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Revistas Portuguesas de Cultura Geral ou devotadas à especialização não universitária

Èpoque das Revistas

2.3. Revistas Portuguesas de Cultura Geral ou devotadas à especialização não universitária

Entre 1900 e 1930, assistiu-se, em Portugal, a um período que parece contrariar, ou pelo menos matizar, a menor consideração das revistas face a outros periódicos, dado que nele foram criadas numerosas publicações afins ao género referido161.

No seu texto, sugestivamente intitulado, Quatro Notas Breves, Crespo de Andrade começa por caracterizar as primeiras décadas do século XX como tempos de mudança, nos quais as revistas, genericamente consideradas, constituem espaços propícios: ao desenvolvimento de correntes de sensibilidade e gosto; à irrupção de polarizações temático-conceptuais diversas e à afirmação de dinâmicas cívicas empenhadas e combativas162. Convém indagar até que ponto, e, em caso afirmativo,

em que moldes, a Revista de História cumpriu este tríplice desiderato, sendo lícita a hipótese segundo a qual, no seu código explícito de intenções, a primazia é dada aos conhecimentos científicos.

Luís Crespo de Andrade considera que o momento histórico em causa propiciou a conversão dos tempos em novas épocas, parcialmente realizada pela acção de revistas que para tal possuíam condições, dado que detinham redacções colectivas, públicos estáveis e uma periodicidade diferente da dos jornais. Na Revista de História não existia, explicitamente exposto no periódico, uma redacção assim denominada, mas se a definição desta passar, entre outras características, pela presença de um corpo estável de colaboradores, que permanece ao longo do tempo, aberto a novas contribuições, provindas de personalidades que se juntam progressivamente a um projecto editorial, então o veículo informativo e comunicacional preferencial da Sociedade Nacional de História/ Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos incorpora uma organização redactorial. Quanto à estabilidade dos públicos, pode ser aferida através da lista de assinantes da publicação, ou do inventário de sócios da agremiação. No que concerne à primeira desconhecemos a sua existência no periódico dirigido por Fidelino de Figueiredo, o qual ostenta, no final de cada volume, um elenco de sócios da instituição promotora, situação que testemunha a relação de

161 Na Universidade Nova de Lisboa foi constituído, em 2002, um grupo de trabalho saído de seminários de História das

ideias, iniciados em meados dos anos noventa do século passado. Liderado por Luís Crespo de Andrade, candidatou um projecto à Fundação para a Ciência e Tecnologia sobre revistas editadas durante os primeiros trinta anos do século XX e contribuiu, no seio dos seminários aludidos, para a realização de sessões preparatórias nas quais tomaram a palavra especialistas de Revistas publicadas nos primeiros trinta anos do século XX, em áreas tão diversas como a literatura, a arte, os movimentos sócias como o anarquismo. Estas intervenções foram reunidas em livro, tendo o principal organizador assinado o primeiro texto de volume, de natureza metodológica, de modo a servir como introdução à temática em causa e às restantes colaborações coligidas. Acompanhar-se-á esta iniciativa em toda a sua plenitude e diversidade, que a torna tributária de grande interesse, reforçado pela escassez, na mesma publicação, de trabalhos que versem as Revistas editadas entre 1900 e 1930, período ainda mais relevante por nele se inscrever a

Revista de História, permitindo e favorecendo a relação com iniciativas no mesmo âmbito – mas dedicadas a outras

áreas temáticas –, de modo a entendê-la de forma aprofundada.

162 Luís Crespo de Andrade – Quatro Notas Breves In Revista Ideias e Doutrinas. Leituras do pensamento contemporâneo, António Reis [et al], Lisboa: Livros Horizonte, 2003, pp. 11-18.

dependência entre ambas as instâncias, num meio intelectual que se processa ainda maioritariamente em circuito fechado, no qual os leitores da revista são, em muitos casos, os seus colaboradores que, no caso vertente, coincidem em número considerável como os membros da Sociedade Nacional de História.

