• Nenhum resultado encontrado

de História

Capítulo 1 − Enquadramento Histórico Nacional da Revista de História

1.2. A Primeira República (1910-1926)

1.2.3. Os Primeiros Anos da República (1910-1917)

Após a Proclamação da República, o Directório do Partido Republicano Português perdeu preponderância em sentido estrito, ou seja, em termos exclusivamente partidários. Mas, num plano genérico, o seu poder aumentou,

95 Ibid., p. 57.

96 E. Rodrigues – 5 de Outubro Uma Reconstituição…, p. 7. 97 Ibid.

transferindo-se para o Primeiro Governo Provisório. Todavia, a primeira grande questão com implicações político-sociais do novo regime estendeu-se do 5 de Outubro de 1910, até ao Primeiro Governo Constitucional de Setembro de 1911.Trata-se de uma temática de natureza religiosa mas que nela não se extingue e pode ser denominada como A separação do Estado e da Igreja. Esta designação qualifica a abordagem recente desta matéria empreendida por Luís Salgado de Matos, que a ela se dedicou por três razões, das quais destacamos no imediato a seguinte, que constitui, em nosso entender, a principal novidade desta perspectiva: «A separação é um tema complexo. É diferente da Lei da Separação; a separação foi executada em numerosas medidas anteriores à lei, inscrevendo-se numa mentalidade laicizadora diferente da actual; a longa e complexa lei é uma parte, decisiva embora, da separação»98.

Luís Salgado de Matos confere grande relevância à lei de 20 de Abril de 1911, mas torna-a parte activa de um conjunto mais vasto, eximindo-se a atribuir-lhe o lugar central da problemática em análise. A sua prioridade historiográfica situa-se a outro nível, conforme reconhece o sociólogo: «O presente trabalho defende a tese de que a separação não foi querida nem pela Igreja Católica nem pelo Estado. Uma vez iniciada, ultrapassou-os, obrigou-os a aplicarem estratégias de luta, dividiu-os a ambos, e reformulou-os em termos que, à partida, nem um nem outro tinham imaginado. Foi decisiva para Portugal. Depois do 5 de Outubro, os Republicanos sempre quiseram o acordo com a Igreja, por a temerem e por respeitarem a liberdade de consciência; mas começaram por querer esse acordo numa base regalista, que a Santa Sé rejeitou. Regalismo é o domínio do poder régio – e portanto estatal – sobre a Igreja. A Santa Sé divulgou a pastoral dos bispos, em Fevereiro de 1911 e, a partir de então, deixou de ser possível recuar. Republicanos e católicos dividiram-se ambos em adversários e partidários de um compromisso, mas na esmagadora maioria das paróquias o culto prosseguiu em total liberdade, num contexto conflitual, em que alguns actos estatais eram qualificados de «perseguição». A república e a Santa Sé resolverão a questão religiosa depois da Primeira Guerra Mundial mas não conseguirão dominar os seus extremistas, laicistas de um lado e anti-maçons do outro (…). Partamos pois do princípio de que a República e a Igreja Católica aplicaram ambas a sua estratégia face à Lei da Separação de 1910-1911, mas não excluímos que cada uma delas fosse atravessada por conflitos estratégicos».

98 Luís Salgado de Matos – Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo. Lisboa: D. Quixote, 2010,

p. 31. Este autor avança outras razões que explicam o seu fascínio pelo tema em apreço: «A separação de 1910/1911 é um momento decisivo da modernidade portuguesa e continua a ser, para uns, perseguição e, para outros, iluminação […]; - A intensidade e duração do conflito transformaram-no no nosso presente e, por isso, porque estamos no presente, exigem uma apologética eleva-se à teodiceia, sempre legítima, que não deve contudo confundir-se com outros géneros, mais analíticos e menos moralizadores» (Ibid.).

