Em razão disso, estabeleceu-se uma celeuma para definir qual o índice aplicável segundo a redação do art. 406.

Parcela da doutrina139 tem asseverado que a taxa moratória para pagamento de impostos é a da SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), fixada pelo Poder Executivo, por intermédio do Banco Central, cuja base de cálculo encontra-se nas operações de compra e venda de títulos públicos.

O Superior Tribunal de Justiça tem se inclinado neste sentido, com várias decisões reconhecendo a SELIC como índice aplicável nos juros moratórios:140

Há ressalva, todavia, pelo próprio Superior Tribunal de Justiça nas situações de aplicação da SELIC até mesmo em matéria tributária, e da sua cumulação com outros índices de correção monetária ou juros moratórios, uma vez que tais elementos já se encontram presentes em sua composição141.

139 Pela aplicação da SELIC: DELGADO, Mário Luiz. In: Novo Código Civil comentado, FIÚZA, Ricardo (Org), 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 363. WALD, Arnoldo. Os juros no Código Civil. In: http://www.intelligentiajuridica.com.br/old-out2003/artigo3.html. Acesso em: 30 jan. 2010. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Volume II, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 183-184.

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processual civil. Embargos de declaração. Condenação por dano moral. Correção monetária e juros moratórios. Pedidos implícito. Termo inicial e índice. Esclarecimentos oportunos. I – [...] II - Os juros de mora devem incidir, desde o evento danoso, na forma prevista pelo artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até o início da vigência do Código Civil de 2002, quando então passa a incidir o índice estabelecido pelo artigo 406 do novo diploma, o qual, de acordo com precedente da Corte Especial, corresponde à Taxa SELIC. III - A correção monetária também incide a partir do evento danoso (efetivo prejuízo) e deve ser alcançada mediante a aplicação de índice que reflita a variação de preços ao consumidor. Precedentes. lV - A incidência da taxa SELIC a título de juros moratórios, a partir da entrada em vigor do atual Código Civil, em janeiro de 2003, exclui a incidência cumulativa de correção monetária, sob pena de bis in idem. Precedentes. Embargos de Declaração acolhidos. (Superior Tribunal de Justiça STJ; EDcl-REsp 1.077.077; Proc. 2008/0158952-9; SP; Terceira Turma; Rel. Min. Sidnei Beneti; Julg. 26/05/2009; DJE 05/06/2009).

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Recurso Especial – Cumulação da Taxa Selic e de Juros de Mora – Impossibilidade – Ilegalidade da mencionada Taxa – Manutenção dos Juros de Mora – Artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional – A Taxa

Outra parte da doutrina142, contudo, recusa aceitação à SELIC, alegando sua inaplicabilidade.

Primeiro, porque por ser uma taxa variável desperta a desconfiança e a recusa da sua aplicabilidade, diante da incerteza do quantum a incidir sobre os contratos, consoante foi apontado pelo Enunciado n° 20 da 1ª Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, realizado no final de 2002143.

Segundo, porque entende esta corrente que à mora deve incidir a taxa de 1% (um por cento), em virtude da norma contida no art. 161, § 1° do Código Tributário Nacional (CTN), pelo critério da hierarquia, uma vez que o CTN foi recepcionado pela Carta Magna como lei materialmente complementar (art. 34 ADCT), bem como da especialidade, sendo certo que norma geral posterior não revoga lei especial anterior.

Assim, em razão dos argumentos apresentados, seria de 1% (um por cento) o limite da taxa de juros moratórios legais a incidir nas relações contratuais.

Quanto aos juros moratórios contratuais, alguns doutrinadores têm asseverado que não há mais qualquer limitação dos juros contratuais, a exemplo de Fábio Ulhoa Coelho:

Os juros devidos como consectários podem ser contratuais ou legais. Os contratuais são os estabelecidos pelas partes por acordo de vontade e não estão sujeitos a nenhum (sic) limite constitucional ou infraconstitucional. Os juros legais calculam- se pelas mesmas taxas devidas na hipótese de atraso no pagamento dos tributos federais.144

SELIC ora tem a conotação de juros moratórios ora de remuneratórios, a par de neutralizar os efeitos da inflação, constituindo-se em correção monetária por vias oblíquas. Dessa forma, a aludida Taxa não pode ser cumulada com outros índices de correção monetária ou juros moratórios. Por outro lado, a Taxa SELIC para fins tributários é, a um tempo, inconstitucional e ilegal. Como não há pronunciamento de mérito da Corte Especial deste Egrégio Tribunal que, em decisão relativamente recente, não conheceu da argüição de inconstitucionalidade correspectiva (CF. Incidente de Inconstitucionalidade no RESP 215.881/PR), permanecendo a mácula também na esfera infraconstitucional, nada está a empecer seja essa indigitada taxa proscrita do sistema. Julgamento deste Recurso Especial em 07 de novembro de 2002. Recurso Especial provido, para afastar a incidência da Taxa SELIC e manter a aplicação de juros moratórios de 1% ao mês. (STJ – REsp 200200911420 – (457468 PB) – 2ª T. – Rel. p/o Ac. Min. Franciulli Netto – DJU 29.08.2005 – p. 00244).