A correspondência de Fidelino de Figueiredo poderia ajudar a delimitar o público do periódico e o conteúdo das leituras efectivamente realizadas, bem como as respectivas implicações hermenêuticas, dado que nunca se pode falar apenas do público como entidade abstracta. Há grupos e, dentro destes, sobrepujam as individualidades. Para a conversão dos tempos em novas épocas é necessária a fixação de simpatias, crenças, linguagens e argumentos e, tal como os públicos nos quais vão ter impacto, algumas destas características são de difícil circunscrição. Na

Revista de História predomina a busca da legitimação da História como ciência e,

consequentemente, uma linguagem sóbria, por vezes austera, que procura a conformidade com as convenções próprias das metodologias científicas, bem patentes na prática dos articulistas e no andamento consagrado à bibliografia.

Todavia, nalguns artigos e, sobretudo na secção de factos e notas, o periódico compromete-se com o quotidiano sócio-cultural. A linguagem metafórica, simbólica, prenhe de segundos sentidos− assente nas conotações e na irrupção, seguida de contaminação imaginativa, do real, e dos respectivos efeitos − está praticamente ausente da publicação, que também não possui um manifesto ou conjunto estruturado de princípios que afirmem a força de novidade, enquanto ruptura, que o periódico pretenda albergar ou constituir. Contudo, no dealbar de alguns artigos encontram-se dispositivos retóricos, geralmente pouco concretos, que tentam afirmar a necessidade de substituição do status quo político e sócio cultural vigentes. As alternativas apresentadas não são pormenorizadas ou particularizadas. Apenas se sugere um retorno a um passado, cuja contraposição face ao presente é imediata, mas que raramente se especifica ou situa no plano epocal.

Muitas vezes, a mudança é encarada essencialmente como retorno instaurador de solidariedade entre a tradição e o moderno. Em algumas revistas das primeiras três décadas do século XX nota-se um poder assinalável de atracção de novos públicos e de choque face a modos mais conservadores de apresentação, através de um agente propulsor que é proporcionado pelos avanços no ofício gráfico que irradia e põe em prática a policromia, novas técnicas de paginação ou composição − criativas e imaginativas, por vezes de sabor modernista−, recorrendo à publicação de gravuras originais. Esta derradeira actividade é escassa na Revista de História e as restantes primam pela ausência de novidade. Ao contrário do que acontece nalgumas revistas literárias coevas, coincidentes com o tempo de Orpheu, no periódico dirigido por

Fidelino de Figueiredo o modernismo e correlato vanguardismo são deixados de lado, em nome de uma afirmação da modernidade conduzida pela tradição. Esta conciliação pode não ter gerado o putativo deslumbramento das iniciativas ante – citadas, dado que talvez não possuísse o tom afirmativo de novidades estéticas, ou como no caso da Águia, literárias e sócio – culturais. A marca antropológica e pedagógica era forte no órgão comunicacional da Sociedade Nacional de História/ Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos, mas talvez não tenha atingido a intensidade e extensão da Renascença Portuguesa ou da posteriormente criada Seara Nova. Estas iniciativas eram mais panfletárias e provinham de grupos ainda mais variados, portadores, a um nível profundo, de sensibilidades representativas de estratos díspares da sociedade portuguesa.

Um breve relance sobre a revista Águia − que começou a publicar-se em 1910 − e o Movimento da Renascença Portuguesa, sem esquecer a Seara Nova, iniciada em 1921, implica a consideração de um tipo de publicações que se dedicam à cultura geral e possuem um âmbito político literário e um lastro que alberga questões de ciência e de arte. Convém ter em conta que os periódicos referidos têm merecido ampla recepção historiográfica como reflexo da abrangência das investidas intelectuais neles contidas, prenhes de posicionamentos ideológicos que suscitam paixões e repúdios, exaltações e retraimentos. No seu estudo sobre a Águia e o

Movimento Renascença Portuguesa, Paulo Samuel começa por determinar a

respectiva génese, defendendo que ambas as realidades em análise, sendo a Revista um órgão do grupo renascentista, foram, a um tempo, pré-modernistas − antecipando a ânsia de novidade própria de Orpheu (1915) – e pré-modernas, dado que terão lançado as bases da modernidade. Em 31 de Janeiro de 1891, os republicanos do Porto reagiram contra o Ultimato Inglês do ano anterior e defenderam um Republicanismo Idealista, bem diferente do Jacobinismo que se impôs logo a seguir ao 5 de Outubro de 1910.