Alternativamente, João Seabra estudou a peça legislativa portuguesa sob o ponto de vista do direito canónico comparado, relacionando-a com a lei americana, a brasileira (de Janeiro de 1890); a francesa (de 5 de Dezembro de 1905). O autor conclui que o clausulado americano respeita as isenções e deduções fiscais das igrejas e a sua personalidade histórica e jurídica, enquanto do lado de lá do atlântico também se encontra registada preocupação análoga, salvaguradando-se as hierarquias, a propriedade e a liberdade na administração dos bens eclesiásticos. Nessa medida, a Lei em vigor em Portugal a partir de 20 de Abril de 1911 é mais dura, segue o modelo francês, de modo alegadamente ainda mais restritivo: «Não foi nestas experiências de separação99 porém, que se inspirou Afonso Costa: a sua Lei de

Separação depende directa e exclusivamente da lei francesa (…) Muitos artigos da Lei

portuguesa são traduzidos directamente do francês (…), a lei portuguesa imita a francesa acerca da propriedade dos bens eclesiásticos, considerando-os «bens nacionais», como em França, numa situação histórica e juridicamente muito diferente»100. Na Revista de História, em 1912, a Lei de Separação è vista, de modo

implícito, como um documento jacobino, com implicações catastróficas para o património cultural, que era, alegadamente, preciso contraditar.

Entretanto, no ano anterior tinham começado as Constituintes que promoveram

reuniões que conduziram à aprovação a 19 de Agosto de 1911 da Constituição, que congregou na sua origem o contributo de diversas personalidades, portadoras de opiniões nem sempre coincidentes. Foi realizado um esforço de convergência na procura de um denominador comum, que passou pela consagração de um regime parlamentar e bicamaralista. Paulo Ferreira da Cunha resume do seguinte modo o cerne do documento constitucional: «A Constituição é, assim, parlamentarista (de um parlamentarismo bastante puro−salvo os resíduos do projecto presidencialista, embora de um presidencialismo sui generis, designadamente sem eleição directa do Presidente), retomando mais que as originais fontes do projecto (brasileira e suíça), sobretudo as constituições portuguesas oitocentistas, e em especial a de 1822, parecendo ainda inspirar-se na III República francesa. As únicas diferenças entre este tipo de parlamentarismo e o regime de assembleia serão a existência (posto que ténue, limitada) de um Presidente da República que não se confunde com o Ministério, e uma separação de poderes concebida à maneira clássica (…). Perdera assim a concepção jacobina com o seu modelo convencional, o qual, na verdade, nega a separação de poderes seguindo a teoria de Rousseau contra a de Montesquieu. Entretanto chegou mesmo a pôr-se em causa a existência desse Presidente.

99 Americana ou Brasileira.

Admitindo-se que nem sequer existisse. A Constituição alinha por teses de soberania nacional e não pelas de soberania popular de Rousseau (artigo 5), segue, como dissemos, uma forma de separação dos poderes (artigo 6), estabelece um regime de democracia representativa (artigos 7 e 15), contrariamente não se fundando no sufrágio universal, desde longo tendo as primeiras leis eleitorais excluído as mulheres e os analfabetos, entre outros. A justificação de Afonso Costa é compreensível para estes últimos: como poderiam votar conscientemente? Seria uma espécie de hara-kiri da nascente República»101.

Resulta claro que a própria Constituição de 1911 materializa as contradições da Primeira República, uma vez que o documento não concretiza a aspiração de soberania popular que parecia constituir a sua base teórica fundamental. Na prática, Afonso Costa e os seus pares protegeram os interesses da elite à qual pertenciam, evitando uma democracia plena, mais consentânea com o respectivo ideário e perfil doutrinário, mas entendida como perigosa para as suas ambições políticas, com as quais colidia.

Simultaneamente, na segunda metade de 1911, realizaram-se as eleições para a Presidência da República, que tornaram patentes as divisões crescentes e a instabilidade delas decorrente no interior do Partido Republicano Português. Concorreram dois candidatos: Bernardino Machado, apoiado por Afonso Costa e Manuel de Arriaga, suportado por António José de Almeida e Brito Camacho, que formavam um bloco. Manuel de Arriaga ganhou as eleições e nomeou Duarte Leite, almejando o consenso entre as partes. Não o conseguiu de modo duradouro, até porque ele próprio era tudo menos consensual, conforme sublinha Joana Gaspar de Freitas: «A escolha de Manuel de Arriaga para primeiro presidente da nova República deixou desde logo a opinião dividida. Se para uns a sua eleição representava a consagração da vida de lutador austero e imaculado em defesa dos ideais democráticos; para a idade avançada do velho republicano fazia duvidar da sua capacidade para bem desempenhar o mandato de que havia sido incumbido (…). Manuel de Arriaga, ao aceitar o encargo com o qual o pretendiam honrar, anunciou desde logo que tencionava ser o representante da nação e não o chefe de um partido, procurando deixar bem claro que assumia aquele posto com o intuito de conseguir o equilíbrio entre as diversas posições políticas (…). Folheando os jornais da época, verificámos que após a nomeação de um gabinete, as incumbências de Manuel de

101 Paulo Ferreira da Cunha – A I República e a Constituição de 1911. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda,

Arriaga se resumiam à assinatura de decretos ministeriais e á comparência em actos oficiais»102.