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Pela aplicação do art. 161 §1° do CTN, entre outros: RIZARDO, Arnaldo. Direito das Obrigações: Lei n°

10.406, de 10.01.2002, 5ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 518-519. CHAVES Cristiano e ROSENVALD,

Nelson. Direito das Obrigações, 3ª ed., 2ª tiragem, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008, p. 452-454. STOLZE, Pablo e PAMPLONA FILHO, Rodolfo (Novo Curso de Direito Civil. Volume II, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 297-298. TARTUCE, Flávio. Princípio da função social dos contratos: do

Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007, p. 375-376.

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Enunciado 20 - Art. 406: a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês. A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano.

144 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Volume II, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 183.

Em contraponto a tal entendimento, pode ser citada a lição de Cristiano Chaves e NelsonRosenvald145 que defendem a limitação da taxa de 1% (um por cento) ao mês, porque a lacuna legal deixada pelo artigo 406 do Código Civil enseja o seu preenchimento pelo art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional, combinado com a previsão do art. 5° do Decreto n° 22.626/33 que apenas permite que a mora eleve os juros à taxa naquele percentual.

Um terceiro posicionamento é defendido por Denis Donoso que admite a possibilidade de fixação de juros moratórios convencionais em até 24% (vinte e quatro por cento) ao ano, ou seja, 2% ao mês, sob a alegação de que o art. 1º do Decreto 22.626/33 dispõe que é vedado estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal.146

No que concerne aos juros remuneratórios, o Código Civil vigente prevê, em seu artigo 591, que “destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”.

Destarte, combinando-se o artigo 591 com a previsão do art. 406, aliado ao que estabelece o Decreto nº 22.626 de 1933, de forma analógica, chegar-se-ia à conclusão de que os juros compensatórios também seriam de 1% (um por cento) ao mês, excepcionando-se apenas os contratos que não fossem de mútuo, onde seria admissível o dobro desta taxa.

Registre-se que o próprio STJ tem também decisões negando a aplicação da SELIC para fixação dos juros remuneratórios.147

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CHAVES, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações, 3ª ed., 2ª tiragem, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008, p. 453.

146 DONOSO, Denis. Juros de mora. Taxa aplicável e limite de convenção entre as partes. Comentários ao art. 406 do novo Código Civil em cotejo com a Lei de Usura. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1629, 17 dez. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10767>. Acesso em: 31 jan. 2010.

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agravo regimental em recurso especial. Ação de cobrança. Contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Limitação dos juros remuneratórios inadmissibilidade, na espécie. Mantida a limitação promovida na origem, sob pena de reformatio in pejus honorários advocatícios. Apreciação das características da demanda. Entendimento obtido da análise do conjunto fático-probatório. Reexame impossibilidade. Aplicação do Enunciado da Súmula Nº 7/STJ. Agravo Regimental não provido. 1. Em referência aos juros remuneratórios, não incide a limitação a 12% ao ano, prevista no Decreto nº 22.626/33, salvo hipóteses legais específicas, visto que as instituições financeiras, integrantes do Sistema Financeiro Nacional, são regidas pela Lei nº 4.595/64. Assinala-se que cabe ao Conselho Monetário Nacional limitar tais encargos, aplicando-se a Súmula nº 596 do STF. 2. O entendimento referente aos juros remuneratórios não foi alterado após a vigência do Código de Defesa do Consumidor, cujas normas também se aplicam aos contratos firmados por instituições bancárias, tendo a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consagrado a manutenção dos juros no percentual avençado pelas partes, desde que não reste sobejamente demonstrada a exorbitância daquele encargo. 3. A jurisprudência desta Corte superior é assente no sentido de que a Taxa Selic não representa a taxa média praticada pelo mercado, sendo, portanto, inviável sua utilização como parâmetro de limitação de juros remuneratórios. 4. Vinculada aos títulos da dívida pública, a taxa SELIC oferece flagrante garantia aos investidores, por isso é que apresenta índices mais baixos. Nesse caso, a taxa SELIC, pode dizer-se, não releva os mesmos componentes formadores nas taxas de juros de mercado, cobrada pelos bancos. (RESP 271.214/RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 04.08.2003 p. 216). 5. Inexistindo recurso da CEF, quanto à incidência da SELIC, sendo

Vilsumbra-se, destarte, que a aplicação da taxa SELIC não é pacífica, porque há decisões do STJ tanto a admitindo como possível nas dívidas tributárias, como, em entendimento totalmente oposto, entendendo pela sua inconstitucionalidade. Ademais, nas dívidas não tributárias, também permeia tal dúvida quanto sua aplicabilidade, como ficou registrado nas decisões supra referidas.

Registre-se, por oportuno, que os §§ 1º e 2º do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor, fixam, respectivamente, a limitação da multa moratória, esta em 2% (dois por cento) sobre o valor da prestação, e a possibilidade de liquidação antecipada do débito, acompanhada da respectiva redução dos juros e acréscimos.