Ora, no Porto, quando a Águia nasceu, havia tensões entre católicos e Republicanos e mantinha-se uma necessidade, parcelarmente satisfeita, de Revolução social ao arrepio do idealismo romântico embora alguns autores ultra-românticos tenham sido publicados na revista que, por seu turno, pugnava pela identidade nacional, exibindo um teísmo dinâmico, avesso a dogmatismos da Igreja católica, aliado à recusa do evolucionismo radical e do ateísmo. A Águia apresenta um perfil republicano reformista e moderado, estabelecendo compromissos vários em sintonia com os intuitos da Escola Portuense à qual pertencia: «O ex – libris deste grupo, acaso não seja já movimento, denota no trânsito das ideias a escolha do livre arbítrio, a atitude teísta, recusando o dogmatismo da Igreja e a infalibilidade do Papa mas

enfrentando o cientismo evolucionista e o ateísmo. Perfila-se pela preservação de saberes tradicionais e populares, pelo culto de uma esperança messiânica envolta em roupagens do sebastianismo, torna recorrente a valorização do passado histórico e heróico face aos avanços industriais, elege o estudo das tradições em detrimento das teorias materialistas e economistas. Reflecte, além disso, a vibração de um idealismo republicano, porém nunca sectário e anti-religioso»163.

Em 1912, o rumo do periódico portuense começou a ser discutido e problematizado, dando origem ao início da segunda série da revista na sequência de uma divergência profunda no seio da Renascença Portuguesa entre o grupo do Porto e o de Lisboa. Ao primeiro pertenciam Álvaro Pinto, Teixeira de Pascoais ou Jaime Cortesão, enquanto o segundo tinha Raul Proença e António Sérgio. Enquanto os da invicta defendiam um nacionalismo espiritualista, os da capital pugnavam por um racionalismo cartesiano, de matriz cosmopolita e internacionalista, menos voltado para abordagens de teor simbólico, e assente na resolução de questões sociais, educativas e económicas. Neste conspecto, surgiram dois manifestos diversos sobre a Renascença Portuguesa, o de Teixeira de Pascoais e o de Raul Proença. Aliás, para Paulo Samuel, um dos principais méritos do movimento referido, no seu todo, foi a respectiva acção educativa, patente na criação, a partir de 1912, de Universidades Populares no Porto, em Coimbra, Lisboa, na Póvoa do Varzim e em Vila Real.

Em Outubro de 1921, os ideais do grupo lisboeta da Renascença Portuguesa foram postos em prática e ficaram plasmados por escrito na revista Seara Nova, órgão de comunicação de um grupo de intelectuais políticos que extravasava a representação de uma corrente estética ou doutrinária e cultural e assumia a herança de uma missão de intervenção cívica, defendida pela Geração de 70. Na Génese do projecto seareiro encontrava-se a luta contra as consequências do Sidonismo e da Primeira Guerra Mundial, concretizando-se uma mensagem que desmontava os princípios e valores da extrema-direita, e da extrema-esquerda, respectivamente, o Integralismo Lusitano e a Cruzada Nuno Álvares, de um lado, e o Bolchevismo ou o Anarquismo, do outro. A Seara Nova, dirigida por Raúl Proença, encarnou três funções prioritárias, apresentadas por António Reis: «a) – propaganda de subordinação dos políticos a uma renovada elite intelectual criadora de um plano de reformas apoiado por uma forte opinião pública, com a simultânea difusão dos primeiros contributos especializados para esse plano; b) − combate doutrinário e cultural às ideologias de extrema–direita − e em menor grau de extrema–esquerda − e às estéticas vanguardistas, em nome da superioridade intelectual e moral de uma alternativa

163 Paulo Samuel – A Águia e o movimento Renascença Portuguesa. In António Reis [et al] – Revistas, Ideias e Doutrinas. Leituras do Pensamento Contemporâneo. Lisboa: Livros Horizonte, 2003, p.113.

democrático − socialista e de uma estética subordinada aos valores éticos humanistas e racionalistas; c) − crítica aos defeitos das instituições vigentes e ao comportamento dos seus dirigentes»164.