Todavia, a 4 de Setembro de 1911, João Chagas tomou posse no governo pelo referido bloco. De 7 a 13 de Novembro o segundo governo oficializou a sua governação. Entre meados de 1911 e inícios do ano seguinte, as contradições internas no Partido Republicano Português agudizaram-se, atingindo um ponto de saturação que culminou com a criação a 24 de Fevereiro de 1912 do Partido Evolucionista, liderado por António José de Almeida e, dois dias depois, nasceu a União Republicana

de Brito Camacho. Em Novembro Augusto de Vasconcelos demitiu-se, voltando

Duarte Leite ao Governo, por pouco tempo, apenas até Janeiro de 1913103.

Sucedeu-o Afonso Costa que saneou despesas e angariou receitas. Todavia, o seu estilo não era consensual. A 9 de Junho de 1914 tomou posse Bernardino Machado que preparou terreno para a realização de eleições. Procurou consensos mínimos e convergências, mas teve que enfrentar uma grande dificuldade, que acentuou a instabilidade partidária e governamental na qual se vivia. Em Agosto de 1914 principiou a Primeira Guerra Mundial, que, conforme nota Ana Paula Pires: «envolveu todos os países europeus, com excepção da Espanha, dos Países Baixos, da Escandinávia e da Suíça. (…) A Chegada do mês de Agosto de 1914 determinou por isso o fecho de um capítulo na História mundial; com ele sobreveio a insegurança, a angústia e o sacrifício. Assim, seria até porque os reflexos políticos deste momento de viragem determinaram o fim não só do Absolutismo monárquico, como o desaparecimento dos impérios austro-húngaro e turco otomano e das três dinastias reinantes que tinham entrado na guerra – alemã, austríaca e russa –, colocando-se um ponto final à antiga ordem mundial»104. Entretanto, eclodiu a polémica entre

intervencionistas e não intervencionistas. Bernardino Machado congregou sensibilidades diversas em torno do primeiro grupo, evidenciando, num primeiro momento, cautelas tendentes a aproveitar até ao limite a margem de não-beligerância portuguesa. Contudo essa margem era curta e convinha a alguns sectores da política portuguesa o apoio a Inglaterra, que tentou atrasar a participação efectiva de Portugal no conflito.

Filipe Ribeiro de Meneses traça um perfil dos intervencionistas e anti- intervencionistas portugueses: «começou assim mais um período agitado na vida da República. Do lado intervencionista estavam parte do Partido Socialista Português

102 Joana Gaspar de Freitas – Manuel de Arriaga Percurso Intelectual e Político de um Republicano Histórico (1840-

1917). Casal de Câmara, Caleidoscópio: Agosto de 2011, pp 119-120.

103 Cfr. João Bonifácio Serra - A evolução política (1910-1917). in F. Rosas e M.ª F. Rollo – História da Primeira República Portuguesa,op.cit.pp.93-128

104 Ana Paula Pires, O conflito mundial. In F. Rosas e M.ª F. Rollo – História da Primeira República Portuguesa…,

(PSP), o Partido Democrático e o Partido Evolucionista (…) Do lado intervencionista estava ainda o escol intelectual e artístico da República. Foi em torno de Teixeira de Pascoaes e da revista Águia que se reuniram os apoiantes da entrada de Portugal na guerra europeia. Contra a guerra estavam os monárquicos, unionistas, os seguidores (pouco numerosos) de Machado dos Santos e o resto do pequeno PSP. O resto do país – a maioria da população – era indiferente ou era hostil à participação de Portugal na guerra europeia»105. Ribeiro de Meneses explica que o que estava em jogo para os