No entanto, a publicação em análise confrontou-se com duas dificuldades: conciliar uma doutrina supra-partidária com a intervenção política e compaginar a criação morosa de uma nova elite com a urgência de rupturas político-económicas e educativas. Existia ainda um dilema táctico–organizativo subjacente ao projecto editorial citado, que se situava na contradição entre o imperativo de avançar sozinho para a frente de combate ou, alternativamente, constituir uma frente alargada para o efeito. Entre finais de 1921 e Janeiro de 1922 constituiu-se sob os auspícios seareiros, um Grupo de Propaganda e acção republicana, portador de um programa de salvação pública, dado à estampa em Abril de 1922. Esse plano estratégico procurava: reformular o poder legislativo; pugnar pelo Estado-Providência; defender os trabalhadores; reformar o sistema fiscal e a pedagogia.

Entretanto, Raúl Proença recusou fazer parte de um governo e o programa referido não teve eco, tendo a revista perdido fôlego. No dealbar do ano seguinte formou-se a União Cívica, cujo manifesto foi publicado em Fevereiro/Março no vigésimo primeiro número da Seara Nova, consagrando um republicanismo socialista e albergando António Sérgio na direcção do movimento, que se assumia como uma espécie de Senado. No entanto, esta iniciativa falhou, obrigando os seareiros em Outubro/Novembro de 1923 a escrever uma carta ao recém empossado Presidente da República Teixeira Gomes, apontando a necessidade de um referendo de iniciativa legislativa popular, e instigando o reforço de poderes presidenciais e a descentralização administrativa. O presidente não respondeu, mas patrocinou a entrada da Seara Nova no governo de Álvaro de Castro. Esta situação verificou-se devido à materialização de um sentimento hostil face ao perigo de uma Ditadura concretizar-se caso outros protagonistas tomassem o poder, comprovando, deste modo, os seareiros que eram capazes de não se furtar a responsabilidades governativas.

No entanto, havia incomodidades no executivo. Em Junho de 1924 o governo caiu, mas os membros da Seara Nova tiveram esperança no governo de Domingos de Castro, Presidente da Esquerda Democrática. Todavia, este executivo foi derrubado em Fevereiro de 1925. Entretanto, em 18 de Abril e 19 de Julho foram perpetrados golpes militares de tendência ditatorial que repugnavam os membros da referida revista que fizeram um apelo à constituição de um governo nacional. Contudo, Bernardino Machado fora eleito tarde demais Presidente da República e empossara

António Maria da Silva como chefe do governo. Os seareiros não se resignaram perante esta adversidade, defendendo uma reforma do Parlamento e a constituição de um grande cartel das esquerdas em Lisboa e Porto. A 28 de Maio de 1926 foi imposta uma Ditadura Militar perante a qual a Seara Nova manifestou uma atitude ambígua, repudiando o estilo mas apregoando a necessidade das respectivas medidas administrativas e educacionais A 9 de Julho, Raúl Proença fez um apelo à constituição de um governo verdadeiramente nacional. Este desiderato gorou-se, obrigando o periódico a afastar-se da esfera política mais directa, entrincheirando-se numa resistências literária e ensaístico- doutrinária à Ditadura165.

Em resumo, a Revista de História, dirigida por Fidelino de Figueiredo, inspirou- se no racionalismo crítico da Seara Nova e no eventual tradicionalismo da Águia, compaginando ambos, ao arrepio do saudosismo aquilino e do socialismo seareiro, procurando afirmar o nacionalismo essencialmente por uma via respeitadora dos trâmites e dos códigos inerentes a uma escrita que pretendia configurar-se como académica. No entender de Jacqueline Pluet - Despatin, a proliferação de revistas de cultura geral em França é passível de ter atrasado ou impedido o enraízamento dos periódicos universitários e académicos. Esta situação pode ter tido correspondência no caso português, embora essa circunstância não anule as transferências positivas das publicações generalistas para aquelas que o não são, nomeadamente as que dizem respeito à atenção conferida à actualidade dos redactores (mais directa no primeiro caso, difusa e diferida no segundo)166.

2.4. Revistas Académicas e Universitárias de História: Panorâmica