intervencionistas, não era apenas evitar que, excluído de um contexto e consequente esforço de guerra, Portugal contasse cada vez menos no conspecto político diplomático europeu. Contudo, segundo o autor, a população portuguesa, na sua maioria rural e a passar por dificuldades económicas, estava longe de ser sensível ao esforço de arregimentação e união em torno da salvação do país, através da sua entrada na guerra. Esse esforço não era sequer reconhecido e obrigava a uma tentativa, frustrada, de mobilização pela propaganda informativa e política que continha uma mensagem do foro interno, incitando os Portugueses a conciliar esforços no sentido de consolidação da República, ainda muito jovem e bastante permeável a dificuldades e contradições: «O mais importante objectivo era, porém, a implantação definitiva do regime republicano em Portugal. Toda a população seria afectada pela guerra e, esperavam os partidários da intervenção militar, tornar-se-ia por isso mais sensível aos ideais pelos quais Portugal, junto à Grã-Bretanha e à França, se bateria, e que não eram mais do que os ideais pelos quais os republicanos portugueses se vinham batendo desde longa data. Porém, para que a República pudesse beneficiar de um tal sentimento de união e sacrifício comum (…) as vantagens de uma intervenção militar teriam de ser apresentadas com convicção a um país cuja maioria esmagadora estava desligada – e até excluída, em virtude do seu analfabetismo – de qualquer actividade política formal. Para essa minoria, essencialmente rural, tal campanha de mobilização política, acompanhada de uma mobilização militar, representaria o primeiro contacto real com o Regime Republicano. Os intervencionistas teriam também de explicar a um país pobre e sub–desenvolvido que o sacrifício económico ditado pela guerra (…) seria, no fundo, um investimento alongo prazo»106. No entanto, esta tese de Filipe Ribeiro Meneses foi contrariada por Luís

Alves da Fraga, para quem a beligerância mantinha urgência para lá do insucesso previsível da Propaganda, considerando ainda que os militares fizeram bem em apostar em questões militares, essencialmente do foro técnico, dado que aí residia o

105 Filipe Ribeiro de Meneses – Intervencionistas e Anti-Intervencionistas. In F. Rosas e M.ª F. Rollo – História da Primeira República Portuguesa…, pp. 268-269.

106 Filipe Ribeiro de Meneses – União Sagrada e Sidonismo Portugal em Guerra (1916-1918). Lisboa: Edições Cosmos,

cerne da impreparação. Por outro lado, sustenta que a crise económica era comum a vários países europeus e não decorreu do falhanço previsto da mobilização: «Seja como for, a tese de Filipe Ribeiro de Meneses e o presente trabalho são complementares, pois um debruça-se sobre todo o panorama político interno, dando claramente mais importância à vertente civil, e o outro, sem descurar aspectos políticos da mesma natureza, vai privilegiar as questões militares que traduziram uma política de beligerância. Uma fronteira bem nítida separa-os contudo: na União

Sagrada e o Sidonismo prevalece a ideia de que a insistência na beligerância foi um

erro e, neste que apresentamos, defendemos opinião diametralmente oposta»107.

A situação agravou-se em Portugal entre finais de 1914 e inícios de 1915, fruto do impasse instalado pelas divergências entre Intervencionistas e não intervencionistas. Este clima de desconfiança mútua foi propício ao surgimento, em Fevereiro de 1915, da Ditadura de Pimenta de Castro – defendida por Fidelino de Figueiredo – a qual foi derrubada dois meses volvidos. Conforme sublinha Fernando Rosas: «Faltava ganhar a batalha diplomática, isto é, vencer a oposição britânica à beligerância portuguesa. Mas, também nesta frente, a situação será ultrapassada entre Dezembro desse ano [1915] e Fevereiro de 1916, quando a urgência da Grã- Bretanha deitar mão aos navios dos Impérios Centrais estacionados no Tejo, a convence a invocar a aliança para pedir a Portugal o seu confisco como exercício de um direito de beligerância por parte de um aliado na guerra. O que se fará com pompa e circunstância, quase festivamente. A 9 e 11 de Março, respectivamente, como resposta, a Alemanha e a Áustria declaram guerra a Portugal. A 26 de Janeiro de 1917 parte para a Flandres o primeiro contingente do Corpo Expedicionário Português»108.

Fernando Rosas vai mesmo mais longe declarando que Primeira Guerra Mundial matou a Primeira República. Alicerça o seu raciocínio na conjugação dos seguintes factores: «Na realidade, a guerra foi a morte da Primeira República. Ela iria exacerbar todos os graves problemas e contradições que, desde o início, atravessavam o novo regime: acentuou ao extremo a impopularidade e a crise de legitimidade de poder de Afonso Costa e do PRP; instalou a guerra aberta entre o Movimento Operário e o (racha-sindicalismo) do governo afonsista, relançou com furor, após a relativa «aclamação» de 1914-1915, o conflito com a Igreja Católica e a mobilização rural contra a cidade (…); precipitou uma crise social, económica e financeira sem precedentes»109.

107 Luís Alves da Fraga, Do intervencionismo ao Sidonismo Os dois segmentos da política de Guerra na Primeira República. Coimbra: imprensa da Universidade de Coimbra, 2010, pp. 30-31.

108 Fernando Rosas – A República e a Grande Guerra. In F. Rosas e M.ª F. Rollo – História da Primeira República Portuguesa…, p. 247.

Ainda antes de enviado o contingente para a Flandres, a situação política, económica e social da República estava a tornar-se cada vez mais instável e periclitante: «A constituição do Governo da União Sagrada (15 de Março de 1916 a 25 de Abril de 1917) fez – se com base na aliança política entre os democráticos e os evolucionistas para a intervenção imediata na frente europeia da Grande Guerra, não conseguindo envolver num consenso político mais vasto unionistas, reformistas,

socialistas e católicos, apesar de algumas negociações levadas a efeito. A crítica a

essa convergência política atravessou mesmo uma dos partidos signatários do acordo, o Partido Republicano Evolucionista, provocando a criação de uma facção política, sob a direcção de António Caetano Egas Moniz, que dará origem nos finais de 1917 ao Partido Centrista Republicano»110. O terceiro governo de Afonso Costa começou a ser

crescentemente contestado.

1.2.4−O Sidonismo (1917-1918)

Não foi surpreendente o golpe que a Lisboa política já esperava e foi liderado por Sidónio Pais que, a 5 de Dezembro de 1917, tomou a Rotunda num gesto de grande simbolismo, dado que este fora o lugar mais emblemático das operações que levaram à Implantação da República, sete anos antes. Ora, Sidónio Pais entendia que

aquela república estava a passar por um esgotamento, sendo necessário capitalizar o

verdadeiro espírito republicano que vinha sendo alegada e progressivamente traído, mormente pelos grupos ligados ao Afonsismo e ao próprio Afonso Costa. Sidónio Pais não agiu sozinho, nem actuou isoladamente. Tinha consigo algumas facções da direita republicana, mormente os Unionistas de Brito Camacho, mas também Machado dos Santos, inimigo declarado de Afonso Costa, ou ainda e, em primeira linha, os Centristas que agiam mais por um desiderato individual do que colectivo ou grupal e eram, alguns deles, íntimos de Egas Moniz, como era o caso de Tamagnini Barbosa. Por outro lado, também os monárquicos mais conservadores ligados ao Integralismo Lusitano se juntaram ao movimento e consideravam que Sidónio Pais era uma esperança legítima para alcançarem os seus objectivos111.

O próprio perfil biográfico desta personalidade republicana constituía um garante das suas capacidades.

Oriundo de uma família tradicional bracarense, era um militar e conhecia o meio, embora durante alguns anos tivesse deixado o exercício dessa carreira em

110 Ernesto Castro Leal – Partidos e Programas o campo partidário republicano português (1910-1926). Coimbra,

Imprensa da Universidade de Coimbra, Julho de 2008, p.62

111 Sobre os apoiantes de Sidónio Pais ver: Maria Alice Samarra – Sidonismo e Restauração da República Encruzilhada de paixões contraditórias na História da Primeira República Portuguesa. In F. Rosas e M.ª F. Rollo – História da Primeira República Portuguesa…, pp. 371-373.

segundo plano, tornando-se Professor de Matemática em Coimbra, onde se doutorara, e membro da Assembleia Constituinte em 1911. Chegou a ocupar a pasta do fomento, antes de partir para a Legação Portuguesa em Berlim, cargo diplomático que ocupou até ao regresso a Portugal em 1916. Desconhecia as vicissitudes mais intrincadas da política interna portuguesa, mas essa circunstância jogou, por isso mesmo, a seu favor, dado que não estava exclusivamente comprometido com nenhuma das tendências anti – afonsistas que se juntaram em seu redor pelo facto de reconhecerem que Sidónio Pais podia ser o denominador comum a todas. O golpe iniciado a 5 de Dezembro de 1917 ocorreu não só porque tinha um líder mas também devido ao facto de as várias direitas não conseguirem de outro modo chegar ao poder, nem por via